Com câmeras em uniformes, cidade dos EUA reduz violência policial

Mais de 20 anos depois de o espancamento brutal de Rodney King pela polícia de Los Angeles ter sido mostrado ao mundo graças a um vídeo gravado por uma testemunha e transformado em símbolo de abuso, imagens de ações policiais têm voltado às manchetes nos EUA. Desta vez, porém, o tema é exatamente como a […]

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Mais de 20 anos depois de o espancamento brutal de Rodney King pela polícia de Los Angeles ter sido mostrado ao mundo graças a um vídeo gravado por uma testemunha e transformado em símbolo de abuso, imagens de ações policiais têm voltado às manchetes nos EUA.

Desta vez, porém, o tema é exatamente como a gravação dessas imagens pode contribuir para a redução dos casos de violência policial.

O assunto vem ganhando força graças à experiência de Rialto, cidade de 100 mil habitantes a cerca de uma hora de Los Angeles, na Califórnia, que se tornou modelo no combate a abusos desde que seus policiais começaram a usar câmeras acopladas aos uniformes.

Iniciada como um programa piloto em fevereiro de 2012, a experiência deu tão certo que, depois de um ano, foi adotada de maneira permanente e vem sendo imitada em cidades de todo o mundo.

“Comparamos o ano do experimento com os 12 meses anteriores e tivemos redução de cerca de 60% nos casos de uso de força excessiva por parte dos policiais”, disse o chefe do Departamento de Polícia de Rialto, William “Tony” Farrar, idealizador do programa.

Segundo Farrar, de fevereiro de 2012 a fevereiro deste ano houve 25 casos de uso de força. Nos 12 meses anteriores, foram 61.

A queda no número de reclamações de cidadãos contra policiais foi ainda mais acentuada, de 88%, passando de 24 episódios para apenas três.

Exemplo

Apesar de não ser inédito, o uso de câmeras nos uniformes pela polícia de Rialto ganhou destaque pelo fato de a experiência ter sido monitorada e os resultados comparados e analisados.

Segundo Farrar, a ideia de testar o uso das câmeras surgiu quando ele cursava um mestrado em criminologia na Universidade de Cambridge, na Grã-Bretanha.

O sucesso da empreitada ganhou ainda mais destaque depois que uma juíza federal citou a experiência de Rialto como exemplo que deveria ser seguido pela polícia de Nova York, onde a prática conhecida como “stop and frisk” (“pare e reviste”, em tradução livre) é alvo de polêmica.

Farrar conta que seu telefone não para de tocar com representantes de departamentos de polícia do mundo todo pedindo orientação.

Quando o debate chegou a Nova York, o comissário de polícia, Raymond Kelly, observou que as câmeras eram usadas em cidades bem menores, onde a implantação do programa não teria tantos desafios.

Farrar, porém, observa que mesmo cidades grandes, como Los Angeles, estão aderindo às câmeras.

“Obviamente, em um departamento (de polícia) maior, haverá um custo maior e talvez outros desafios na implementação. Mas se isso for feito de maneira gradual, pode funcionar em qualquer lugar”, diz Farrar.

De acordo com a Taser International, fabricante do equipamento usado em Rialto, sistemas semelhantes já foram vendidos para centenas de departamentos de polícia nos EUA.

Como funcionaEm Rialto, as câmeras são usadas por 80 dos 115 policiais uniformizados (o restante atua em funções que não exigem o uso do equipamento) e podem ser acopladas aos óculos de sol, no colarinho ou no quepe.

Segundo Farrar, cada unidade (incluindo baterias) custa cerca de US$ 500, o equivalente a R$ 1 mil.

Ao receber uma chamada, o policial aciona a câmera, apertando um botão duas vezes. Ao final do turno, entrega a câmera para fazer o upload dos vídeos automaticamente.

O sistema utilizado impede que o policial possa fazer qualquer alteração ou apagar o vídeo.

“Com a evolução da tecnologia, hoje em dia qualquer criança de 10 anos tem um celular com uma câmera. O que estamos fazendo é tentar capturar o incidente do início ao fim, para não ter de competir com algum clipe que possa ser mostrado e que talvez não descreva o episódio inteiro”, afirma o chefe de polícia.

Farrar diz que a experiência de Rialto demonstra que o uso das câmeras afeta de maneira positiva tanto policiais quanto cidadãos.

“Quando sabem que estão sendo observados, os cidadãos costumam se comportar de maneira mais relaxada e se mostram menos dispostos ao confronto”, observa.

“No caso dos policiais, tendem a ser mais profissionais, a seguir as regras um pouco melhor, a prestar mais atenção na maneira como estão falando com as pessoas e como estão agindo.”

O chefe de polícia também rebate críticas de que o uso de câmeras poderia deixar os policiais cautelosos em demasia e prejudicar o combate ao crime.

“Nós monitoramos isso durante o ano de experiência e registramos um aumento de 3 mil no número de contatos com cidadãos iniciados pelos policiais”, diz Farrar.

PrivacidadeUma das questões geralmente levantadas no debate sobre o uso de câmeras é o temor de que a gravação de vídeos possa levar a possíveis violações de privacidade.

Segundo a organização de defesa dos direitos civis União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês), os departamentos de polícia precisam adotar políticas rígidas para impedir que isso ocorra.

Entre as medidas citadas por Jay Stanley, analista a ACLU, estão garantir que os vídeos não sejam armazenados por períodos de tempo muito prolongados e que imagens como as de revistas em residências não sejam tornadas públicas.

Stanley diz que, tomados os devidos cuidados para impedir violações de privacidade, o uso de câmeras pode ser benéfico para todos, ajudando a proteger a população contra abusos policiais e a proteger a polícia contra falsas acusações.

“Nós vamos monitorar atentamente o impacto das câmeras. Caso boas práticas e políticas não se tornem padrão ou a tecnologia tenha efeitos negativos não previstos por nós, iremos reavaliar nossa posição sobre o tema”, afirma.

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