Provar que vida sem açúcar pode ter suas doçuras é o desafio diário de Jessye Ane

A voz e carinha de menina de Jessye Ane de Souza Lima entregam a flor da idade que ela tem do alto de seus 23 anos, mas a fortaleza e a maturidade que ela demonstra, fazem jus à largura de tempo das pessoas mais vividas. Ela teria todos os motivos para entregar os pontos, mas […]

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A voz e carinha de menina de Jessye Ane de Souza Lima entregam a flor da idade que ela tem do alto de seus 23 anos, mas a fortaleza e a maturidade que ela demonstra, fazem jus à largura de tempo das pessoas mais vividas. Ela teria todos os motivos para entregar os pontos, mas deixa de lado suas dores e escolhe ser forte para ajudar quem está no mesmo barco.

Portadora de diabetes do tipo 1 e outras tantas doenças associadas, seria natural esperar alguém amargo e duro, mas ela é doce. Contudo, nem sempre foi assim. Aos 11 anos ela descobriu a doença que restringiria o açúcar de sua dieta, e a reação de menina foi resistir à dieta, o que a fez entrar em depressão. “Não queria me cuidar. Que criança quer parar de comer doce e começar a tomar insulina?”, questiona ela.

E então, em 2012, veio a anorexia. “Pessoas sem informação falavam que eu tinha diabetes porque eu comia muito doce, então eu parei de comer tudo. Perdi 32 kg e fiquei com 28 kg”, conta a moça que hoje tem 1,70 m.

Em seguida vieram sintomas devastadores. “Nesse período fiquei cega. Lembro que um dia fui dormir com planos de ler o livro ‘A culpa é das estrelas’, acordei e já não consegui”, revela Jessye. Diferente dos deficientes visuais, ela enxergava tudo esbranquiçado, esmaecido. Sofreu também uma crise de fibromialgia que limitava sua mobilidade e a obrigou a ficar de cama por muito tempo.

Perdas e ganhos

Ela enxergava apenas vultos. E assim ela viveu por 5 anos, em que se viu obrigada a abandonar emprego. “Eu pedi demissão para não prejudicar e empresa, porque meu rendimento era muito baixo”, explica. “Não pude ver meu irmão crescer”, conta ela.

Mas ela não deixou de viver e tentar batalhar. Mesmo praticamente cega, Jessye fez o Enem utilizando a prova para pessoas com baixa visão e conseguiu entrar para o curso de Jornalismo. Quando foi fazer a matrícula, acabou conhecendo alguém especial.

“Eu não enxergava quase nada, tinha que pegar o celular e usar como lupa para poder fazer minha inscrição e ele estava no meu lado e começamos a conversar”, diz sobre o publicitário Kennerson Brandão, de 30 anos, que percebeu as dificuldades e fez perguntas.

Jessye Ane e o marido Kennerson Bradão, que conheceu quando estava cega. | Foto: Tatiana Marin
Jessye Ane e o marido Kennerson Bradão, que conheceu quando estava cega. | Foto: Tatiana Marin

Ele inclusive percebeu as feridas em suas mãos e braços causadas pela síndrome de Skin Picking – um transtorno de escoriação em que o portador provoca ferimentos a si mesmo. “Eu não podia ter unhas grandes. Às vezes eu estava conversando com as pessoas eu ficava me machucando e quando elas viam eu estava sangrando. Não percebia, nem sentia”, relata sobre a doença associada.

Assim a moça conheceu aquele que viria a ser seu marido. “Antes de começarmos a namorar, ele foi no HU e conversou com meu médico. Queria saber de todas as minhas doenças e foi numa época que eu estava com pancreatite, eu estava quase com câncer no pâncreas. Então eu percebi o quanto ele se importava. Ele me ajudou muito”, afirma. “Ele até tirou uma foto da minha ficha de inscrição, pois caso eu sumisse, ele iria na minha casa me procurar. Foi esperto”, ri Jessye.

Em seguida ela se viu obrigada também a abandonar no curso, pois a instituição de ensino não dispunha da acessibilidade necessária para a sua baixa visão. “Tinha que ler e escrever muito e a faculdade não dava condições para isso”, lamenta.

A dor e a delícia de ser o que é

Hoje Jessye é referência em diabetes tipo 1 em Campo Grande, no Brasil e até no mundo. Médicos da Capital a indicam para que seus pacientes conversem com ela. “Eu trabalho com a aceitação da doença, dou dicas do controle da glicemia”, detalha. Pelo WhatsApp e Facebook, ela tem contato com portadores da doença, ajudando com troca de informações e até conseguindo insulina para pessoas de norte a sul do país.

Jessye Ane com o vereador Betinho durante e sua médica endocrinologista dra. Ana Carolina Xavier. | Foto: Reprodução/Facebook
Jessye Ane com o vereador Betinho durante e sua médica endocrinologista dra. Ana Carolina Xavier. | Foto: Reprodução/Facebook

A moça tem tanta influência que vai até discursar em um congresso de médicos do mundo inteiro. “Fui convidada para falar para mais de 3 mil médicos em Dubai no ano que vem”, conta animada. Por enquanto, em Campo Grande, ela é como uma coaching para diabéticos, palestrando em entidades, escolas, na Associação Médica e outros locais. Ela também está sempre presente na Câmara de Vereadores, onde discursa e atua para promover o reconhecimento de profissionais da saúde. 

“Não dou informações sobre a doença, mas falo ma dinha experiência, da resiliência que eu tive, o que fiz para mudar de vida e buscar um caminho que eu conseguisse viver melhor. Tenho várias doenças e mesmo assim tento dar a volta por cima e ajudar outras pessoas que têm o mesmo problema.”

Além de contar sua experiência e ajudar os portadores da doença, Jessye é uma defensora da medicina humanizada, que foi o que a salvou. No início do tratamento ela não recebeu um tratamento adequado, nem a atenção necessária.

Ela explica que os médicos que atendem de forma humanizada não tratam apenas a doença, mas o paciente. “Eles não receitam apenas a medicação para a diabetes, mas te ouvem, te explicam para as complicações que podem acontecer. Acabam se tornando amigos”, explica Jessye.

O brilho de volta

Assim como perdeu a visão de um dia para o outro, o brilho voltou aos seus olhos de surpresa. Em 2017 ela passou por uma cirurgia para tentar reverter a cegueira, mas apenas há 4 meses voltou a enxergar.

Provar que vida sem açúcar pode ter suas doçuras é o desafio diário de Jessye Ane

“Eu não enxergava nada. E foi em um sábado. Eu olhei pra TV e vi o que estava escrito. Vi que conseguia enxergar. Foi um choro. Foi louco”, descreve. Foi no mesmo instante em que pode finalmente ver o rosto do marido. 

Ao fazer a inscrição para o Enem ela ainda não enxergava, mas ao fazer as provas, ela já pode utilizar o caderno regular. “Veio a prova ampliada, mas eu pedi a normal. Eu quase chorei no meio da prova, pois eu percebi que conseguia enxergar e ler tudo”, conta sobre a vitória.

Picnic do Bem

Jessye também é idealizadora de um evento que visa levar informação aos portadores de diabetes. O Picnic do Bem já está em sua terceira edição e acontece no próximo domingo (18), a partir das 16 horas, no Parque das Nações Indígenas, pela entrada da rua Ivan Fernandes Pereira (entrada Guató).

“Quero abraçar a todos dizer que estou com eles”, diz Jessye. Será um momento de troca de informações, orientação profissional com diversos médicos presentes. Além disso o evento conta com atividades como lanche saudável, pilates e outros esportes.


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