Na Síndrome de Down, famílias descobrem beleza do amor e a dor do preconceito
Jovens com Down e familiares revelam como percebem o preconceito
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Jovens com Down e familiares revelam como percebem o preconceito
O que leva pais e filhos a abrirem mão de seus compromissos e lotarem uma sala de reuniões, bem no meio da semana, para uma matéria sobre discriminação e preconceito? Esta foi a primeira reação que a reportagem teve ao encontrar, na sede da Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de Campo Grande, uma sala lotada de pessoas, ávidas a serem ouvidas.
Com o gravador ligado, já na rodada de apresentações percebia-se que havia muita coisa entalada na garganta de cada um dos presentes. Havia muito a ser dito, apelos a serem feitos e, principalmente, expectativa acerca do material publicado. Felipe, 19. Maria Edwirges, 45. Osvaldo, 36. Maísa, 27. E Álvaro, 39. Cinco pessoas, jovens de coração, com síndrome de Down e que, acompanhados de seus pais, revelaram – cada um à sua maneira – seus medos e anseios.
Cada pergunta teve resposta complementada pelos pais, que ajudaram a dar forma ao que também temem para os filhos. Um bate-papo de cerca de 50 minutos que foi concluído com a certeza de que ainda há muita estrada a ser percorrida até que a discriminação seja efetivamente dizimada do dia a dia destas pessoas.
Leoas
Com afeto e admiração, cada mãe presente parecia uma leoa. Defensoras das ‘crias’, destacaram as qualidades e o amor que dispensam a eles. “A Maria Edwirges, minha filha, foi um presente de Deus pra mim. Os médicos diziam que ela nem ia andar, e hoje ela trabalha aqui na Apae. Ela mudou minha vida completamente, eu nem consigo imaginar como seria sem ela. Foi por isso que eu vim pra Campo Grande, e ela faz minha vida melhor. Eu sou abençoada por ela”, comenta dona Noêmia Moreira Reis, dona de casa.
Mas ainda não há amor capaz de blindar a discriminação. É a própria Edwirges que revela a dor que sente quando é alvo de piadas e bullying. “Tem menino que fala bobeira, eu não gosto, fico triste. Mas eu não julgo ninguém, que julga é Deus. Eu tenho orgulho de quem eu sou, do jeito que eu sou. Minha mãe é guerreira, heroína, ela é tudo para mim”, diz ela, que afirma gosta de jogar ping-pong. “Mas ela esquece logo, graças a Deus”, complementa dona Noemia.
Do outro lado da mesa, a depiladora Maria Lúcia Nunes Ferreira, a mãe de Felipe, também desabafa sobre as dificuldades que o filho enfrenta. “Desde pequenininho as pessoas falavam com o Felipe como se ele não fosse entender, mas ele entende. Ele tem dificuldade de fala, mas entende tudo”, revela.
Felipe também sabe distinguir acolhimento de preconceito. Lúcia conta emocionada, mas sem muitos detalhes, episódio em que o filho foi discriminado. “Uma vez eu não tinha percebido, mas ele chegou em casa calado, sentou na cadeira, e quando eu vi ele estava chorando. Eu me desesperei, perguntei se estava doendo alguma coisa. Eu abracei, acalentei e perguntei o que aconteceu. E ele contou, do jeito dele, que sofreu preconceito. O que me resta fazer, se não abraçar, proteger, mostrar que ele é amado?”, conta.
Dona, Ilza Santos, mãe de Maísa, também se mostrou uma leoa quando soube que a filha foi alvo de piadas. “Eu fico triste quando riem de mim”, contou Maísa, seguida pelo desabafo da mãe. “Ela adora dançar, é muito comunicativa. E fizeram um vídeo dela dançando, chamando de ‘Maisa Louca’, e jogaram na internet. Você não sabe o quanto isso me deixou triste, ela não merecia aquilo. Tirei a Maísa da escola no mesmo dia. Até hoje apontam pra ela no terminal”, conta.
Foi assim que a jovem, que estudava em escola regular, passou a ficar integralmente na Apae, onde além das atividades assistenciais, cursa o Eja (Educação para Jovens e Adultos). Lá, a jovem também tornou-se funcionária do local. “Foi a melhor coisa que eu fiz pela minha filha. Porque a gente quer que eles sejam independentes, eu não vou estar aqui para sempre. Mas a gente não consegue proteger de tudo. Aqui foi melhor”, conta.
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Apoio especializado
A experiência de Maísa e Ilza é o que leva muitas famílias a procurarem apoio especializado para pessoas excepcionais. Entretanto, isso também traz discussão sobre a necessidade de tornar escolas comuns em ambientes inclusivos, nos quais o suporte pedagógico seja dispensado a todos os estudantes: a ideia seria promover igualdade e respeito a partir do reconhecimento de diferenças.
Há 27 anos à frente da entidade, a pedagoga Claudeice Alves da Silva compartilha da mesma opinião. “Já sentimos esse avanço e as escolas, principalmente as públicas, têm feito essa inclusão nos últimos anos. Porém, a gente sabe que tem muito a ser estruturado e por isso é importante que entidades como as Apaes faça acolhimento, porque essas famílias têm pressa”, explica.
Apaes também estão preparadas para dar suporte pedagógico aos estudantes para além da idade escolar padrão, sendo comum que as pessoas atendidas continuem frequentando a entidade por muito tempo.
Na família
Mas nem só no ambiente escolar ou longe dos olhos dos pais que a discriminação é praticada. Às vezes, é no seio familiar que o preconceito ganha corpo. “Tem pessoas da minha família que tratam mal, que chamam de retardada. Eu não gosto nem de falar na frente dela. A gente sente quando tratam mal e os Down não são assim, minha filha é inteligente”, conta dona Noêmia.
O pai de Álvaro, o alfaiate Gélio Pedroso, também percebe discriminação dentro da própria família. “Nunca deixei meu filho fazer o que não devia, criei ele igual a meus outros filhos. Ele é minha maior riqueza, mas eu nunca fiz distinção na forma de educar. Por isso que dói quando a gente vê na própria família a discriminação. E meu filho percebe, só que não fala nada. Ele entende quando alguém não gosta dele, mas não reage. Para ele se sentir melhor, eu converso, digo pra deixar pra lá. E ele esquece rápido, ele não tem maldade”, revela.
O empresário Valdair Ferreira Lima tem no irmão Osvaldo um xodó. Não é pra menos: Osvaldo é comunicativo, independente e tem muita opinião. “Eu gosto de fazer esportes, de atletismo, futebol. Gosto de conversar com meus amigos, de ir pra escola”, conta. Após o falecimento da mãe, Osvaldo divide-se com os irmãos nos cuidados com Oswaldo. “Mas não precisa muita coisa, porque minha mãe sempre lutou pelos direitos dele. Nunca prendeu, deixou ele conviver com os vizinhos, brincar com as outras crianças… A gente não teve nenhuma dificuldade, porque ele tem as opiniões dele, tem muita independência”, conta.
A discriminação, mais uma vez, é a maior barreira. “Às vezes a gente está numa roda e chega alguém que não conhece ele e já quer fazer o Osvaldo de alvo. Ele sabe se defender, o que é muito bom, mas a gente se sente muito impotente”, conta. “Aqui na Apae ele convive com outras crianças com Down e isso ajuda ele a se reconhecer, a não ter vergonha de quem é”, conclui.
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