Para advogados criação de banco de DNA de presos não ajuda na investigação criminal

A Câmara dos Deputados aprovou no último dia 2 de maio, um projeto de lei de autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), para criação de um banco nacional de DNA, com o intuito de auxiliar na elucidação de crimes violentos. De acordo com o senador, O DNA não pode culpar uma pessoa, mas estabelece uma […]

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A Câmara dos Deputados aprovou no último dia 2 de maio, um projeto de lei de autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), para criação de um banco nacional de DNA, com o intuito de auxiliar na elucidação de crimes violentos. De acordo com o senador, O DNA não pode culpar uma pessoa, mas estabelece uma conexão irrefutável entre pessoa e cena do crime. A matéria aguarda sanção presidencial.

A proposta é uma reivindicação antiga de peritos criminais federais e de pais e parentes de vítimas de estupro e assassinatos cometidos por maníacos. Para especialistas, se o banco já existisse, teria sido possível identificar criminosos antes que eles fizessem novas vítimas.

Entretanto, em entrevista ao Midiamax, o Conselheiro da OAB-MS (Ordem dos Advogados, seccional Mato Grosso do Sul), advogado Ricardo Trad Filho e seu sócio, o advogado Juliano Quelho Witzler Ribeiro, alertam para uma invasão as garantias individuais e para o desvio do uso do material genético coletado pelas autoridades. Para ambos, a medida soa como clamor popular ao invés de eficiência investigativa.

Como os senhores vêem a criação desse banco de dados, composto por DNA de criminosos, condenados por violência dolosa?

Ricardo – Vemos como barbaridade. Na verdade é um projeto de lei que está indo à sanção e que contem no seu bojo uma inconstitucionalidade manifesta, flagrante.

A que o Sr atribui essa inconstitucionalidade?

Ricardo – A identificação criminal no país é submetida a uma lei especifica, esse é o primeiro aspecto de ordem formal. Mas no aspecto de ordem material, referente a justiça ou injustiça, ou abusividade ou não disso, tenho a dizer que colher material genético do cidadão preso, atenta contra dignidade e a intimidade da pessoa humana, esculpida na Constituição Federal.

E digo mais: ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo. Isso ficou recentemente consolidado pelo STJ (Supremo Tribunal de Justiça) em uma ação que se discutiu a validade do teste etílico, vulgarmente conhecido como bafômetro.

A lei é inconstitucional e, além disso, fere a convenção internacional dos direitos humanos, que é o Pacto de São José da Costa Rica, ao qual o Brasil é signatário.

Esse tipo de medida já é implantado em alguns países. Isso não traria certa facilidade em identificar os criminosos, partindo do principio que o projeto é baseado em solicitação de famílias que perderam entes em casos violentos?

Ricardo – Não podemos justificar os fins pelos meios, nem antecipar ou presumir que o cidadão que já cometeu um crime, voltará novamente a cometê-lo. A lei é isso, o objetivo é fazer o cruzamento de dados do cidadão que cometeu o crime, para que no futuro, na hipótese da prática de um novo delito, seja possível verificar se foi o mesmo cidadão que o fez.

Também há que ser levado em consideração, que nesse país dos dossiês – veja o caso do caseiro, que vazou de dentro de um órgão governamental, o sigilo bancário do cidadão – vivemos um Estado de bisbilhotice do Governo, o qual chegou a tal ponto que querem bisbilhotar o espermatozóide do ser humano.

A criação dessa lei não seria uma forma de modernizar as investigações?

Juliano – Não se discute hoje em dia a necessidade de melhorar a segurança pública, frente a realidade que nós vemos nos jornais e na televisão. Uma modernização da política de investigação criminal não pode afetar somente na segunda prática de um delito. Por que só coletar material de preso? Porque não coletamos então material genético de toda a população, nas maternidades? Estipula-se uma lei que se colete material de quem nasce daqui pra frente e de quem já nasceu, para montar um banco de dados geral. Ai sim se estará modernizando a investigação criminal ou criando o “CSI brasileiro”, para punir tanto quem praticar o crime pela primeira vez, quando a segunda.

Na forma como esta elaborada a sistemática de coletar material somente de presos condenados e de alguns tipos de crime, viola a igualdade entre as pessoas. Direito esse que a pessoa não perde, ainda que seja presa.

O senador acreditou que a lei diminuiria a incidência de crimes violentos. Na opinião dos Srs, alterações pontuais, como esse caso, não serviriam para inibir a prática de novos delitos?

Juliano – Embora a doutrina reconheça que alterações pontuais aumentando o corpo da pena, ou criando políticas de investigação, inibam a pratica de novos delitos, na pratica quem comete imagina que não será descoberto. Na verdade isso soa mais como conforto aos ouvidos da opinião popular para amenizar o sentimento de insegurança que está generalizado. Mas opinião popular que é clamor, não pública, porque a pública é formadora de opinião.

Então, para os Srs, o projeto de lei, apesar de ter passado pelo Congresso, ainda é controverso?

Ricardo – para se ter uma idéia, a questão é controvertida até nos Estados Unidos. Porque lá diferentemente do que ocorre no Brasil, os Tribunais existem em cada cidade. O fato é que na Califórnia, a corte local decidiu pela legalidade disso, mas por maioria. Então houve dissidência de votos, com base nisso que estamos expondo: em garantias individuais, provas contra si mesmo. Com isso vemos que até lá, que é um país de 1º mundo, onde o judiciário goza de prestígio e respeito, o tema é controvertido. E olha que a polícia norte americana é eficiente.

Quais seriam as conseqüências da entrada em vigor da uma lei como essa, na opinião dos senhores?

Juliano – Como está posta a idéia, se a principio é interessante aos olhos sociais, levando esse entendimento às últimas conseqüências, você está criando um banco de dados que ficará a disposição do Estado, que é falível – porque é feito por homens – além de que estamos há um passo de transformar a sociedade no Admirável Mundo Novo (livro de Adolf Huxlei), onde se criam castas sociais de acordo com aptidão genética de cada um. Essa é a conseqüência levada ao extremo da proposta do legislativo.

Ricardo – Já a conseqüência imediata seria a entrada em vigor de uma lei que abalaria apropria dignidade da pessoa humana. E outra, o projeto de lei fala, “aquele que comete o crime doloso contra a vida”. Vai ficar a critério de quem avaliar se foi dolo, ou se foi culpa? Fica critério sempre da autoridade policial.

O Sr. acha que deixar nas mãos da polícia seria arriscado?

Ricardo – O delegado tem uma visão pessoal dele, como tem o Ministério Público, o Juiz e o advogado. Mas de repente, o delgado acredita que se trate de um crime doloso, grave ou violento, como estipula o projeto de lei e isso bastaria para colher esperma, cabelo, unha, dos cidadãos.

Mesmo no caso de assassinos em série, estupradores?

Ricardo – A gente não pode criar desigualdade entre os iguais. Criar essa espécie de diferenciação contraria inclusive o princípio de individualização da pena.

Juliano – Ainda que uma pessoa seja condenada por um crime gravíssimo, bárbaro, o ordenamento jurídico deve ser criado não por causa de situações peculiares, mas conter uma norma geral que se aplica para todos. Mesmo sendo condenada por um crime bárbaro, ela não perde o status de ser humano, um direito que não é abrangido pela condenação. Deve ser respeitada sua integridade física, o que contraria a coleta material genético, coercitivamente, obrigatoriamente, ainda que por decisão judicial.

O temor então é de que o banco de DNA caia em mãos erradas, sendo utilizado para outros fins que não o especifico de combate a criminalidade?

Ricardo – O próprio texto da lei prevê isso, porque diz que a identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, então prevê que o sigilo pode ser quebrado.

Juliano – Assim como acontece com os dados da Receita federal, onde informações sigilosas, submetidas a segredo de Justiça, são divulgadas em época de eleição para favorecer determinadas pessoas. Um exemplo é o caso de reportagem divulgada pela Revista Veja sobre o governador do distrito federal, Agnelo Queiroz, que utilizava uma técnica de entrar em contato com os líderes da Polícia Civil para obter informações sigilosas a respeito de seus adversários políticos. São informações de bancos de dados.

Cabe salientar que essas idéias de proteção de direitos humanos e proteção a legalidade que nós defendemos não significa uma proteção a bandido. Na verdade reforçamos que o direito penal deve ser usado em ultimo caso, porque ele é um instrumento muito forte a disposição de um Estado soberano.

A lei seria uma espécie de manobra para esconder uma falha dentro do próprio sistema de Governo?

Juliano – Sim. Transfere-se ao Legislativo uma idéia de se criar uma lei para transmitir esse sentimento de certa forma, falso, para a sociedade, com o intuito de maquiar uma ausência estatal, no campo da igualdade social, do poder executivo, porque esse é o motivo maior da criminalidade que acontece no Brasil.

Se você pegar os relatórios de departamentos do sistema penitenciário e os dados da CPI do sistema penitenciário que foi feito recentemente, percebe-se que o perfil do criminoso nacional é de crimes praticados pela desigualdade social. Muitos contra patrimônio e tráfico de drogas por aviõezinhos ou mulas.

Frente a essa ineficiência do sistema, as autoridades legislativas usam a própria mácula para criar uma lei que afronta a Constituição Federal, tratados de direitos humanos, aos quais o próprio sistema deveria seguir.

Ricardo – é o Estado Leviatã, que se intromete onde não deveria. Essa é uma questão de segurança pública, mas não se pode buscar os fins, sem medir os meios.

Como ficaria a sanção dessa lei, dentro do contexto da reforma do código penal?

Juliano – A reforma do código penal, coordenada pelo ministro do STJ, Gilson Dipp, esta sendo acompanhada por brilhantes juristas de todo o país e vai no sentido oposto a essa idéia. Ela defende uma humanização da pena, o encarceramento em último caso, aplicando penas alternativas no campo da política de repressão criminal.

Ricardo – a reformulação tende a ser mais garantista, ao invés de repressiva. Além disso, o Brasil não está preparado para isso. Onde vai ser armazenado? O dispõe de laboratórios ou local especializado para guardar esse material genético?

Isso quer dizer que trabalhar com provas científicas é economicamente inviável para o país?

Juliano – Se quisermos criar a percepção criminal com base somente em firme prova científica sim, porque isso tem um custo muito grande para o Estado. Hoje, as perícias criminais demoram tempo para ser feitas. Em São Paulo, que é o maior Estado da Federação, por exemplo, existem filas de requisições de pericias criminais. É um método difícil e caro. Não que não deva ser assim, mas a realidade não deve ser desprezada.

Ricardo – A gente vive em um Estado sensacionalista, do espetáculo, e nessa medida o Estado passa a ser mais interventor do que já é, interferindo mais no íntimo. Isso não é nem uma porta com maçaneta, é uma porta automática pra que nosso RG passe a ser substituído por um fio de cabelo.

OAB já se posicionou formalmente sobre a lei?

Ricardo – Como conselheiro titular eu tenho minha opinião pessoal, de que esse projeto de lei padece de inconstitucionalidade. Naturalmente essa questão será levada adiante e debatida pelo conselho. Oportunamente, creio eu.

Essa lei pode acabar sendo sancionada e depois sofrer algum tipo de retaliação por parte da ordem?

Ricardo – Exatamente. O Conselho Federal da OAB tem legitimidade para propor uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra a lei. Mas eu não diria retaliação. Acredito no resgate do estado democrático de direito, tirando da vigência uma lei que agride princípios elementares constitucionais.