Com velórios muitas vezes proibidos e enterros protocolares, inúmeras famílias não conseguiram expressar seu luto e vivenciá-lo da forma adequada desde que a teve início. Para essas pessoas, alguma coisa pode ter ficado faltando na despedida de parentes, amigos e familiares.

Nunca as estiveram tão cheias de luto. São diárias as publicações anunciando as , horário de sepultamento e se declarando para os amados que se foram. As histórias são diversas, pessoas da mesma família morrem de Covid-19 em um curto período de tempo e as feridas ficam abertas para sempre.

“O espaço para expressar o luto é essencial para a elaboração dele. E é importante que seja um espaço de acolhida e livre de julgamentos. As redes sociais têm ampliado isso, principalmente em decorrência da pandemia que tem dificultado que os rituais de despedida aconteçam presencialmente. Então, a expressão do luto nas redes sociais pode ter esse caráter terapêutico de ressignificação e despedida”, explicou a psicóloga Isadora Mattos ao Jornal Midiamax, especialista no tratamento de perdas e lutos.

Esse comportamento aponta para duas vertentes, a dos que aliviam seu luto e também a dos que consomem esse conteúdo exposto no feed de notícias. “Há um lado bom que é justamente o de recriar o espaço para a expressão da dor e poder fomentar memoriais aos entes queridos que partiram. E as consequências ruins podem estar associadas quando não conduzidas de uma forma saudável, frisando apenas aspectos mórbidos e banalizando a morte”, esclarece Isadora.

A psicóloga explica que os enlutados passam por oscilações de emoções durante todo o processo, e ter alguém que os ajude a entender que o que sentem é parte do todo é essencial para que se sintam autorizados a expressar e viver seu luto. “É consenso que expressar as dores, a raiva, a saudade, a culpa, … enfim, toda e qualquer emoção advinda desse processo, ajudará o enlutado nesse caminho. Além disso, uma rede de apoio é essencial também (como amigos, familiares que possam ser presentes, ao menos para ouvir)”, orienta.

De acordo com Isadora, a saúde mental oscila e pode ser que em algum momento o enlutado precise da ajuda de um profissional para lhe ajudar a conduzir esse processo de forma mais saudável. Principalmente se já tem histórico de outras perdas não elaboradas, rede de apoio fragilizada e/ou inexistente e transtornos mentais prévios.

Quebrando o tabu

A morte faz parte da existência! As redes têm tomado cada dia mais espaço em nossas vidas, logo é natural que a morte também ocupará cada vez mais esse espaço. “Considero, inclusive, importante essa abertura para a discussão. Mas sempre salientando que precisamos discutir a morte de forma mais natural, com a busca da valorização da vida. Entender como algo natural não exime do sofrimento da perda” disse a psicóloga em entrevista ao Jornal Midiamax.

Sobre as redes sociais

Especialista no tratamento de perdas e lutos, Isadora Mattos frisa os cuidados necessários com a exposição e o consumo desses sentimentos na internet:

– As pessoas afetadas pelas perdas podem acolher esse espaço como algo de bom em sua elaboração do luto. Isso dependerá do que fará sentido a cada um. Salientando sempre a não banalização do assunto.

– Acredito que tendemos a ser impactados sempre que o assunto seja morte, ainda que a morte do outro, do desconhecido. Isso porque tomamos consciência à partir do outro que também temos nossa natureza mortal, o que pode despertar inúmeros pensamentos, emoções e reflexões. A ideia é que seja conduzido para além do medo, da angústia, da ansiedade. Se está gerando mais pavor que te levando a refletir sobre a vida com valor, deixe de seguir, de consumir.