Nascida no Pantanal, Ivone teve que sair do ‘mato’ para criar filhos e revela dificuldades de isolamento
Aos 94 anos de idade, ela revela as dificuldades de isolamento de quem vive ‘no meio do nada
Nathália Rabelo –
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Pantaneira raiz, Ivone Rondon de Barros nasceu em meio ao Pantanal sul-mato-grossense e sempre amou a região. Porém, entre paisagens paradisíacas e uma vida no campo, a falta de recursos fez com que ela saísse da região para criar os filhos. Aos 94 anos de idade, ela revela ao MidiaMAIS as dificuldades de isolamento de quem vive ‘no meio do nada’.
Ivone nasceu na Fazenda São Sebastião, na região Rio Negro, cidade a 150 quilômetros de Campo Grande. Ela cresceu com os pais tomando leite direto da vaca e assistindo o trabalho com gado. Mas foi aos nove anos de idade que ela precisou ir embora para São Paulo para estudar, uma vez que não havia escolas no local.
Depois de muitos anos, na década de 40, ela se casou e voltou a Mato Grosso do Sul, dessa vez na cidade de Corumbá. Lá, ela e o marido fundaram a Fazenda Piratininga aos 20 anos de idade.
“A minha verdadeira vida de casada durante três anos eu fiquei mais em função de fazenda, às vezes que eu saía eu ia para São Paulo porque minha mãe morava lá, e foi nessa ocasião que fiquei grávida”, recorda.
Gravidez no Pantanal
Apesar de amar a região pantaneira, ela afirma que a gravidez não foi um período fácil. Quando não havia acesso facilitado à energia elétrica, água ou recursos básicos, ela se viu refém do isolamento.
Em um desses momentos, Ivone sofreu aborto espontâneo aos seis meses de gestação. Ao recordar sobre o momento, ela afirma ter sido aterrorizante, especialmente porque não tinha acesso a recursos. A única ajuda recebida foi de um médico vizinho da fazenda.
“Quando eu tive a primeira gravidez e estava nos seis meses, eu comecei a ter o aborto na fazenda dele [médico]. Eu comecei a me sentir mal, mas eu não sabia porque era muito jovem. Ali foi muito difícil porque não tinha jeito nenhum. Teve que um cavaleiro bater da fazenda Eldorado numa outra fazenda sei lá quantas léguas para passar um rádio para Corumbá e aí sim chamar um avião. Se acontecesse algo mais grave, iria acontecer”, lembra Ivone, entristecida.
Ela chegou a engravidar novamente após o aborto. Porém, decidiu ir embora do Pantanal para ter mais segurança no parto.
Isolamento no Pantanal: evasão para criação de filhos
Até ficar grávida pela segunda vez, Ivone afirma que se virava com o que tinha. Por isso, então, ela decidiu sair do Pantanal e ir a São Paulo para criar os filhos. Segundo ela, é uma prática bem comum entre as mães, especialmente quando as crianças atingem a idade para entrar na escola.
“Aquilo tudo para mim [ o Pantanal] era o paraíso, eu adorava essa vida. Mas era uma vida bem precária, tudo muito difícil […] a questão de educação e saúde, como acesso a hospital, pegava muito. Isso fazia com que as famílias e os pantaneiros se mudassem e fossem para outras cidades em busca de recursos”, afirma.
Heranças pantaneiras
Mesmo em outra cidade, os costumes pantaneiros já estavam no DNA da família. Foi por isso, então, que Ivone passou suas heranças aos filhos, netos e bisnetos. A principal delas, definitivamente, é o apreço pela comida. A idosa conta que o pantaneiro tem grande preferência pela carne. Além disso, o costume de tomar um café da manhã reforçado foi passado para as novas gerações.
“No Pantanal é muito comum comer carne no café da manhã […] não tinha esse negócio de leite com pãozinho e manteiga, era carne com farofa mesmo”, fala.
A neta Mariana Rondon, 42 anos, confirma que hoje é um costume de toda a família. “Para muitas pessoas é esquisito, mas bater um pratão de manhã é parte do hábito da cultura pantaneira”, disse. Para além dos costumes culinários, os mais jovens afirmam que o principal ensinamento dado por Ivone é a coragem.
Fibra e resiliência
Mariana Rondon conta que mulheres como a sua avó viveram com muito pouco em um ambiente escasso de recursos. Para ela, é o maior ensinamento ensinado pela matriarca.
“Essas mulheres que viveram com pouco, como essa geração da minha avó, das minhas tias, que viveram com tão pouco em um ambiente com tanta escassez, fez delas mulheres muito fortes, muito criativas. Então eu acredito que para mim um dos maiores ganhos de ter crescido nesses ambientes, com essas mulheres, é aprender essa fibra, a dar um jeito nas coisas, respeitar a natureza”, se emociona.
Traços de gerações
Que Ivone é uma mulher forte, isso você sabe. Mas ela, no entanto, dá o crédito de toda essa personalidade guerreira à sua mãe, já falecida, e que viveu lindos momentos com ela no Pantanal.
“Eu tive na minha vida um grande exemplo que foi a minha mãe. A minha mãe foi uma mulher extraordinária, eu aprendi tudo com ela, eu aprendi a gostar das coisas, a admirar a natureza”, conclui.
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