Tapetes ornamentam local de procissão tradicional
Tradição, delicadeza e devoção reunem, na manhã desta quinta-feira (15), milhares de pessoas na Rua Catorze de Julho, em Campo Grande. Juntas, elas se dedicam à montagem dos tapetes ornamentais, atividade que dá início à celebração do Corpus Christi na cidade. As obras, que repousam sobre o asfalto da via, é finita: deverá ser destruída ainda hoje, durante a procissão prevista para esta tarde. Entretanto, é o processo criativo que importa para os católicos, que desde a madrugada dedicam seu tempo à construção de imagens e ornamentos com areia, sal, raspas de madeiras e outros elementos decorativos.
“Cada tapete que a gente monta é feito na perspectiva de que Jesus vai passar por ali. Não tem problema que tudo seja destruído depois, porque é a fé das pessoas que fará com que elas andem sobre as obras, sempre tendo em mente Jesus Cristo. Tudo que estamos fazendo aqui é pra Jesus. Ele merece o mais precioso, o mais delicado, o mais lindo”, explica Camila Ramos, de 22 anos, que monta uma das imagens no chão.
Camila faz parte de um grupo maior, de cerca de 50 jovens, do grupo Terço Jovem’, ligado à paróquia Nossa Senhora Auxiliadora. Com violão e matéria-prima para as obras em mãos, eles entonam cantos de louvor e fazem da via um espaço de plena animação. Muita gente, sobretudo jovens, tomam conta da Catorze de Julho numa manifestação clara de fé e devoção, na qual a tradição se revela pela delicadeza dos mosaicos que, aos poucos, surgem sobre o asfalto.
Em 2017, o tapete terá cerca de 1,1 km de extensão, percorrendo a Rua Catorze de Julho desde a Avenida Fernando Correia da Costa até a Avenida Mato Grosso. Para a decoração, 45 paróquias da cidade se envolvem nas atividades, que requerem dedicação e planejamento. Muitos dos grupos já desenvolvem o projeto ainda nas comunidades e mesmo a execução já é testada antes da prova final. “Cada ano eles pensam num desenho baseado na vivência do grupo naquele ano. Em 2017, eles foram para o Santuário de Nossa Senhora Aparecida, tiveram essa vivência e fizeram essa peregrinação. Por isso que eles estão fazendo a imagem da santa”, explica Tamara Nicotti da Mata, de 20 anos, coordenadora do grupo Terço Jovem, que este ano trabalha com bolinhas de papel crepom.
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Os integrantes do grupo Sagrada Família também recorreram a materiais alternativos. Peças de fuxico enrolados em tampinhas de garrafa estão sendo usados para montar sob o chão um dos símbolos da comunidade, Maria. O processo de criação das peças, no entanto, também chama atenção. “Os idosos da comunidade fabricam as pecinhas nas oficinas da pastoral e os mais novos, que têm mais saúde, vêm montar aqui”, revela Regiane Oliveira Villanova da Silva, 42 anos, voluntária, Ela está com Rafael Tavares Lima, de apenas 12 anos, que se dedica à montagem da obra. “Minha avó ajudou a montar os fuxicos e eu estou aqui cuidando dos detalhes da montagem”, afirma.
O grupo da Sagrada Família participa há mais de 20 anos da celebração. “É algo que a gente vai passando de geração em geração, que a gente vê a importância, que constroi nossa fé”, acrescenta Regiane.
Areia que vira arte, arte que representa fé
Os termômetros marcavam 16° na região central quando os voluntários começaram a chegar, bem antes das 6h da manhã. Violão, café, chipa, caixas de som, cânticos e, principalmente, muita disposição começavam a ambientar a rua para a procissão. De joelhos, os jovens se aproximavam do solo para iniciar as obras. São eles, a propósito, que se destacam em meio a multidão e à medida que o sol surgia e fazia as temperaturas subirem, agasalhos iam saindo do corpo. Mas eles continuavam ao chão, concentrados na montagem dos tapetes, um mosaico que representa dedicação. É a areia que vira arte, e a arte que representa a fé num dos dias mais simbólicos do catolicismo.
Membros da comunidade Coração Eucarístico de Jesus, junto à comunidade São Gabriel, optaram continuar com a areia, o material mais tradicional para a confecção dos tapetes. Eles montam o símbolo da comunidade, em desenho que foi pensado com antecedência. Para garantir a fixação, eles borrifam os grãos com uma mistura de cola e água. Sal e raspas de madeira também são elementos comuns nos mosaicos. “Todo ano a gente vem pra cá, pensando no amor de Deus, na fé. Esse trabalho é delicado, mas somos movidos por devoção. Por isso fica Bonito”, conta. “mas não vale vir fazer só o tapete, tem que ficar até o final”, brinca.
O padre Odair de Souza Costa, pároco da catedral de Nossa Senhora da Abadia e organizador do evento, estima que todo o processo de confecção dos tapetes, que teve início por volta das 4h da manhã, leve cerca de 6 mil pessoas à região central. “Eles terão até o meio dia para terminar as obras e às 15h a missa campal vai ser celebrada na Avenida Mato Grosso”, destaca o pároco. A via está interditada em trecho que vai da Treze de Maio até a Calógeras. A procissão parte de lá, logo após a celebração, por volta das 16h30, e descerá a Catorze de Julho em direção à Fernando Correia.
“Em tempos de individualismo cada vez mais crescente, eu acredito que atos como o de hoje são de grande expressão social. As pessoas se envolvem tanto nesse fazer, se envolvem tanto com o amor de Deus que o que parece uma grande bagunça vira uma grande festa, que deixa uma obra linda”, comenta o pároco.
Projeto solidário
“Esse é o projeto ‘Gesto Concreto de Corpus Christi’. Após a procissão, uma carreata vai descer todo o trecho interditado da Catorze de Julho até a Fernando Correia da Costa, levando as doações. Lá haverá um caminhão do Exército, que recolherá todas as doações e levarã para a Paróquia de Santo Antônio, para fazermos a contagem e triagem. Quem qusier fazer doação é só vir aqui”, conclui Vivan Elias, membro do projeto.