A data no calendário marcava 21 de março de 2020 quando o prefeito Marquinhos Trad decretou o primeiro toque de recolher em Campo Grande, das 22h às 5h da manhã naquela época. A partir de então, qualquer pessoa com estabelecimento aberto ou fora de casa, em aglomerações, após as dez da noite, sofreria punições. A medida só iria abranger 15 dias, período em que as pessoas tinham esperança de que todo o cenário seria diferente ao fim do cumprimento da norma. No entanto, o que era para ser apenas duas semanas, se tornou um ano e seis meses de rigorosas restrições para conter aglomerações a cada nova morte pelo vírus registrada na Capital.

As pessoas ficaram entediadas e presas em casa, isso é verdade, mas outro grupo sofreu as piores consequências disso tudo. Os primeiros a pararem e os últimos a voltarem, trabalhadores do setor de eventos — desde técnicos até artistas — tiveram que se adaptar rapidamente para continuar com algum sustento e colocando comida em casa. 

Com tudo parado por quase dois anos, eles viveram uma das maiores dicotomias da Covid-19 em Campo Grande: da escassez ao mar de demandas atrasadas, em ambas as situações tiveram que se virar para dar conta do trabalho, do caos e da imprevisibilidade ocasionada por uma das maiores crises da humanidade.

Não teve jeito, tudo parou

Simples assim, de um dia para a noite, tudo parou. As cortinas dos teatros fecharam, os holofotes dos palcos foram apagados, os equipamentos colocados em caixas e as portas dos salões de festas não voltaram a abrir. Todo mundo envolvido com o trabalho e agenda de eventos de Campo Grande não tinha para onde correr. Chegava fim de semana e todos estavam em casa, sentados, à mercê do destino com os boletos na mesa. 

A situação era no mínimo assombrosa para o segmento. Afinal, como os profissionais iriam trabalhar sem qualquer possibilidade de evento? Eles não conseguiam. 

“A grande maioria não teve de onde tirar seu sustento e teve que procurar outros empregos. Pois não atingiu somente os produtores e artistas, atingiu toda parte técnica que tirava seu sustento dos eventos”, afirmou o produtor Flavio Rena.

Então, o Brasil inteiro começou a apostar no digital para tentar manter o mercado aceso. Uma dessas estratégias foi a Live que, apesar de ter conquistado adeptos em Campo Grande e ter feito função de “band-aid” enquanto os eventos presenciais continuavam suspensos, muitas delas não foram o suficiente para sair da crise.

Assim, o setor de eventos de Campo Grande percorreu um longo caminho até conseguir algum respiro e voltar a lucrar. Até isso acontecer, profissionais ‘patinaram no gelo' para continuar mantendo, principalmente, a arte viva em momentos tão frios. Recorde com a gente essa trajetória que, ao fim de 2021, promete encerrar com grandes vitórias a quem tanto sofreu na pandemia.

Lives e a tentativa de retorno

Logo nos primeiros meses da pandemia, as lives bombaram no Brasil. Tinha live para tudo: de shows, sorteios, aulas de ginástica, aulas escolares e acadêmicas, anúncios de promoções, casamentos, formaturas, aniversários e tudo o que se pode imaginar, desde que houvesse conexão wifi e enquadramento com o celular. Logicamente, o evento tentou ir pelo mesmo caminho em Campo Grande. Para muita gente, o novo formato foi o que salvou muitas empresas do ócio. 

A empresária Elaine Batista de Oliveira está à frente de duas empresas que produzem eventos em Campo Grande, uma focada nos corporativos e outra de formatura. Durante essa época, precisou desligar 50% dos colaboradores para reduzir a carga horária dos demais. 

Elaine, então, não teve outra escolha senão se adaptar às mudanças. As empresas tiveram que se especializar em eventos digitais, dos corporativos até campanhas para hospitais. O trabalho até acontecia, mas não foi o suficiente. “Mesmo assim não substitui o faturamento médio da empresa, mas nos ajuda a sobreviver”, comentou a diretora na época. 

O produtor Flavio Rena também tentou caminhar para esse universo, mas viu que o retorno era bem baixo em comparação com outros lugares do Brasil. “Aqui no Estado foram poucas lives grandes, a maioria foi pequena e o retorno também pequeno. E o prejuízo acumulou de todos os lados”, disse ao Jornal Midiamax

A maioria dos grandes artistas regionais, por exemplo, fizeram lives não só para continuarem trabalhando, mas também com a finalidade de manter a produção em dia e em contato com os fãs. A estratégia, então, foi investir no digital e nas redes sociais. Dos mais novos aos consagrados, teve Loubet, Maria Cecília e Rodolfo, Grupo Sampri e até Delinha nas lives. 

Não foi apenas o universo musical que aderiu ao método. Grupos teatrais, como o Cia Teatro Mundo, de dança, como o Cia Dançurbana e Grupo FNK, literatura, como escritores da ASL, e várias outras expressões artísticas encontraram nas redes sociais o refúgio para continuar se manifestando em Campo Grande, e assim continuou por muito tempo.

E os buffets?

Os artistas foram para o digital, os produtores deram um jeito de adaptar as demandas e muitos prestadores de serviços buscaram outros meios de sobrevivência. Mas e os buffets, onde ficaram no meio disso tudo? Exatamente como você imaginou: com as portas fechadas. De buffets a espaços de festas, alguns conseguiram implementar um novo tipo de mercado para continuar com clientes, enquanto outros grandes não resistiram às despesas e encerraram as atividades de vez.

Maria Adelaide de Paula Noronha é proprietária do buffet Yotedy, que atua em Campo Grande. Sem festas e eventos por quase dois anos, o jeito foi apostar na entrega de comida no estilo in the box, ou seja, “na caixa”. O método dizia respeito à entrega do buffet na própria casa do cliente e foi a ideia implementada enquanto os eventos estavam suspensos.

“Com muita coragem e determinação, e em unidade com todos os colaboradores, buscamos criar novos pratos, cuidando sempre da apresentação, sabor e orientando a forma de aquecer e levar para a mesa com a mesma qualidade que em nossos eventos”, explicou.

Tanto quanto os grandes shows, restaurantes e bares, os buffets infantis também sofreram com as medidas necessárias para conter o coronavírus e diminuir as aglomerações. Enquanto uns funcionaram com várias medidas e com 50% da capacidade, outros investiram na confecção de doces para atingir o faturamento do mês. É o caso da empresária Danubia Miranda Ribas de Melo, do Buffet Colmeia de Mel.

“Meu buffet ficou totalmente fechado por uns 5 meses quando houve uma autorização para funcionamento dos buffets com 30% da capacidade. A estrutura que eu tinha no buffet não me respaldou financeiramente, teria que pagar para trabalhar e cada vez foi ficando mais difícil para eu reabrir”, contou ela na época.

Com a ajuda das filhas, Danubia, então, abriu a doceria Colmeia de Mel na Feira Central.

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Diamond Hall fechou na pandemia (Foto: Reprodução)

Já outros espaços não tiveram tanta sorte. Um dos mais conhecidos buffets de Campo Grande, o Diamond Hall anunciou o encerramento de atividades em novembro de 2020, após não receber eventos por nove meses. O espaço, que fica na Avenida Mato Grosso, se tornou uma igreja evangélica que funciona até hoje.

Até meados de 2020, as pessoas ainda estavam com a esperança de que o cenário seria diferente para aproveitar as festas de fim de ano. No entanto, com o atraso da compra da vacina no Brasil, a expectativa precisou ser adiada. O baque veio, então, com o cancelamento da Cidade do em Campo Grande, o principal evento que movimenta a cidade nessa época do ano.

Cancelamento da Cidade do Natal

Talvez um dos momentos mais marcantes do último ano foi quando o tradicional evento na Cidade do Natal, que acontece anualmente no período festivo, foi cancelado para conter o contágio pelo coronavírus, que registrava aumento todos os dias na Capital. 

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Cidade do Natal foi cancelada em 2020 (Foto: de França/Midiamax)

A decisão foi tomada em novembro de 2020, quando equipes da prefeitura iniciaram a instalação de tapumes para cercar o espaço e iniciar a reforma nas casas do monumento localizado na Avenida Afonso Pena. Enquanto realizava os reparos, a prefeitura confirmou que eventos natalinos não seriam realizados no local naquele ano por causa do coronavírus. A população campo-grandense, como era de se esperar, ficou desolada com a notícia. 

Em dezembro, quando a cidade ficava movimentada com festas no fim do ano e presença de turistas, os eventos esportivos e campeonatos, bem como qualquer tipo de aglomeração em rodas de tereré e narguilé, ficaram proibidos também.  

Com a chegada do Ano Novo, as pessoas, então, estavam com muita esperança para que a situação se normalizasse com o início de 2021. A realidade era triste, mas logo nos primeiros meses do ano a salvação chegou a Mato Grosso do Sul com a primeira remessa da vacina entregue para dar início à vacinação em massa no Estado.

No dia 18 de janeiro de 2021, o avião da FAB (Força Aérea Brasileira) pousou em Campo Grande com as 158.766 doses da Coronavac para MS. Em 1º de fevereiro, abriu o tão aguardado calendário de vacinação. A partir disso, muita coisa mudou, mas a situação estava longe de ser considerada boa para quem trabalhava com eventos.

Primeira remessa da vacina chegou a Mato Grosso do Sul no dia 18 de fevereiro de 2021 (Foto: Marcos Ermínio/Midiamax)

 

Até artistas consagrados de Mato Grosso do Sul sentiram na pele as dificuldades por estarem tanto tempo longe dos shows.

Delinha começou a vender pen-drive 

Sem trabalhar e reclusa em casa por ser considerada do grupo de risco, a cantora Delinha precisou encontrar um novo jeito de levar suas músicas até as pessoas. A eterna Dama do Rasqueado de Mato Grosso do Sul passou a vender pen-drives em meados de junho de 2021 para conseguir algum sustento.

“Sem os shows a gente não ganha. Fiz duas lives, uma nova experiência que eu não tinha feito. Foi muito gratificante as pessoas interagindo comigo pela Internet de toda a parte do mundo”, recorda. Com a ajuda do filho João Paulo, Delinha resolveu então colocar suas músicas em pen-drives para vender ao público. 

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Delinha divulgou pen-drive com discografia (Foto: Divulgação)

O dispositivo contava com 23 LPs (canções do disco de vinil), desde os discos gravados de 1960 até o DVD com orquestra na parte sonora. Também tinha músicas dos LPs 78 rotações, com discografia 90% composta por músicas autorais.

Com o encerramento das apresentações, as mudanças impactaram muito na sua vida financeira. Mas engana-se quem pensa que foi somente ela. Outro grupo de artistas também precisou ir além para trabalhar em Campo Grande: os profissionais de teatro e dança.

Palcos apagados 

Um dos principais setores de Campo Grande que sofreu com mudanças tão repentinas foi o artístico, especialmente o teatro. Com peças presenciais suspensas, as luzes dos palcos ficaram apagadas por mais de um ano. Assim, atores, dançarinos e companhias precisaram se reinventar para sobreviver à pandemia.

Fernando Lopes Lima viveu um grande desafio em 2020. Ele tinha acabado de montar seu próprio grupo de teatro, a Cia Teatro do Mundo, quando a crise começou. Desesperado para manter os trabalhos em dia, teve que migrar para o digital.

Foi então que o artista inventou uma série de bate-papos online com amigos de teatro espalhados pelo país. Assim nasceu a série “Teatro Brasileiro – Fora do Eixo”, que realizou mais de 100 lives entre 2020 e 2021.

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Teatros migraram para o digital (Foto: Divulgação)

“Esses encontros, estudos e pesquisas, me fortaleceram, me ajudaram a pensar caminhos possíveis de criação. Em Campo Grande, os teatros foram fechados bem antes da pandemia, estamos acostumados a transformar qualquer espaço em espaço cênico. Em tempos de crise, somos os primeiros prejudicados e, apesar disso, unimos forças para prosseguir contribuindo com a melhoria do mundo e resistindo”, disse Fernando ao Midiamax.

Apesar de ter conseguido manter a magia do teatro viva ao longo desse tempo, o artista afirma que a transição do presencial para o digital não foi fácil. “O teatro é a arte da aglomeração, o teatro existe entre o público e o artista. Eu sou um artista de teatro, mas a necessidade me obrigou a transpor o teatro de um ambiente a outro”.

O ator André Tristão, de 32 anos, precisou abandonar o teatro para se consagrar no cinema. Ele descobriu talento para o audiovisual durante a pandemia. Aprovado na Lei Aldir Blanc, ele misturou teatro, dança, poesia e audiovisual. Foi assim que, em tempos de crise, ele descobriu uma nova paixão.

Os dançarinos também precisaram fazer eventos online. É o caso da Cia Dançurbana, que realizou o projeto “Temporada Quanto Custa?” com apresentações digitais ao longo do último ano. Essa realidade não mudou muito de 2020 até meados de 2021, quando os artistas não tiveram para onde correr senão às telas.

No entanto, o alcance vacinal se tornava cada vez maior no Estado, mais pessoas se imunizavam contra a Covid-19 e menos casos graves eram registrados nas unidades de saúde. Esse avanço possibilitou que Mato Grosso do Sul começasse a pensar em novos caminhos para viver durante a pandemia, dando os primeiros passos singelos ao que hoje conhecemos como retomada cultural.

Volta da vida noturna: respiro ao setor de eventos 

No dia 22 de julho de 2021, a Prefeitura de Campo Grande discutiu sobre a retomada de eventos na cidade. A medida começou a ser considerada com o avanço da vacinação e queda nos índices de infecção da Covid-19.

Na época, o secretário da Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano), Luís Eduardo Costa, informou sobre uma possível nova resolução. 

“Está sendo feito um diálogo com os setores de eventos e, com isso, uma resolução está sendo construída, um norteamento para começar a valer”, contou. 

Não demorou muito para que as mudanças fossem colocadas em prática. Inicialmente de forma cautelosa, a flexibilização iniciou em agosto, mês de aniversário de 122 anos de Campo Grande, quando vários eventos foram realizados em locais abertos e com normas de biossegurança.

Até que, no dia 23 de agosto, Mato Grosso do Sul deu um grande passo de retorno à sonhada “quase vida normal”: o fim do toque de recolher.

Acabou: MS não tem mais toque de recolher

Mato Grosso do Sul pôs fim ao toque de recolher no dia 23 de agosto. A decisão foi confirmada pelo secretário estadual e presidente do Prosseguir, Eduardo Riedel. Segundo ele, a decisão levou em conta o avanço da vacinação contra o coronavírus. “Entendemos que é momento de flexibilizar horários vinculados às bandeiras. Biossegurança continua, devemos usar máscaras, álcool em gel, manter distância mínima entre pessoas. Mas, agora, o toque de recolher está eliminado”.

Até então, o Estado já tinha vacinado 57,82% da população com ao menos a primeira dose e 37,76% com as duas doses ou dose única, a maior porcentagem de imunização contra o coronavírus do país. Esse foi um dos critérios para o Governo do Estado decidir extinguir o toque de recolher, usado desde o começo da pandemia de Covid-19 como uma das formas de frear o avanço da doença.

Quase um mês depois, outro grande avanço: Campo Grande publicou o fim das restrições em estabelecimentos. 

Liberado: sem limite de público

A partir de 20 de setembro, as únicas regras exigidas em Campo Grande eram o distanciamento seguro entre indivíduos, uso obrigatório de máscara, disponibilização de frascos com álcool 70%, higienização e controle do fluxo de pessoas na entrada e interior dos estabelecimentos. 

Na prática, o restante das exigências adotadas desde o início da pandemia foi revogado. Com isso, foi extinto o limite de lotação em estabelecimentos e a metragem específica de distanciamento necessário entre pessoas.

A partir de então, bares, boates, casas de shows, shoppings, restaurantes, academias, entre outros, passaram a operar com a capacidade permitida no alvará de funcionamento.

Eventos de qualquer natureza que possuíam público estimado de até 200 pessoas não precisavam de plano de contenção de riscos, somente atendendo às normas sanitárias e outras recomendações para contenção do contágio da Covid.

Com o fim do toque de recolher e restrições de público, os lugares voltaram a abrir, casas de shows começaram a receber apresentações, os telefones dos artistas passaram a tocar, os técnicos de luz e som voltaram a ser requisitados, os promoters retomaram a agenda e, claro, as pessoas retornaram com tudo à vida noturna.

Primeiro show de Delinha

Impossível escrever essa retrospectiva sem falar da Delinha, a artista feminina mais tradicional de Mato Grosso do Sul e que viveu tantas dificuldades por conta do vírus. Aos 85 anos e com as três doses tomadas, ela celebrou com o Jornal Midiamax o retorno aos shows.

Depois de quase dois anos reclusa em casa e vendendo pen-drive para pagar as contas, a primeira apresentação de Delinha aconteceu no dia 11 de outubro de 2021, justamente no feriado que marca a divisão do Estado. Na Concha Acústica do Parque das Nações Indígenas, a artista foi homenageada pelo Governo Estadual por toda a sua dedicação à cultura da história regional, durante evento de celebração da emancipação.

Emocionada, ela contou como estava se sentindo por voltar a cantar. “É bom porque agora eu vou ver as mesmas carinhas de antes. Faz tempo que eu não vejo ninguém. Não saio de casa, não faço mais nada e a gente tem vontade de ver as pessoas, os fãs que gostam tanto da gente que me dão muito apoio, força. Eu gosto de estar junto e abraçar, mas não vai poder, tem que ser de longe”, disse Delinha.

Reprodução comemorou retorno aos shows em Campo Grande (Foto: Arquivo Pessoal)

 

A partir de então, a cantora foi escalada para vários eventos na Capital, que, por sua vez, também estavam sendo amplamente divulgados pela FCMS (Fundação de Cultura do Estado) e (Secretaria de Cultura e Turismo).

Por conta de um tombo em novembro, atualmente Delinha está afastada para focar nos cuidados e tratamentos, mas não vê a hora de voltar aos shows de novo. Não foi só ela que se animou com a retomada. Desde a liberação dos eventos em Campo Grande, o que não faltou foi motivo para sair de casa. Shows, formaturas e casamentos de grande porte, teve até o primeiro festival musical com atrações de grandes artistas nacionais.

Festival Campão Cultural – onde a cultura teve vez

Após muito tempo parado por causa da pandemia, o setor de eventos voltou a ganhar força em Campo Grande, especialmente na reta final para 2021. Um dos destaques desta época foi, definitivamente, o Festival Campão Cultural, lançado oficialmente no dia 9 de novembro pela FCMS (Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul).

Ao todo, foram 14 dias com mais de 150 atrações em 20 áreas, como música, teatro, dança, circo, palestras, workshops e exposições. Em um único evento, todos os artistas tiveram a chance de mostrar os seus trabalhos, que haviam sofrido inúmeras mudanças desde 2020.

De 22 de novembro até 5 de dezembro, o evento fomentou a produção artística sul-mato-grossense, promovendo a diversidade e cidadania, e inspirando uma nova visão de futuro, mais inclusiva e sustentável.

As ações do festival contemplaram as sete regiões da Capital, atingindo a população de mais de 10 bairros campo-grandenses, além dos distritos de Anhanduí e Rochedinho. Para muitos moradores, foi a oportunidade perfeita para celebrar a retomada cultural em um evento tão grandioso.

O estudante Rafael Freitas, de 23 anos, compareceu ao Campão. Fã do rapper Djonga, ele contou como foi a experiência de voltar a sair após o fim das restrições e ainda encontrar o ídolo. 

“Inicialmente fiquei um pouco desconfortável porque fazia muito tempo que não ia em um lugar com tanta gente, mas depois fiquei mais tranquilo, principalmente sabendo que a imensa maioria ali estava vacinada. A galera se respeitou e todo mundo curtiu os shows de um jeito muito bonito, deu um sentimento muito bom de finalmente estar voltando à normalidade”, disse o jovem. 

Giovanna Picarelli também não conseguiu conter a emoção. Apesar do receio inicial por sair em um evento grande, ela conseguiu aproveitar. “Eu fui só no show da Duda Beat e eu estava com muito medo da multidão, meu coração chegava a acelerar e tenho certeza que eu fiquei assim por causa da pandemia, acho que a gente se desacostumou a ver tanta gente de perto, mas chegando lá eu vi que estava tranquilo e foi muito massa, eu fiquei surpresa. Foi muito legal reencontrar pessoas que eu não via há bastante tempo, fazia muito tempo que a gente não tinha uma coisa assim”, contou a estudante.

O nutricionista Gabriel Delmondes também não perdeu o show da Duda Beat. Para ele, foi muito bom estar presente na nova turnê da cantora. “O show da Duda Beat foi uma experiência incrível! Sua presença de palco é enérgica, ela tem um brilho e luz que emanam muito forte ao público e se mostra o tempo inteiro uma artista muito acessível… bem gente como a gente mesmo! Assistir ela em seu primeiro show da nova turnê foi uma honra, um momento muito especial mesmo”, recorda. 

Duda Beat se apresentou em Campo Grande (Foto: Reprodução/Instagram)

 

Com a retomada dos eventos em Campo Grande, um dos principais questionamentos, então, foi sobre a possibilidade de acontecer o Carnaval em 2022. 

Carnaval: realidade ou utopia?

Com a ausência do Carnaval em 2021 por causa da pandemia, o assunto vem sendo pauta de discussão desde a metade do ano por parte da Prefeitura de Campo Grande, Governo Estadual, população e comunidade carnavalesca. Em meados de setembro, com o avanço vacinal, a possibilidade da festa ter uma edição no ano seguinte era bem grande. 

Apesar de que na época nada havia sido decidido, as reuniões entre representantes apontavam grandes expectativas. 

“A gente protocolou o projeto porque as escolas de samba se preparam para o desfile com antecedência, se estruturam. Tivemos reuniões bem positivas e eles já sinalizaram o apoio, mas estão vendo maneiras de ver como vão fazer esse desfile”, disse Alan Catarinelli, presidente da Lienca (Liga das Escolas de Samba de Campo Grande), na época. O clássico desfile carnavalesco, se fosse acontecer, estaria previsto para 28 de fevereiro e 1º de março de 2022.

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Não vai ter Carnaval de rua em 2022 (Foto: Arquivo/Midiamax)

Mesmo sem respostas definitivas quanto à realização do Carnaval em Campo Grande, as escolas de samba da Lienca estavam com perspectivas positivas, por isso voltaram a fazer eventos e engajar a comunidade para o desfile.

No entanto, outra notícia caiu como uma bomba para muitos carnavalescos e, também, para a população. No dia 26 de novembro de 2021, o prefeito Marquinhos Trad anunciou que Campo Grande não terá Carnaval de Rua em 2022 por causa da preocupação das autoridades de saúde com o coronavírus.

“Estamos retomando, de maneira gradual, a nossa vida normal, mas ainda vivemos a incerteza do afastamento do perigo da Covid-19 e o surgimento de novas variantes, que preocupam técnicos em saúde do mundo inteiro. Em razão disso, em Campo Grande, optamos por não ter Carnaval de rua. Seria imprudente e irresponsável contrariar a ciência e colocar em risco a saúde da nossa gente”, justificou o chefe do executivo.

As escolas de samba de Campo Grande, então, agora trabalham com a possibilidade de fazer o Carnaval em um outro formato. Assim, a Lienca e a prefeitura têm realizado reuniões para estruturar a nova modalidade de desfiles, mas dessa vez em local fechado e com transmissão ao vivo.

“Estamos estudando tudo isso para que a gente possa manter a tradição da nossa cultura carnavalesca, para não deixar o nosso samba, nosso carnaval ser realizado. A gente trabalha muito, vivemos um período muito difícil, mas sempre fomos solidários em toda a situação pandêmica”, disse o presidente da Liga ao Jornal Midiamax.

Agora, moradores e comunidade aguardam as novas decisões para que o desfile seja mantido no próximo ano, mas dessa vez com algumas mudanças. Tudo isso está ligado com a preocupação das autoridades com a Covid, especialmente após a confirmação da variante Ômicron, que já teve caso confirmado no Brasil.

No entanto, várias escolas de samba e blocos de Carnaval estão apostando em eventos particulares para continuarem com a tradição, como é o caso dos Blocos Capivara Blasé e Cordão Valu. Afinal, com a retomada dos eventos, moradores estão aproveitando a chance para comparecer em todas as festas possíveis antes de uma possível ameaça com a Ômicron.

Por isso, em questão de poucos meses desde o fim das restrições, Campo Grande registrou um “boom” de eventos jamais visto até então. 

Do 8 ao 80, Campo Grande viveu extremos na pandemia 

Nos primeiros meses de pandemia, Campo Grande viveu uma escassez absurda de eventos e tudo fechou. Depois de quase dois anos, as restrições foram abolidas e o público foi em peso para as ruas. Assim, eventos atrasados voltaram com tudo e lotaram as agendas dos campo-grandenses a ponto de ‘data disponível' se tornar item de luxo entre os produtores.

Dessa forma, o setor de eventos viveu uma dicotomia absurda nesse período. Do 8 ao 80, os profissionais tiveram que se virar para conseguir lidar com a demanda, mudanças e imprevisibilidade em ambos os cenários. 

Agora que as restrições acabaram, um novo obstáculo está à vista: conseguir realizar todos os eventos em um mar de demanda que estava acumulada há quase dois anos.

Não é de hoje que Campo Grande se tornou rota de grandes shows nacionais e já recebeu Vitão, Bruno e Marrone, Os Hawaianos, Zé Vaqueiro e Clyton & Romário, Djonga, Duda Beat, Hugo e Guilherme, Raça Negra, Barões da Pisadinha e tantos outros. As pessoas também perceberam a grande demanda de eventos realizados todos os fins de semana.

Shows, casamentos e até formaturas, especialistas alertam para novo “caos”, mas agora ocasionado pela alta demanda, a competitividade por espaço na agenda, a tentativa de recuperação dos prejuízos, falta de profissionais, altos custos e até mesmo aumento do consumo alcoólico em festas.

Elaine Batista de Oliveira está à frente de duas empresas produtoras de eventos na Capital, uma focada no segmento corporativo e outra dedicada às formaturas. Para ela, agora que as formaturas estão liberadas e sem limite de convidados, novos “inimigos” começam a dar as caras: alta demanda de festas atrasadas, falta de profissionais, falta de tempo para planejamento e custos altíssimos.

“Durante a pandemia, muitos profissionais do setor tiveram que se reinventar e começaram a buscar outros setores. Com isso, está faltando mão de obra em várias empresas, dificultando muito a execução dos eventos. Aumentou o valor de tudo, de flores a bebidas, o custo de tudo está absurdo e entregar festas atrasadas sem reajuste se tornou um grande desafio”, disse ao Jornal Midiamax.

Para Elaine, o setor vive um novo caos que exige bastante criatividade, agilidade e horas extras intermináveis para os profissionais darem conta de tudo. Além disso, a quantidade de bebida alcoólica consumida nos eventos aumentou exponencialmente, causando espanto no segmento.

“Estou vivendo algo que nunca vivenciei em 23 anos de empresa, fornecedores dispensando serviços por não ter produto, equipe ou material para atender […] datas nos locais de eventos viraram objeto de desejo. Sexta-feira virou o novo sábado para conseguir entregar tantas festas”.

O mesmo foi observado pelo produtor de shows Flavio Rena. “O mercado agora está reaquecendo rapidamente e a procura nesse primeiro momento está grande, porque a ânsia de sair depois de um ano e seis meses é muito grande. Aumentou tanto a demanda que vários artistas estão sem agenda, tanto artistas regionais quanto nacionais. Antes o público era dividido em vários eventos, agora o público está indo em todos para tirar o atraso. Mas depois volta ao normal”, afirmou o produtor.

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Agenda de casamentos está lotada na Capital (Foto: @pedredp)

Além de festas, formaturas e shows, outro evento que está bombando é o casamento. Uma vez que muitas pessoas deixaram de realizar a cerimônia no último ano, elas estão desfrutando dessa chance.

O cerimonialista Antonio Osmanio, por exemplo, disse que a procura por festas nos últimos quatro meses foi tão grande, que lotou salões de festas e igrejas em 2022. Tanto é que ele já está com noivos para 2023. Mesmo assim, todo o setor de eventos já está em alerta com a nova variante.

“Com o advento da variante Ômicron há um grande medo no trade turístico e de eventos de uma terceira parada total, pois mesmo que não pare a nossa cidade, alguns estados e países já estão fechando suas fronteiras para pessoas de nossa região”, contou.

Mesmo assim, não há como negar que a retomada tem sido muito boa para o público e, especialmente, para os profissionais. Com as contas acumuladas, eles celebram o retorno à vida.

“Agora com a retomada dos eventos estamos conseguindo voltar aos trabalhos, conseguindo atender e melhorar a agenda, voltar a aquecer a agenda. Mas as contas, devido aos anos anteriores, ainda estão presentes. Então, a gente tá tocando para pagar conta, mas graças a Deus o telefone voltou a tocar e estamos aí tocando bastante”, comemora o sambista Gideão Dias.

Festas de fim de ano

O ano de 2021 chegou ao fim com uma grande esperança para 2022. Na reta final para o encerramento de um ciclo, Campo Grande – muito diferente do ano anterior – voltou a sorrir em dezembro. Apesar da Cidade do Natal ter continuado suspensa por causa da pandemia, a Capital recebeu uma série de eventos na 14 de Julho e Praça Ary Coelho para celebrar a fraternidade entre famílias. E isso acendeu ainda mais amor entre os moradores.

No Ano Novo, o cenário também mudou bastante. Mesmo sem a programação tradicional que acontece nos altos da Afonso Pena, em 2021 os eventos particulares foram liberados. Muita gente está indo atrás de shows, festas e celebrações para comemorar a virada em grande estilo. Depois de um ano longo cheio de grandes dúvidas, a única certeza é que Campo Grande está ansiosa para 2022.