“Nhaí, amapô! Não faça a loka e pague meu acué, deixe de equê se não eu puxo teu picumã”! Entendeu as palavras estranhas dessa frase? Se sim, é porque você manja alguma coisa de pajubá, o ‘dialeto secreto’ dos gays e das travestis. Mas, mesmo que você não conheça, é bem possível que já tenha se deparado com algumas das palavras, principalmente pela .

Cada vez mais fora do armário, a cultura LGBT está por aí, espalhadas, para além dos guetos e das boates gays. A cultura queer, aquela que engloba os LGBT, ganhou a TV, por meio de seriados como o reality show Rupaul’s Drag Race, e a internet. No caso do pajubá (também conhecido como bajubá e também por bate-bate), tem até pessoas heterossexuais que compreendem e que adotaram a comunicação cifrada no dia a dia.

“A gente sabe que elas [as travestis] usavam o pajubá para não serem compreendidas pelas outras pessoas, mas hoje a gente ainda usa por opção, porque eu acho legal essa cultura. Uso ‘acué’ para falar dinheiro, ‘bofe’ para falar homem bonito, ‘neca’ para me referir a pênis… Até minha mãe sabe um pouco de pajubá”, conta o estudante de administração Eduardo Gadelha Benites, de 24 anos.

Assim como Eduardo, o advogado tributarista Marcio Batista, 26, também é adepto do uso das expressões, mesmo nos ambientes mais formais. “É claro que não vou falar durante uma audiência ou numa reunião, mas na firma, com meus colegas de trabalho, eu falo de ‘acué’ o tempo inteiro”, brinca. “A gente tem que ter cuidado de falar outras palavras porque hoje o pessoal já entende, né? Ta na internet, tem até dicionário…”, comenta.

O dicionário a que Marcio se refere é o ‘Aurélia, o dicionário da língua afiada’, lançado no início dos anos 2000 e escrito pelo Angelo Vip e por Fred Lip. Já esgotada, a publicação tem status de raridade nas livrarias virtuais, já que na obra há mais de 1.200 verbetes revelando o significado das palavras do pajubá e até contando um pouco da história. Mas não é preciso adquirir a obra para desvendar o dialeto, a internet já faz isso para você!

O site de streaming Youtube, no caso, traz dezenas de vídeos sobre o assunto – um dos mais famosos é o GLOSSário, protagonizado por artistas cearenses, e que explicam algumas expressões. “Foi parte do meu TCC (trabalho de conclusão de curso) e fez tanto sucesso que decidimos fazer o volume dois”, conta o publicitário e produtor artístico, que também integra o conhecido coletivo de artistas chamado ‘As Travestidas’, de onde saíram os atores Silvero Pereira (atualmente no ar em ‘A Força do Querer’), o também global Jesuíta Barbosa e Denis Lacerda, premiado no canal a cabo Multishow.

Perdendo força?

Muito embora o pajubá já tenha ganhado as redes e até a TV, muitos gays desconhecem ou não sabem utilizar o código. “Eu não sei, não achei interessante, simplesmente. Nunca sei como utilizar, não conheço as palavras, só algumas”, admite o jornalista Rogério Melo, 27 anos. “Acho que porque eu não ando muito em boate, não tenho tantos amigos gays”, avalia. De fato, talvez muitos gays não conheçam o pajubá por não frequentarem os ‘guetos’. Mas, é possível que o desconhecimento se explique, também, porque talvez usar o pajubá não seja tão necessário como antes.

“A cultura é dinâmica. Ela pode sumir, pode voltar e se reconstruir. Varias terminologias vão sendo reconstruídas, ressignificadas, e novas vão surgindo com o tempo. Mas, além disso, à medida que um grupo sai da margem e conquista lugar no ‘centro’, talvez perca o sentido a utilização de algo que era muito restrito. O pajubá surge em um período muito específico por conta de discriminação, e hoje essa discriminação ainda existe, mas não é tão forte quanto antes. Gays e travestis já não têm tanta necessidade de se esconder ou de evitar que entendam o que estão falando”, avalia o arte-educador Caciano Lima.

História ‘bafônica’

Não se sabe ao certo quando essa linguagem surgiu, mas sabe-se que há claramente uma relação entre o pajubá e a cultura africana, numa costura iniciada ainda na época do Brasil colonial – a maioria das palavras repetidas no pajubá vêm do iorubá, lingua materna de boa parte dos negros escravizados que, no Brasil, converteram suas religiões de matriz africana (candomblé) em algo híbrido com elementos do catolicismo, processo conhecido como sincretismo.

É justamente nesse processo que a gente vê o surgimento do pajubá: o idioma iorubá não tem uma flexão de gênero, como no português (‘o menino’ e ‘a menina’). E os dogmas (digamos assim) do candomblé admitem a flexibilização entre masculino e feminino, algo que na tradição cristã é impensável. Assim, não foi à toa que os terreiros de candomblé tenham se tornado uma espécie de ‘espaço de existência’ de gays e travestis daquele tempo, meados do Século XX, onde essas pessoas podiam viver suas identidades sem represálias. Foi nos terreiros, portanto, que a assimilação do iorubá para uma linguagem cifrada teve início.

Mas é fato que do pajubá original ao atual, que está no Youtube e nas redes sociais, tem muita coisa diferente. Outras palavras e expressões, de outras origens (seja do inglês ou até mesmo dos memes) foram incorporadas no código e o pajubá está muito mais para um elemento identitário da cultura queer que para uma linguagem encriptada, como era em sua origem.

Nos vídeos presentes nesta reportagem, você confere algumas traduções e aplicações dos termos. A propósito, a frase que abriu esta matéria significa: “oi, mulher! Não se faça de desentendida e pague meu dinheiro, deixe de me enrolar se não eu puxo seu cabelo”.

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