Torturas praticadas na Capital estariam relacionadas com decisão da que engessou trabalho da PM. Defensores alertaram Justiça e o secretário de Segurança sobre relatos de adolescentes supostamente torturados com choques elétricos em batalhões.

“Nos causam preocupação o fato de que as sessões de violência aconteceram em várias unidades militares distribuídas nas áreas de atuação e comando dos três batalhões (1º, 9º e 10º) da Polícia Militar da Capital, regiões da Vila Margarida, dos bairros Coophavila-Tarumã, Piratininga, Coronel Antonino, Conjunto União, dentre outros, e, também na atuação da Companhia Independente de Gerenciamento de Crises e Operações Especial (Cicgoe) e do Serviço Reservado da PM, que no interior desses prédios públicos, vítimas quase desnudas, algemadas ou não, sofreram e podem estar sofrendo atos de violência física e psíquica, que na maioria das vezes não deixam vestígios, praticados por agentes públicos que assumiram o compromisso primordial de se necessário disporem da própria vida na defesa da sociedade, sendo que, quando no estrito cumprimento do dever legal têm por obrigação preservarem e respeitarem a integridade física tanto da vítima como do agressor na condição de seres humanos”.

O trecho acima, com conteúdo de inquéritos só visto no Brasil do período dos anos de chumbo, da Ditatura, é parte de uma série de denúncias que estariam relacionadas com a polêmica decisão da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Púbica) de Mato Grosso do Sul.

Desde o meio desta semana, por determinação estadual, policiais militares não podem mais agir em investigações que envolvam civis nem prender suspeitos, colocá-los no camburão e levá-lo para outro lugar, senão para uma delegacia da Polícia Civil.

As duas resoluções geraram polêmica e o assunto foi parar na mesa das principais autoridades políticas do Estado. O secretário Wantuir Jacini (Sejusp) admitiu modificar trechos das resoluções, mas, enquanto isso não acontece, as regras que limitam as ações dos militares serão mantidas.

Pela lei, as resoluções não são novidades. Não é atribuição da Polícia Militar em atuar em investigação, nem é prerrogativa da Polícia Civil andar em viaturas caracterizadas.

As denúncias sobre os supostos abusos correm por gabinetes de autoridades políticas e judiciárias desde janeiro do ano passado e foram formuladas pelo Núcleo de Direito Difusos e Coletivos, braço da Defensoria Geral do Estado. Até agora, sem respostas.

Note aqui um trecho do ofício 47/08, escrito no dia 8 de outubro do ano passado, entregue ao secretário Wantuir Jacini, cinco dias após a reeleição do governador André Puccinelli, do PMDB.

A Defensoria Pública narra ao secretário relatos de internos da Unei Los Angeles, onde ficam os adolescentes tidos como infratores, acompanhe:

“Que foram abordados pela Polícia Militar e levados para as dependências do posto da Polícia Militar, e, nesse local foram vítimas de tortura com espancamento, afogamento com sacos plásticos na cabeça, choques elétricos, e somente várias horas após a apreensão são encaminhados para a delegacia especializada”. No ofício, a Defensoria revela que para “exemplificar” o episódio acima foram remetidos “cinco casos com ocorrências em datas distintas”.

Agora um trecho alertando o secretário sobre as práticas adotadas por PMs, tidas como desvio de função.

“Sendo a tortura, crime considerado hediondo, e sendo a Polícia Militar autoridade incompetente para investigar qualquer crime que envolva somente civis, principalmente adolescentes, não existe justificativa para que a PM ao apreender adolescentes, com eles permaneçam perambulando pela cidade, cometendo contra os mesmos, toda espécie de arbitrariedade, e torturas, inclusive, com o uso de choque elétrico”.

O comunicado afirma, ainda, que “todas as vezes que a Defensoria Pública ouviu relatos, com pelo menos indícios de prova, as providências foram tomadas. Entretanto, até o momento essas medidas não tem tido efeitos profiláticos (preventivo) necessários para dar cobro (fim) a essa situação”. Os parênteses foram inseridos pela reportagem.

No término do ofício, a coordenação da Defensoria solicita ao secretário que “determine a Polícia Militar, por meio de seu comando geral, para que todos os adolescentes supostamente infratores, apreendidos pela Polícia Militar sejam imediatamente entregues a autoridade competente, isto é, Delegacia Especializada da Infância, Adolescência e Juventude”.

Relatos de adolescentes que saíram machucados de dentro de camburões foram encaminhados, também, à Justiça. Os atos de violência fora revelados por meio do protocolo registrado sob o número 296, entregue às 10h39 minutos do dia 25 de janeiro de 2010.

Numa dessas declarações, assim a Defensoria Pública se manifestou ao magistrado: “Dentre as modalidades dos atos de violência noticiadas pelas vítimas atendidas pela Defensoria Pública do Estado, as mais frequentes são: o choque elétrico em todas as regiões do corpo humano; o chamado corredor polonês ocorre de forma mais intensa quando há coincidência da apreensão do adolescente com a assunção de serviço, momento onde há maior concentração de policiais nas unidades militares, o gás de pimenta na região dos olhos e do nariz, o afogamento seco, os golpes de cassetetes, socos e pontapés com maior incidência nas regiões dos rins e do estômago”.