Miopia e insensatez do Ministério da Leniência
Valter Pereira

Na medição das queimadas da Amazônia realizada em junho recente, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – noticiou que, desde 2007, no mesmo período, não houve tanta lavareda como de 2020, quando foram detectados mais de 2.200 focos de incêndio.

Em relação a 2019, quando imagens de satélite do mesmo INPE deixaram o mundo perplexo face à exibição da floresta ardendo, o aumento do fogo, agora medido, foi de aproximadamente 20,00%.

Naquele primeiro ano de governo, o Presidente Jair Bolsonaro censurou as informações do físico Ricardo Galvão, suscitando dúvidas sobre as fotografias de satélite e os relatórios técnicos elaborados por um dos mais conceituados órgãos especializados em tais eventos do mundo.

Ao bater de frente contra o cientista, o Presidente conseguiu livrar-se do diretor do INPE, que se demitiu. Mas não se livrou do ridículo por ter afrontado o conhecimento científico e a tecnologia.

Todavia, não é correta a leitura de que a ira do chefe do governo, à época, decorria tão somente de dúvidas quanto a qualidade dos relatórios.  O que o incomodava era sua indisposição para lidar com a natureza. Isso contrariava seu interesse de não perturbar garimpeiros e grileiros de terras públicas que o apoiaram.  Assim,  a reação presidencial foi o primeiro sinal de que predadores da do meio-ambiente, especialmente da Amazônia não seriam molestados na atual administração.

Mais do que isso: a gestão Bolsonaro iniciava verdadeiro roteiro de demolição de todo o sistema de proteção ambiental do País, expondo duramente o bioma amazônico a mais torpe predação.

E para essa tarefa escalou o obediente burocrata Ricardo Salles a quem entregou o comando do Ministério do Meio Ambiente que, aos poucos vai se transformando em Ministério da Leniência Ambiental.

Imbuído desse espírito, o ministro vem castrando a fiscalização do órgão ambiental, cujos agentes são tolhidos de aplicar penalidades severas por infrações graves. Fiscais ambientais e coordenadores de operações do IBAMA são persuadidos à complacência nas funções que exigem rigor. Muitos foram exonerados por penalizar infratores.  O reduzido quadro de fiscais até pode fiscalizar mas, paradoxalmente, não pode punir.

Se o governo esperava que sua leniência com a grilagem, o desmatamento abusivo, o garimpo ilegal, a violação das reservas legais e o menoscabo com as comunidades indígenas, fossem tolerados pela sociedade, esbarrou em forte equívoco.

Até instituições financeiras geralmente comedidas em tais polêmicas, tem advertido o governo quanto aos riscos do retrocesso ambiental do País. Presidentes do Itaú Unibanco, Cândido Bracher e do Bradesco, Otávio Lázari romperam o silêncio para alertar o governo.  E não estão solitários. Um grupo de aproximadamente 30 grandes empresas e instituições financeiras de todo o mundo publicou recente documento condenando o desmatamento desvairado. E alertou que estamos diante de “uma incerteza generalizada sobre as condições para investir ou fornecer serviços financeiros ao Brasil”.

Além do sombrio cenário de negócios, o Brasil já perdeu milhões de dólares do Fundo Amazônia que países europeus deixaram de enviar por conta do desvario da politica ambiental.

Como se vê, o retrocesso na questão ambiental não expõe a risco apenas a qualidade de vida das novas gerações, mas ameaça, também os interesses econômicos e financeiros mais imediatos do País.

O Conselho da Amazônia, veio para abafar a má fama que vem contaminando o governo e inibir previsíveis consequências.  Entregar o comando do órgão ao general Hamilton Mourão, sugeria imediata reversão de expectativa na politica ambiental.  Afinal, o peso de sua condição de Vice-Presidente da República só se justificaria para imediata e profunda correção de rumo.  No entanto, a ausência da sociedade civil no colegiado, bem como de técnicos independentes e representantes de governos locais, demonstra que o Conselho veio para respaldar as diretrizes do governo e não para muda-las.

Aliás, o Vice-Presidente Hamilton Mourão ao se dirigir ao grupo de grandes empresários do agronegócio com quem se reuniu na semana passada, contestou as críticas, invocando teoria de conspiração: “Óbvio que eles serão incomodados com isso, pelo avanço da produção brasileira. Eles buscarão impedir que essa produção evolua como ela vem ocorrendo”. Ora, o próprio agronegócio tem sustentado que a preservação da Amazônia em nada atrapalha a expansão da produção que tem se dado em razão do avanço tecnológico e não de aumento da área de plantio.

Ao mesmo tempo em que o governo relativiza sua leniência, o ministro Marcos Pontes, da Ciência e Tecnologia, ao qual o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é vinculado, exonera a pesquisadora Lúbia Vinhas, da Coordenação Geral de Observação da Terra (CGOBT), responsável pelo pelos sistemas Deter e , que acompanham o desmatamento da Amazônia.

E isso ocorre depois do prognóstico sombrio acerca do bioma, sujeito perder de 12 mil Km2 a 16 mil Km2, conforme projeções dos últimos 4 anos avaliadas pelo órgão.  O governo descarta retaliação à servidora e justifica a exoneração à mudanças na estrutura do órgão. Mas tudo indica que, na reforma anunciada, o monitoramento da floresta passará para a responsabilidade de algum militar, mais permeável ao controle da informação.

O fato é que, está em curso o desmantelamento de toda rede de sustentabilidade ambiental do País. E essa é uma diretriz do governo, a começar pela Amazônia.  Isso ficou claro na bizarra reunião ministerial de 22 de abril, quando, o Ministro Ricardo Salles sugeriu aproveitar “…. o momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala em Covid-19, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.  Sem reparo do Presidente, restou clara a obediência do serviçal à diretriz do chefe.

Em todo esse contexto, foi providencial a iniciativa do Ministério Publico do Meio Ambiente, proposta por 12 Procuradores que denunciam Ricardo Salles por improbidade administrativa e propõem seu afastamento do Ministério.  No entanto, é preciso ter em conta que ambos – Presidente e Ministro – estão infringindo a Constituição e devem responder por crime de responsabilidade e improbidade administrativa, sob pena de trocar 6 por meia dúzia.  De qualquer forma, é preciso resistir ao retrocesso e proteger a vida em todas suas formas.   E proteger, também, os interesses econômicos do País, ameaçados pela miopia e insensatez desse Governo e Ministério da Leniência Ambiental.

 


* Valter Pereira –  , Ex-Deputado Federal, Ex-Senador da República.