Quatro anos após tsunami, japoneses ainda mergulham em busca de sinais de parentes

Duas vezes por mês, dois japoneses vestem equipamentos de mergulho e enfrentam o mar

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Duas vezes por mês, dois japoneses vestem equipamentos de mergulho e enfrentam o mar

Duas vezes por mês, dois japoneses vestem equipamentos de mergulho e enfrentam o mar. Yasuo Takamatsu busca pela esposa e Masaaki Narita procura a filha, ambas levadas pelo tsunami que atingiu o Japão há quatro anos.

Eles sabem que elas não estão mais vivas, mas esperam encontrar algo, qualquer coisa, capaz de dar-lhes um sentido.

Sob as águas da Baía de Onagawa, na Província de Miyagi, no nordeste do Japão, encontram-se geladeiras, TVs, carros e caminhões acumulados no fundo, cobertos por uma camada de lama.

“Imagine uma grande cidade, coloque-a num moedor e jogue tudo no oceano,” foi como um oceanógrafo descreveu o efeito do tsunami japonês.

Sob a água, as coisas ainda estão onde foram deixadas pela força das ondas. Acima, no entanto, tudo mudou.

Barcos de pesca estão de volta ao trabalho – a base da dieta japonesa, conhecidamente, é de peixes e frutos do mar e esta é parte fundamental da economia local.

Os destroços de um movimentado porto já foram recolhidos. Agora, há uma vasta área de concreto vazia, à exceção de um canto, onde foi construído um pequeno memorial no local que, antes, abrigava a unidade do Banco Shichijushichi (77) de Onagawa.

Quando o alerta de tsunami soou às 14h50 em 11 de março de 2011, funcionários do banco estavam ocupados, arrumando os danos causados pelo terremoto que havia abalado o edifício minutos antes.

O gerente estava fora, se encontrando com clientes. Dirigindo de volta pelo litoral, viu o mar retrair – um sinal claro de um tsunami iminente. Assim que entrou, disse a todos para que parassem o que estavam fazendo e subissem para o telhado do edifício de dois andares o mais rápido possível.

Assim que chegaram, ouviram a sirene e o alerta municipal para que a população buscasse refúgio em lugares altos.

Onagawa foi destruída por tsunami; estima-se que 16 mil pessoas tenham morrido

Uma funcionária pediu para ir para casa – disse estar preocupada com os filhos. O gerente disse que não poderia detê-la. Ela, então, correu para o carro, que estava estacionado a 300m dali, e se foi.

Aos que ficaram, o gerente pediu para que olhassem ao mar, a apenas 100m dali em condições normais, e prestassem atenção nas notícias. A rádio informou que um tsunami de 6m atingiria o local às 15h10.

Entre os 13 funcionários refugiados no telhado estava Yuko Takamatsu, de 47 anos. Seu marido, Yasuo, a tinha deixado de carro naquela manhã, apesar de ambos morarem a poucos minutos dali. Durante o curto trajeto, conversaram sobre o que teriam para jantar. “Não diga: ‘qualquer coisa está bom!”, disse ela.

 

‘Você está seguro?’

Também no telhado estava Emi Narita, de 26 anos, da cidade vizinha de Ishinomaki, onde seu pai, Masaaki, tinha uma fábrica de processamento de peixe. Eles tinham se encontrado no jantar na noite anterior.

Os funcionários estavam nervosos no telhado. Discutiam se havia tempo para fugir para um hospital próximo – um prédio mais alto e forte – mas decidiram ficar. Afinal, um tsunami de 6m só atingiria o primeiro andar. Alguns desceram para pegar casacos – fazia frio e ainda havia neve no chão.

Yuko enviou ao marido uma mensagem de texto: “Você está seguro? Quero ir para casa.”

O tsunami atingiu Onagawa momentos depois. Vídeos feitos por sobreviventes mostram como a água escura moveu-se rapidamente pela cidade, de maneira implacável, varrendo tudo em seu caminho.

Prédios cederam e carros e caminhões foram empilhados como brinquedos. Em poucos minutos, o mar havia engolido áreas que antes eram consideradas seguras.

O banco inundou rapidamente – levou apenas cinco minutos para a água encher metade da agência. Os funcionários decidiram subir no topo de uma sala de energia que ficava sobre o prédio. Enquanto subiam a escada vertical de 3m, o vento forte quase os levou.

O tsunami acabou sendo muito, muito maior do que qualquer um esperava.

 

‘Edifícios arrancados dos alicerces’

As defesas da cidade haviam sido construídas tendo como base o que considerava-se ser o pior tsunami – uma onda de 6m no Chile, em 1960. Mas este chegou a ser três vezes maior.

Assim, muitos abrigos foram inundados – até mesmo o hospital, matando quatro pessoas no próprio edifício e 16 no estacionamento.

“Onagawa foi uma das áreas mais atingidas pelo tsunami”, diz Tsutomu Yamanaka, coordenador de resgate que chegou uma semana após o desastre.

Imagens de satélite mostram como o mar chegou e destruiu a cidade. Mais de 5 mil edifícios foram levados ou danificados além de reparos.

“Os edifícios foram arrancados de seus alicerces”, disse Yanamaka, descrevendo a cena que ele testemunhou ao chegar em Onagawa.

Na manhã seguinte ao tsunami, Yasuo Takamatsu foi ao hospital para encontrar Yuko. Teve que abandonar seu carro e abrir caminho pelos escombros.

Ficou surpreso ao descobrir que ela não estava lá.

“Muita gente se refugiava ali, mas me disseram que ela tinha sido levada pelo tsunami”, diz. “Depois disso, eu simplesmente não conseguia ficar em pé. Tinha perdido toda a minha força.”

Demorou mais tempo para que o pai de Emi Narita, Masaaki, descobrisse o que tinha acontecido com ela após o tsunami.

Por quatro dias, não conseguiu falar com sua esposa, que trabalhava como enfermeira longe de casa. Foi ela quem havia lhe dito que Emi estava desaparecida. “Eu não conseguia acreditar. Não consigo acreditar nisso mesmo agora.”

Autoridades locais ficaram sobrecarregadas pelo desastre: os problemas logísticos e práticos eram colossais e equipes lamentavam mortes de seus próprios familiares e conhecidos.

Quase um em cada 10 moradores da cidade estava morto ou desaparecido. A maioria dos sobreviventes estava abrigada em alojamentos especiais e passava os dias à procura de parentes

 

‘Ainda estamos em 2011’

Takamatsu estava lá também, à procura de sua esposa, Yuko. “Procurei por ela em todos os lugares, mas ela estava longe de ser encontrada.”

A única coisa que ele conseguiu recuperar foi o celular dela, encontrado no estacionamento atrás do Banco 77. Takamatsu pensou que ele não funcionaria, já que estava encharcado. Mas, meses depois, pegou o telefone e tentou usá-lo.

Milagrosamente, o aparelho funcionou. Ele, então, viu que ela havia tentado mandar outra mensagem, que nunca chegou: “O tsunami é desastroso.”

Das 13 pessoas no telhado, apenas uma sobreviveu. Os corpos de quatro funcionários foram encontrados, mas oito seguem desaparecidos – entre eles Emi e Yuko. A funcionária que deixou o banco de carro sobreviveu.

“Não consigo entender por que eles foram para o telhado”, diz Narita. “Não havia como escapar de lá. Se eles tivessem ido para a montanha, eles poderiam ter ido a um lugar mais alto.”

O prédio do Banco 77 foi destruído, junto com todos os outros prédios na área do porto. Embora a cidade tenha começado a se reconstruir, para as famílias em luto, é difícil seguir em frente.

“Nós ainda estamos presos em 2011”, diz Narita.

Takamatsu é assombrado pela mensagem enviada por Yuko. “Tenho essa sensação de que ela ainda quer voltar para casa.”

“Gostaria de tê-la buscado no banco depois do terremoto, mas não tenho certeza de que teria sido a decisão certa. O alerta de tsunami nos disse para ficar longe do litoral e, se eu tivesse ido para lá para buscá-la, é provável que eu tivesse sido levado pelo tsunami também.”

“Mas, ao mesmo tempo, queria ter ido lá e salvado-a.”

Há dois anos, quando viu mergulhadores da Guarda Costeira japonesa procurando restos mortais dos desaparecidos, teve uma ideia: poderia fazer o mesmo, e talvez trazer Yuko para casa.

“Então eu aprendi a mergulhar. Senti como se eu pudesse encontrá-la um dia,” diz.

Desafio sob a água

Takamatsu precisava de uma licença de mergulho, e começou a aprender aulas numa escola. Quando falou com Narita sobre isso, e se ofereceu para procurar também por Emi, Narita decidiu se juntar a ele.

Aprender a mergulhar foi um desafio para esses homens, ambos com mais de 50 anos. Takamatsu estava apavorado com a ideia de ficar sem oxigênio e ter que subir para respirar.

Narita tinha outros problemas. “Não fiquei com medo, mas não conseguia controlar meu corpo no fundo do mar,” diz. Ele achava difícil até mesmo regular a respiração. “Nunca pensei em desistir, mas sofri.”

Após meses de treinamento, os dois foram certificados no ano passado, e, desde então, fizeram mais de 80 mergulhos. A busca deu-lhes um propósito na vida.

“Não podia fazer nada antes de começar a mergulhar, mas depois que decidi encontrar a minha filha, fiquei positivo sobre isso – um pouco. Fiquei incentivado procurando por ela”, diz Narita.

“Era deprimente não fazer nada”, diz Takamatsu. “No começo, só queria encontrar a minha mulher, mas agora espero poder encontrar outras pessoas também.”

É um trabalho duro. A baía é muito profunda e a maioria dos objetos está enterrada sob uma espessa camada de lama.

Eles têm bons dias. Já encontraram uma caixa de uma criança e um álbum de casamento. Qualquer coisa que tenha algum nome volta aos seus donos. Carteiras, livros bancários, e selos são entregues à polícia. As fotografias podem, muitas vezes, ser restauradas.

Estima-se que 5 milhões de toneladas de detritos tenham sido levadas ao mar pelo tsunami. Dois terços afundaram ao longo da costa, cobrindo o fundo do mar e prejudicando o meio ambiente marinho.

Barcos, boias e portas de geladeira ainda aparecem no litoral da América do Norte e Havaí. Já os corpos de mais de 2 mil pessoas, das 16 mil que estima-se terem morrido, nunca foram encontrados.

Muitos dos cidadãos de Onagawa se mudaram para escapar das memórias do desastre – e encontrar trabalho. Takamatsu ficou, e, por meio do mergulho, tem uma nova visão do mar. “Encontrei criaturas que nunca tinha visto, belos peixes”, diz ele. “Você geralmente não consegue ver esses mundos.”

Apesar da aparente falta de perspectiva para o trabalho que fazem, Takamatsu e Narita não têm nenhuma intenção de desistir. “Ainda tenho a esperança de que podemos encontrar algo – talvez um corpo humano, independentemente de se tratar de minha filha ou não”, diz Narita.

Sua única lembrança de Emi é uma pintura que ele encomendou depois de sua morte, que tem lugar de destaque na sala – todas as fotos que tinha foram perdidas, juntamente com a casa da família.

“Procurarei por minha filha enquanto meu corpo permitir. Se eu desistir, não há nenhuma chance. Se eu continuar procurando, posso ter uma chance, pelo menos.”

Takamatsu se sente da mesma maneira. “Quero continuar minha procura enquanto tiver forças, embora as chances de encontrá-la são poucas. Sei que ela já morreu, mas não quero que ela seja deixada sozinha sob o mar.

“Honestamente, ainda quero encontrá-la e trazê-la para casa.”

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