O dia em que o palhaço Biribinha chorou
O palhaço Biribinha esteve em Campo Grande para apresentação pela Pantalhaços e teve um encontro especial com um garoto.
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Foi no meio de uma fala bem séria e filosófica que um garoto de uns 7 ou 8 anos entrou na sala. Me virei para quem o trouxe, que fez sinal de que o menino queria dar um abraço no palhaço Biribinha, um dos maiores ícones da palhaçaria brasileira. Fiz sinal de “por mim tudo bem”, mas o palhaço continuou falando sobre como os governantes dificultam que a arte chegue ao povo. Deixamos que ele terminasse sua defesa.
Segundos depois, por um passe de mágica, o sorriso voltou ao rosto de Biribinha e ele se voltou àquele garoto de chinelo, roupas simples, cabelo molhado e bem penteado.
“Ele chegou um pouco atrasado porque estava trabalhando”, avisou Mauro Guimarães, do Circo do Mato que realiza a mostra Pantalhaços, em que Biribinha, o palhaço de 60 anos, e que ocupa o corpo de um senhor de 68, realizou apresentações.
“Ahhh”, lamentou o palhaço e rapidamente o abraçou.
“Aperta! Tá sentindo meu coração? Eu tô sentindo o seu fazendo assim ó: pati pacatá pati pacatá. O meu tá bem pertinho do teu. Nossa! Que coração! Seu coração bate forte, hein, velho! Sabe o que que é isso? É amor! Obrigado, viu?” E pôs o menino no colo para fotos.
Logo que o menino sai ele se debruça e soluça. Um choro dolorido. Um choro acompanhado.
“Desculpa, gente. A pior coisa da vida, pra mim, é ver uma criança carente. Ah, como eu queria não ver mais crianças sofrendo”, diz Biribinha e se justificou.
“Ah, gente, eu sei que um palhaço chorando é feio pra caramba, mas eu não posso segurar, porque essas lágrimas não são recurso de baixa teatralidade, são lágrimas muito justas. Eu as considero muito puras, porque nada me faz sofrer mais do que ver uma criança sofrer, porque ela vai levar essas coisas pra vida toda”, ensina.
“Pode ir como você está”
Horas antes, Mauro, que é professor na escola municipal Professora Iracema Maria Vicente, palco do espetáculo na tarde desta segunda-feira (23), passou com o carro de som pelas ruas dos bairros próximos. Mas foi a 100 metros da escola que ele viu o menino lidando com garrafas pet no quintal de sua casa, em meio a materiais recicláveis.
“Convidei ele, como convidei a todos. Entreguei o panfleto. E como ele não estuda lá, ficou meio inseguro de ir. Mas expliquei que todos estavam convidados e disse que o espetáculo começava em duas horas e ele disse que queria assistir”, conta Mauro, que retornou para lembrá-lo minutos antes do início da apresentação.
“Ele disse que ia e eu falei que ele não precisava se arrumar, eu disse: ‘você pode ir do jeito que está’, e voltei com o carro enquanto ele entrou na casa. Imaginei que teria ido colocar um chinelo e uma camiseta. Mas ele foi tomar banho”, conta, já que ele chegou com os cabelos molhados e bem penteados.
Quando a criança chegou, o palhaço Biribinha já havia terminado suas palhaçadas e Mauro sequer sabia se o artista ainda estava na escola, até descobrir que ele estava cedendo uma entrevista.
Assim que saíram da sala de professores, onde conversávamos, Mauro, que também se emocionou, observou o menino. “Ele não disse nada. Continuou com aquela carinha. Nesse tempo, está faltando essa sensibilidade na humanidade”, afirma ele em referência ao carinho do palhaço com o menino.
Como poderemos descobrir o que se passava naquela cabeça de criança e a tamanha emoção de um menino estar diante de um palhaço, um personagem circense tão querido de todos, principalmente dos pequenos. Sobre ser criança, o artista faz a reflexão: “quando as pessoas esquecem que são crianças, deixam de ser seres humanos. A essência do ser humano é a infância, é a criança que está dentro de cada um de nós.”
Resistência
A respeito da apaixonada defesa à cultura e ao circo, ele explicava sobre sua passagem em Campo Grande para a Pantalhaços. “É muito bom estar aqui, bom saber que ainda existem os resistentes”, disse se referindo aos organizadores do evento.
“E a minha conformação, alegria e felicidade é que aquilo que me foi destinado a fazer, não vai se acabar nunca. Porque Mauro resolveu fazer, Laila resolveu fazer, Anderson … sabe? E tantos outros que estão ají enfrentando o poder público, enfrentando as autoridades que se dizem competentes. Eu chamo de incompetentes! Não ter a sensibilidade de manter viva a chama da arte e da cultura milenar do circo, da cultura artística”, afirmou Biribinha. Segundo ele, sem cultura “a violência chega mais rápido e aí a morte, a droga a prostituição, tudo vem junto”.
Ele presenciou “mais de 600 pessoas, desde as 5h da tarde até 10, 11h da noite” na Orla Morena, “sentadas no cimento duro, ao relento pra ver arte, pra ver cultura, pra rir com o palhaço”, e mesmo assim ele destaca que “esses resistentes, esses meninos, toda hora recebem ‘não’, porta na cara, porque eles querem fazer uma coisa certa, eles querem fazer uma coisa boa, porque eles querem que os filhos daquelas famílias que foram lá e que levaram seus filhos amanhã tomem isso como exemplo e façam dessa cidade uma cidade modelo, que o índice de violência diminua, que o índice de violência e prostituição e droga diminuam. Isso só quem consegue fazer isso é o artista, é o ator, é o palhaço, o circense, é o palco do teatro, é o picadeiro do circo, mas infelizmente, contra força não há resistência e vivemos esse regime miserável, infeliz”, lamenta.
O que tem muito a ver com aquele menino e tantos outros que vivem afastados das opções, que não tem escolhas. Mauro sente isso a cada espetáculo. “Ontem à noite, na Orla, os moradores vieram falar com a gente perguntando porque não fazemos isso mais vezes. A gente tenta, mas é difícil, o governo tem que investir para que seja possível”, afirma.
Criador e criatura
Muitas outras sabedorias, disfarçadas de histórias e causos, fazem parte do espetáculo a parte que Biribinha, e aquele que lhe empresta o corpo, Teófanes Silveira, deram naquela sala de professores. Mais do que pode ser escrito aqui.
Teófanes deseja continuar dando vida a Biribinha. “Eu não posso deixar de fazer, continuarei ‘fazendo do meu jeito’”, declara ele, em referência a um espetáculo que está planejando e que pretende incluir a canção My Way, de Frank Sinatra.
“O Teófanes, que daqui a pouco vai aparecer”, diz ele em terceira pessoa, “não tem problema com isso porque sabe que o Biribinha já está preparado para ficar aqui, para lembrar o criador, o Biribinha é eterno, já se eternizou”, enfatiza.
“Para dizer a verdade, eu sempre me preocupo quando eu tiro a tinta do Biribinha, quando começo a voltar a ser o Teófanes. Não sei o que seria do Teófanes se não fosse o Biribinha. O Teófanes é um chato, metido a perfeccionista, ele exige demais do Biribinha”.
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