Ah…o . É quase impossível não sentir falta de subir as escadas para encontrar suas poltronas, a penumbra que rodeia, o cheiro de pipoca em todo o ambiente e a gigantesca tela branca logo à frente, que aumenta ainda mais a expectativa para entrar em um novo universo através do filme. Deu até saudade só de escrever. Há 125 anos ocorria a primeira exibição pública de cinema no país. E hoje, sábado (19), comemoramos o Dia do Cinema Brasileiro. Para celebrar essa importante data, trouxemos aqui personalidades que vão explicar seus respectivos trabalhos no cinema de Campo Grande, suas características e, claro, mostrar uma coleção de filmes que carregam a riqueza do audiovisual sul-mato-grossense.

Nossa história começa há muitos anos atrás, especificamente em 1903, quando o cinema chegou a Mato Grosso do Sul com a abertura do Rio Paraguai. Junto com a navegação, veio o desenvolvimento da região, que se expande com a linha férrea. Na época, pequenas salas de cinema se tornaram populares nas cidadezinhas da região. O local era visto como um espaço de convivência social, de conexão entre pessoas e entretenimento. Então, surge a televisão na década de 50 no Brasil e entra para as casas das pessoas em meados dos anos 70. Com essa transição, ocorre o fechamento das pequenas salas de cinema em MS.

“Hoje, eles são praticamente apagados da paisagem das cidades”, explicou Marinete Pinheiro, cineasta formada em Direção de Documentário pela International School of Film and TV (Escola Internacional de Filme e TV), em Cuba. Jornalista, autora de dois livros sobre o cinema em Mato Grosso do Sul e responsável por dirigir várias longas e curtas metragens, Marinete coordena o Museu de Imagem e do Som (MIS) de Campo Grande desde 2015. 

Marinete Pinheiro está à frente do MIS-MS há 6 anos (Foto: Arquivo Pessoal)

 

O seu primeiro documentário profissional foi “A Dama do Rasqueado”, curta-metragem sobre a emblemática cantora sertaneja Delinha, lançado em 2017. Marinete contou ao Midiamax que foca suas narrativas em mulheres para mostrar o empoderamento delas na história do Estado. Além de Delinha, ela recorda sobre a produção que fez sobre a dupla Beth e Betinha, as “princesinhas da fronteira”, primeira dupla musical feminina de Mato Grosso do Sul.

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Filme “A Dama do Rasqueado” (Foto: Divulgação)

 “Eu sinto a necessidade de contar a história dessas mulheres, fortes e resistentes, guerreiras que são genuinamente sul-mato-grossenses. Falar da gente é, de certa forma, se reconhecer, se encontrar nessas mulheres. Elas têm muito de nós aqui”, comenta.

Marinete Pinheiro ainda explica que os investimentos no cinema sul-mato-grossense cresceram muito desde a chegada do curso de audiovisual da UFMS, que possibilitou a profissionalização da área. 

“Era uma carência muito grande que existia de mão de obra que vem da faculdade, porque a maioria das pessoas que estão produzindo vem de outras áreas e elas acabam se engajando e fazendo trabalhos surpreendentes. Mas o curso de audiovisual vem reforçar essa demanda que existe”, explica a cineasta.

Há 5 anos à frente do MIS-MS, foi idealizadora de várias mostras, cinemas, exposições e círculos de conversas para levar o cinema do Estado a maior número de pessoas, mesmo que muitas nunca tenham assistido um filme produzido aqui. Questionada sobre a visibilidade nas produções regionais, Marinete explica que é uma questão de educação. 

“A gente precisa se ver e se reconhecer cada vez mais, então o mercado está aí para que a gente consuma o que vem de fora […] mas existe uma necessidade de educação que a gente, sim, tem que olhar pro nosso lado […] a questão do cinema é que as pessoas olhem mais para o que está sendo produzido aqui”, reforça a cineasta, que lança o seu novo filme “Cinema, memória e patrimônio cultural” hoje.

Você pode conhecer os filmes de Marinete clicando aqui.

Paixão e Obsessão 

O ator Filipi Silveira, de 37 anos, diz que o cinema regional é igual a Campo Grande, novo e que está aprendendo a se desenvolver. Formado em São Paulo, atualmente trabalha na Capital como ator, produtor e diretor na sua própria empresa. Indicado duas vezes ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, conta com um portfólio recheado de narrativas: O Florista (Curta-Fic-2012), Irmãos de Alma (Curta-Fic-2015), Cartilha da Vida (Curta-Fic-2016), Vampiros (Curta-Fic-2018), Retrato do Artista Quando Coisa (Curta-Exp-2021), Ano Que Vem Tem Mais (Media-Doc-2021). O último, inclusive, foi realizado em parceria com Marinete Pinheiro e conta a história do Carnaval em Campo Grande.

Filipe começou a trabalhar com produção e direção de filmes ao retornar para a Capital de MS, cidade natal. Segundo ele, cinema é uma arte que não se faz sozinho e que o seu trabalho é realizado com paixão e obsessão.  Assim, suas produções sempre ficam ao alcance do que deseja. Para o ator, sua assinatura é flexível e varia conforme o próprio desenvolvimento. Contudo, ele transita entre os diversos gêneros cinematográficos para que seus filmes sirvam de apoio para discussões, debates e reflexões.

Curta-metragem “Retrato do Artista Quando Coisa” (Foto: Divulgação)

 

“Tem filme meu que você vai encontrar transfobia, sequelas de abuso sexual infantil, relações liquidas, terror social, o poder transformador da cultura entre outros, além de sempre buscar uma qualidade bela na fotografia e um som imersivo”.

Na hora de formar público para o cinema sul-mato-grossense, Filipi explica que a melhor maneira é ensinar as crianças a assistirem obras daqui, além de disponibilizar à população maneiras de consumir esses conteúdos.

“Por que não um cinema de Rua na esplanada ou o retorno de uma boa sala onde será revitalizada a antiga rodoviária chamada “Cine Teatro Jair Damasceno” para homenagear este grande artista daqui que perdemos, ou um projeto bem pensado unindo Cine Teatro como era antigamente no Paço e no Teatro Aracy Balabanian?”, dá ideias.

Você pode conhecer os filmes de Filipi Silveira clicando aqui.

“Odeio arte que não se mexe”

Rose Aparecida Borges Ferreira, de 39 anos, começou no audiovisual quando ganhou uma câmera fotográfica do irmão e passou a tirar fotos. Depois de um tempo, queria ver as imagens em movimento. “Odeio arte que não se mexe e não pode se mexer”, recorda. Depois, se profissionalizou e hoje trabalha como radialista, diretora de arte e produtora executiva.

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Rose começou na fotografia antes do cinema (Foto: Arquivo Pessoal)

Foi em uma obra baseada na poesia de – O Andarilho – que mudou toda a sua trajetória de vida. “Esse filminho foi um divisor de águas pra minha vida, foi ali que decidi onde queria estar e onde eu poderia estar num trabalho audiovisual mesmo”, lembra.

Responsável por comandar o “backstage” dos filmes, o trabalho da Rose é mais técnico. Ela organiza a produção do filme, verifica planilhas de custos, cronograma e ações que precisam ser executadas. Na parte prática, pesquisa locações, figurinos, maquiagens e conversa com profissionais. Todo esse empenho garante brilho em frente às câmeras.

“É importante ter esse olhar mais sensível para quem está sendo inserido no filme. Tanto bastidores como atores, tem que ter uma sintonia no set, se não o trabalho não rende. Eu acho que isso que eu busco: harmonia. Não adianta trabalhar com pessoas que te fazem mal, o resultado final não tem aquele brilho. Não te estimula, não faz você querer aplaudir no cinema”, explica.

Rose também trabalha como radialista (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Apesar de tanto trabalho, ela ainda vê que existem dificuldades em expandir o cinema regional, uma vez que empresários não se interessam em patrocinar obras audiovisuais e pessoas não têm ideia do quanto ajudaria na economia. As produções são resumidas em editais públicos ou produções independentes.

Mesmo assim, é um mercado que está em ascensão. “Eu acho que tem muita gente boa chegando e começando com uma base que eu não tinha, bem mais antenados e interessados em produzir com seriedade. E isso faz com que as produtoras de fora começam a enxergar o nosso pessoal aqui como profissional também”.

Movimento cinematográfico

O mesmo pensamento é compartilhado por Miranda, produtor audiovisual de 38 anos. Campo Grande sempre teve um movimento cinematográfico atuante desde a década de 60. Não existem investimentos igual em São Paulo e Rio de Janeiro e produções ainda precisam de financiamento público, porém a mentalidade está muito mais avançada.

“O conhecimento é mais acessível e as tecnologias de produções cinematográficas também, nunca produzimos tanto em Campo Grande quanto agora”, afirmou Israel, que aluga equipamentos de filmagem para produções. Como o cinema é um trabalho caro e muitas pessoas não têm condições de arcar com novas tecnologias, seu trabalho possibilita o surgimento de tantos outros. Para ele, o sentimento é de realização.

“Acredito que as pessoas que são creditadas pelos filmes não chegam nem a 3% da equipe que é formada para a realização do mesmo, e cada profissional dentro de um set conta, mesmo com o advento da tecnologia o ser humano no backstage não foi substituído, pelo contrário, hoje em um set vemos muitas profissões e funções novas. E são graças a esses invisíveis que o som e imagem chegam até a tela dos telespectadores”, disse.

Israel ainda explica que faltam investimentos da iniciativa privada para que o cinema de MS seja valorizado aos olhos da população. “Estamos muito atrasado em relação a outros estados e municípios brasileiros que já estão utilizando dessas linhas de financiamento localmente. Acredito que aproveitar o potencial desse mercado é uma forma de sair na frente, não é mesmo?”, questiona.

Embora o cinema sul-mato-grossense ainda passe por essas dificuldades, é notável que ele caminha conforme a evolução do Estado e das pessoas. Ele reflete na tela as histórias contadas no cotidiano de cada um. São por pessoas como Marinete, Filipi, Rose, Israel e tantas outras que trabalham arduamente, que o cinema daqui segue resistente e firme para alcançar seus próprios espaços. 

Você pode conhecer o trabalho de Israel clicando aqui.

Produtor audiovisual Israel Miranda (Foto: Reprodução/Instagram)