É a primeira vez que ocorre um 2º turno nas eleições presidenciais do país

Após 12 anos de governo, o kirchnerismo sofreu um inesperado revés nas urnas, no domingo (25), com o candidato da oposição à presidência argentina, Mauricio Macri, da aliança Cambiemos (‘Mudemos’, em tradução livre), recebendo mais votos do que o esperado e levando a eleição para um segundo turno em novembro.

É a primeira vez que ocorre um segundo turno nas eleições presidenciais argentinas desde o retorno da democracia, em 1983.

A expectativa do governo era de que seu candidato, Daniel Scioli, da Frente para a Vitória (FPV), vencesse no primeiro turno. Além disso, pesquisas de opinião indicavam que Scioli poderia ter em torno de oito pontos percentuais de vantagem sobre Macri.

Na madrugada de segunda-feira (26), contudo, com 85,16% das urnas apuradas, Macri tinha 35,21% dos votos e Scioli, 35,94%. A eleição só teria evitado o segundo turno caso um dos candidatos tivesse atingido 45% dos votos ou 40% e uma diferença de 10% para o segundo colocado.

Os primeiros resultados oficiais foram divulgados à 0h (1h em Brasília), cerca de seis horas após o encerramento da votação. A divulgação tardia provocou fortes críticas contra o governo na imprensa local.

Inicialmente, a apuração dos votos mostrava Macri à frente de Scioli. Ao discursarem na noite de domingo, os candidatos já deram o tom da campanha que se estenderá até 22 de novembro, data do segundo turno.

‘Novo tempo’

Com um semblante sério e vestido de terno e gravata, Scioli fez um apelo aos indecisos e criticou Macri. “Se dependesse de Macri, não teríamos a ‘Asignación Universal por Hijo’ (AUH, ajuda social para famílias carentes com filhos pequenos)”, disse Scioli.

O candidato governista também defendeu medidas da gestão de Cristina Kirchner e voltou a alfinetar o opositor sobre a estatização da YPF.

No passado, Macri havia criticado a intervenção, mas nesta campanha afirmou que teria feito o mesmo.

Scioli disse ainda que os argentinos “não querem voltar aos tempos de ajustes e desvalorização” e sugeriu que, uma vez eleito, tais medidas não seriam aplicadas. “Peço humildemente que continuem nos acompanhando”, disse.

Em clima de festa, Macri, de calça comprida e camisa esporte, sem gravata, disse que “começou um novo tempo no país”.

Como tem sido costumeiro em seus comícios, o candidato da oposição terminou dançando ao som de músicas populares. Ele pediu votos para os eleitores dos outros quatro candidatos opositores derrotados e não mencionou o nome de Scioli.

Macri agradeceu ao apoio de sindicalistas, movimentos sociais e outros partidos que integram a Cambiemos, além de citar os peronistas – que, mesmo divididos, podem definir uma eleição, de acordo com analistas.

Segundo assessores, Scioli, que é governador da província de Buenos Aires, e Macri, prefeito da cidade de Buenos Aires, são amigos de longa data, mas divergem na arena política.

Na noite de domingo, eles reforçaram que a campanha pelo segundo turno começou e promete ser tão acirrada quanto a do primeiro turno. “Scioli assusta as pessoas sugerindo que elas podem perder os planos sociais (a AHU)”, disse a jornalista Maria O’Donnell, do canal de TV 26.

Ex-atleta que teve o braço direito amputado após um acidente em uma competição de motonáutica, Scioli, que chegou a se encontrar com a presidente Dilma Rousseff, disse, durante a campanha, ter sido inspirado pelo papa: ” o que defendemos é a cultura do encontro apoiada pelo papa Francisco”.

Já o tom da campanha de Macri foi de que “a Argentina merece mais”. “O kirchnerismo, com sua política do medo, tentou nos convencer de que o que temos é suficiente. Mas somos capazes de mais, de muito mais”, disse Macri.

‘Derrota do kirchnerismo’

O pleito também escolheu deputados nacionais, parlamentares para o Mercosul e governadores de onze províncias. O pleito de domingo foi marcado pelo fracasso do kirchnerismo nos principais redutos eleitorais do país, como na província de Buenos Aires.

A candidata de Macri, Maria Eugenia Vidal, venceu o candidato de Cristina, Anibal Fernández, na província governada há oito anos por Scioli. “Aconteça o que acontecer (no segundo turno presidencial) será um fim de ciclo (do kirchnerismo) na Argentina”, disse a analista política Graciela Romer.

Mais cauteloso, o analista Roberto Bacman disse que “o certo é que o domingo foi marcado por surpresas”.