Filme estreia mundialmente hoje

Pedro Almodóvar ama cores, dentro e fora de seus . Assim, não surpreende que ele apareça na entrevista com uma camisa polo amarela brilhante Louis Vuitton. Aos 66 anos, Almodóvar segue sendo um homem cheio de vida e carisma, que gosta de falar e rir em entrevistas.

Alguns meses antes desse encontro, a estreia de seu filme mais recente, “Julieta”, na Espanha, havia sido agridoce, pois a bilheteria e a crítica de seu país não foram tão positivas quanto o diretor esperava. O lançamento do longa, que chega hoje ao Brasil, coincidiu com o escândalo que ficou conhecido como Panama Papers, em cuja lista de personalidades que tinham dinheiro no paraíso fiscal estava o seu nome. Sua explicação naquele momento foi que ele estava a par de suas obrigações fiscais e que aquilo havia sido fruto de sua inexperiência.

Mas a crítica não foi tolerante, e Almodóvar inclusive cancelou parte da promoção do filme, que arrecadou em sua estreia apenas € 600 mil (cerca de R$ 2,2 milhões), a pior bilheteria para uma história com sua assinatura em 20 anos (veja mais no quadro nesta página).

“Leio poucas críticas, eu não sou bom para elas. Não quero dizer que haja críticos piores ou melhores, mas, às vezes, mesmo lendo a crítica de alguém que não tem muita importância, isso pode acabar me machucando. Então eu tento não ler. Pergunto ao meu irmão ou à minha equipe sobre como foi tudo, e eles dizem ‘bom' ou ‘cinco boas', uma mais ou menos, uma ruim'. E me conformo com isso”, diz o cineasta, sorrindo, ao iniciar a conversa.

Ultimamente, um assunto que tem voltado de forma recorrente à sua fala é a dificuldade de envelhecer:

“Acredito que tudo afeta a obra, e eu, que não faço trabalhos sob encomenda, que sou independente, dependo da inspiração para começar a trabalhar. Tudo o que eu faço durante o dia, esta conversa provavelmente, o cansaço, o mar que podemos ver agora, o fato de eu estar vestido de amarelo, ter engordado e emagrecido novamente, dormir bem ou mal, ter visto alguém na noite passada ou não ter visto… Tudo isso me influencia e, nesse sentido, a passagem do tempo também”.

Almodóvar detalha a relação entre sua experiência com a passagem do tempo e “Julieta”: “O processo de envelhecimento já começou em mim, e eu me dei conta disso há dois ou três anos. No meu caso, manifestou-se com um problema muito grave de ciática, e essa experiência da dor, que era muito profunda, juntamente com a solidão que eu vivi nesses anos, estão presentes em ‘Julieta'”, conta o cineasta, que na última década se isolou muito. “No meu trabalho, o ato de escrever e, especialmente, de corrigir, porque escrever é em grande parte corrigir (ele ri), leva um tempo de solidão e silêncio, e o que mais me interessa na minha vida agora é escrever e filmar. E isso leva tempo”.

 

Filme 'Julieta' não foi bem recebido pela crítica / Foto: Divulgação

 

 

Misantropia

Ele admite que não vê a solidão como o melhor caminho (“Não quero me tornar um misantropo”). Por isso, está se voltando para seus amigos, tentando vê-los mais vezes, saindo para jantar com eles.

“É o que venho fazendo agora que me sinto muito melhor, porque passei um tempo muito doente, não podia me sentar devido a uma cirurgia nas costas, também sofri muito com enxaqueca, me incomodavam as luzes, o barulho… Era um ser antissocial. Mas agora todas essas coisas se foram, vou viver um pouco mais cercado por pessoas, porque é verdade que eu tenho estado muito solitário nos últimos anos, embora também seja importante saber viver na solidão”.

O cineasta explica que escolheu usar duas atrizes para dar vida à protagonista em duas idades diferentes: Adriana Ugarte na juventude e Emma Suárez na maturidade.

“Desde o início eu sabia que queria duas atrizes, porque eu não acredito em envelhecimento com maquiagem, é mais fácil rejuvenescer (usando o truque)”.

Hollywood já assediou o cineasta em várias ocasiões, mas até agora ele tem resistido. Diz, no entanto, que, possivelmente, acabará sucumbindo à grande indústria americana. “Há muitos atores e atrizes americanos com quem gostaria de trabalhar, mas não sei se eu tenho conhecimento suficiente da língua e sobretudo da cultura americana. Em algum momento talvez acabe fazendo algo. É o mais provável”.