O presidente reeleito da , Emmanuel Macron, não perdeu tempo. Após derrotar Marine Le Pen nas urnas, no domingo, 24, ele enfrenta agora dois desafios: além de unir um país dividido por radicais de esquerda e direita, ele precisa obter uma base de governo nas eleições legislativas de junho – daqui a 47 dias.

Uma das características do semipresidencialismo francês é realizar as eleições legislativas logo após a presidencial. Em tese, elas favorecem o candidato vencedor semanas antes, mas desta vez as coisas podem se complicar para Macron, já que seus adversários estão encarando a votação como um “terceiro turno”.

Como esperado, após a vitória de domingo, o premiê, Jean Castex, renunciará com outros ministros, permitindo que o presidente escolha um novo gabinete nos próximos dias. “Se Macron conseguir trazer deputados da esquerda e da direita para seu lado e obtiver maioria no Parlamento, ele pode aprovar suas reformas”, disse a professora de sociologia política Frédérique Matonti, da 1 Sorbonne.

O que pode complicar Macron, segundo Matonti, é a capilaridade dos partidos tradicionais. Na eleição nacional, legendas com pouca penetração podem até ser bem votadas. Nas legislativas, porém, os partidos tradicionais têm mais força. “É impressionante ver que os dois partidos tradicionais (Os Republicanos, de direita, e o Partido Socialista, de esquerda) tiveram menos de 5% dos votos no primeiro turno”, disse Matonti. “Mas o paradoxo é que ambos se encontram muito bem ancorados em nível local.”

Para complicar o cenário, os principais candidatos presidenciais prometeram revanche. “Lançamos esta noite a grande batalha das legislativas”, afirmou Le Pen, na noite de domingo. O discurso do esquerdista radical Jean-Luc Mélenchon, no fim de semana, também foi de desforra. “O terceiro turno já começou”, disse ele, que ficou em terceiro lugar no primeiro turno.

Alianças

Por isso, além de enfrentar candidatos dos dois partidos tradicionais, Macron possivelmente terá de lidar com alianças nos dois extremos. Mélenchon lançou a União Popular, de partidos da esquerda, e agora faz campanha para eleger aliados e se tornar premiê. Éric Zemmour, candidato radical de direita, defendeu a “união dos nacionalistas”, incluindo os deputados da Reunião Nacional, de Le Pen.

Portanto, se quiser uma base para governar a França nas eleições legislativas, Macron tem de aprender a navegar em um país fragmentado, não mais dividido entre esquerda e direita, mas tripartido entre progressistas, conservadores moderados e os radicais de extrema direita.

Uma análise do voto no segundo turno mostra onde Macron pode avançar. A vantagem de 17 pontos sobre Le Pen (58,5% a 41,5%) foi ainda mais significativa nas grandes cidades, onde ele venceu com facilidade: em Paris (com 85,1% dos votos), Rennes (84,1%), Nantes (81,1%), Bordeaux (80,1%) e Lyon (79,8%). Le Pen se saiu melhor nas pequenas cidades, em parte do nordeste da França e nas zonas rurais.

Segundo o cientista político Frédéric Sawicki, professor de ciências políticas da Universidade Paris 1 Sorbonne, esta divisão mostra onde está a ruptura na França. “As classes populares urbanas, que votaram em Mélenchon no primeiro turno, migraram para Macron para barrar a extrema direita”, disse. Outro fator importante, para Sawicki, é a escolaridade. “Quanto mais alta, menor a tendência de votar em Le Pen”.

Refundação

Para Matonti, a divisão é um sinal de alerta para a fragilidade do próprio sistema político, já que o semipresidencialismo francês tende a concentrar poder demais nas mãos do presidente. “Um presidente com maioria no Parlamento tem um poder enorme. É por isso que a verdadeira reforma que deveria ser feita é política, acabando com a Quinta República e instaurando um regime parlamentar”, disse.