Em SP acusado de estupro é solto após quase 3 anos preso; documentos da ação sumiram
O técnico em refrigeração Maurício (o nome é fictício), 49, passou dois anos, oito meses e 11 dias preso no Centro de Detenção Provisória 2 de Pinheiros, zona oeste de São Paulo. A acusação contra ele é grave: estupro contra uma enteada –tipificado como crime hediondo, passível de 8 a 12 anos de reclusão. Na […]
Arquivo –
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O técnico em refrigeração Maurício (o nome é fictício), 49, passou dois anos, oito meses e 11 dias preso no Centro de Detenção Provisória 2 de Pinheiros, zona oeste de São Paulo. A acusação contra ele é grave: estupro contra uma enteada –tipificado como crime hediondo, passível de 8 a 12 anos de reclusão.
Na semana passada, a Justiça de São Paulo soltou Maurício. Mas não porque se tenha provado sua inocência. Tampouco porque ele tenha cumprido pena.
A libertação ocorreu por uma incrível trapalhada daqueles que deveriam aplicar a lei para proteger a sociedade.
Nas palavras da coordenadora do arquivo do Fórum Criminal da Barra Funda, “após várias buscas nas dependências do cartório, não se logrou êxito em encontrar” o processo contra Maurício. Sumiu, evaporou, desapareceu.
Como ninguém pode ficar preso sem processo, o jeito foi soltar o homem.
DESESPERADOS
O acusado jura inocência. A Folha encontrou-o no dia seguinte ao da libertação, na igreja de São Judas Tadeu, vizinha à casa do irmão, zona sul de São Paulo. São Judas, diga-se, é o patrono causas perdidas e desesperadas. “Esqueceram de mim naquele inferno”, disse, chorando.
Ele pediu que sua identidade fosse mantida em segredo.
Segundo o juiz Rodrigo Capez, assessor da presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), “admite-se a prisão provisória (antes da sentença) por um prazo máximo de seis meses. Quando as testemunhas ou vítimas precisem ser ouvidas em outros Estados, admite-se prazo de um ano.”
A prisão provisória de Maurício foi de três a seis vezes mais extensa. A desembargadora que determinou a libertação, Rachid Vaz de Almeida, admitiu o “excesso de prazo na formação de culpa”.
“Eu pedia todo dia para Deus me matar. Até uma cova seria melhor do que aquilo”, lembrou Maurício.
“A comida vinha azeda, nem cachorro come; apertavam-se 34 pessoas em uma cela para oito pessoas; dormi no chão todos os dias; o banho podia durar o máximo de um minuto; vivi sem meu nome; eu era um número (da matrícula)”. E havia a opressão dos demais presos -o estuprador é considerado “verme” na cadeia.
SEM PROGRESSÃO
A peculiaridade dos Centros de Detenção Provisória (que os internos chamam de Centro de Depósito de Presos) é que neles vivem homens ainda sem condenação. O que deveria ser uma vantagem, na prática, transforma-se em prejuízo.
Os detentos provisórios não podem trabalhar para descontar dias de prisão, não têm direito a progressão de pena (quando se consegue o direito a, por exemplo, um regime semiaberto).
Ninguém sabe explicar como o processo desapareceu. No dia 6 de março do ano passado, aparece nos registros, que a pasta com o caso de Maurício foi enviada ao Ministério Público. Foi a última vez que se ouviu falar dela.
O acusado pedia informações do andamento do processo. O advogado contratado pela família dizia que o caso já tinha “subido”: estaria aguardando decisão no STF (Supremo Tribunal Federal).
Mas era mentira. No site do Tribunal de Justiça de São Paulo, o caso estava parado.
Ao todo, São Paulo tem 20 milhões de processos físicos (isto é, não digitalizados). Segundo Capez, a pasta com capa de cartolina que continha o processo de Maurício pode ter sido colocada por engano em uma caixa de arquivo.
BURACO NEGRO
Neste caso, seria como se os laudos do Instituto de Criminalística e do Instituto Médico Legal, além da transcrição dos depoimentos das testemunhas e os documentos juntados ao processo, fosse, tudo junto, sugado por um buraco negro. Impossível achar.
O advogado de Maurício teria de exigir o andamento do processo. Ou a família. Ou o juiz corregedor do presídio. Mas, segundo Capez, “houve um blecaute de providências”.
No meio do “blecaute”, Maurício estaria no CDP até agora, se não tivesse topado com a advogada Priscila Pamela dos Santos, voluntária do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).
Ela ministrava aulas de educação para a cidadania a uma turma de 24 presos, Maurício entre eles.
Priscila descobriu o desaparecimento do processo e pediu a libertação, que foi afinal concedida no dia 19.
O processo, agora, terá de ser “restaurado”. Remontado para que possa, enfim, resultar em uma sentença.
Segundo Capez, essa restauração demorará pelo menos um mês para ser feita. Pode ser mais.
Maurício tenta retomar a vida normal. O irmão, corretor de seguros, dispõe-se a ajudá-lo na volta à sociedade, inclusive empregando-o.
O advogado que cuidava do processo de Maurício foi destituído. Ele não foi encontrado pela reportagem.
À advogada que conseguiu a libertação, a Folha perguntou: “E se ele for mesmo um estuprador, agora à solta?” Resposta: “E se ele for um inocente que foi submetido a uma prisão absurda, sem sentença condenatória?”
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