Herança histórica, complexo ferroviário deve virar ‘pulmão cultural’ da cidade

Destinação perene ao complexo pode dar cara nova à cultura

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Destinação perene ao complexo pode dar cara nova à cultura

Rua Catorze de Julho, Avenida Calógeras, pela antiga linha do trem. São vários os caminhos que conduzem ao complexo ferroviário de Campo Grande, que décadas atrás trouxe o progresso e desenvolvimento à cidade. Porém, após o fim dos serviços da Noroeste Brasil, na década de 1990, o poder público ainda patina em relação a uma destinação definitiva à estrutura que restou.

O potencial de exploração do espaço para o desenvolvimento de atividades culturais nunca foi ignorado. A construção de um espaço perene para a Feira Central, por exemplo, possibilitou, ao longo dos anos, infraestrutura suficiente para que tivesse início uma exploração mais intensa do espaço, que atualmente até palco de blocos carnavalescos é. Entretanto, os prédios e espaços conectados ao complexo ferroviário ainda sofrem com o subaproveitamento e, em alguns casos, o total abandono.

A estratégia da Sectur (Secretaria Municipal de Cultura e Turismo) para contornar esta realidade é, portanto, fazer com que o complexo seja uma espécie de ‘pulmão cultural’ da cidade, por meio da destinação dos espaços para atividades perenes. Como as oficinas e cursos que a pasta passará a oferecer na Plataforma Cultural – espaço que antigamente era o embarque e desembarque de passageiros do trem que além de auditório climatizado e um grande armazém multiuso, dispõe de uma galeria de vidro para exposições de arte.

“A ideia é que todos os nossos eventos sejam feitos nos nossos espaços, para que possamos criar uma referência a esses espaços e eles possam ser representativos. Até porque a nossa proposta é alinhar cultura ao turismo e para isso precisamos que os locais tenham essa identidade”, explica Renata Leone, superintendente de Cultura da Sectur.

Complexo é palco de blocos de carnaval (Leandro Martins Benites/Divulgação)

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Os cursos agem bem nesta proposta: gratuitos, vão explorar do aprendizado de violão, mosaico, arte-reciclagem à atividades como dança de salão e capoeira, e deverão ser realizados em módulos, tudo com o objetivo de promover movimentação no espaço para além dos dias e horários de funcionamento da Feira Central. “Também queremos, em breve, criar um edital para uso da Galeria de Vidro, para que possa haver uma curadoria e mais transparência no emprego do espaço”, anuncia Leone.

A caminho da segunda edição, também está o projeto Estação Cultural, que convida campo-grandenses a explorarem o espaço a cada primeiro sábado do mês, com gastronomia, atividades culturais, brechós e outras atividades – a próxima edição já está marcada para o dia 6 de maio.

Educação para o patrimônio

Tempestade em novembro de 2015 destruiu parte do telhado do Armazém Cultural (Acervo Midiamax)

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O grande desafio, além de uma efetiva destinação do espaço, seria educar o público potencial a conviver de forma mais saudável com patrimônio público, já que o complexo é tombado, do paralelepípedo ao tijolo aparente, em instâncias municipal, estadual e federal. A experiência mais recente beirou ao desastre, quando a realização de uma festa de carnaval chegou a ser temporariamente proibida pelo Iphan-MS (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O motivo era que os realizadores do evento não previram uma logística para proteger a estrutura.

“Nossa decisão desfavorável foi por conta do dano ao patrimônio, que é pelo que nós respondemos. Mas, o que nós esperamos é que os futuros eventos aqui na região tenham uma adequação e um plano de ações preventivas, aos moldes dos eventos culturais que acontecem em outras áreas tombadas Brasil a fora”, apontou, na época, a superintendente regional do Iphan, Norma Ribeiro.

O presidente do Fórum Municipal de Cultura, o diretor teatral Vitor Hugo Samúdio, concorda com a necessidade de prevenção de danos ao patrimônio tombado. “Essa situação do carnaval foi muito rica, apesar de todos os problemas. Nós entendemos a decisão do Iphan, porque de fato não havia proteção ao patrimônio. A maioria das pessoas da cidade nem sequer sabem que lá é tombado e que tem que ser protegido”, aponta.

A Sectur garante estar ciente da necessidade de proteção da região. “Manter o patrimônio é uma preocupação constante nossa. Temos sido cobrados pelo Iphan e também pelo Ministério Público, então estamos atentos desde a questão de manutenção à prevenção em si. Temos projetos para mais reparos na estrutura, inclusive do Armazém Cultural. E estamos buscando recursos federais para a revitalização da Rotunda, que está abandonada”, completa Leone.

Cidade ocupada

Para o arquiteto e urbanista Fernando Batiston, que atua no Planurb (Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano) e leciona no curso de arquitetura da Uniderp, a ocupação de espaços público é uma forma de preservação. “Quando você ocupa, quando você zela, o processo de degradação do bem é muito mais lento. Portanto, promover uso é fundamental ao patrimônio”, explica o arquiteto.

Abandonada, Rotunda tornou-se reduto de dependentes químicos (Acervo Midiamax)

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Vitor Hugo Samúdio compartilha da mesma opinião. Integrante da Urgente Companhia de Teatro (antigo Mercado Cênico), que se fixou na região da ferrovia, Samúdio destaca que além de ocupar o espaço histórico tombado, é importante sentir-se parte dele. “Já tem seis anos que estamos ali, que nossas atividades acontecem ali. Então, temos essa relação de pertencimento. E o que a gente observa é que além dos espaços que são oferecidos, há vários outros que precisam da mesma atenção”, pontua.

De fato, a região não esconde suas carências. Desde a Orla Ferroviária – projeto que buscou ressignificar o antigo leito da ferrovia que cruza a cidade, mas que atualmente experimenta uma espécie de ostracismo e esquecimento – à própria Rotunda, que mesmo com seu espaço generoso tornou-se reduto de dependentes químicos.

“Temos um baita equipamento ali, que é central, de fácil acesso, democrático… Só precisamos potencializar sua utilização para a cultura. Sem sombra de dúvida esta é uma decisão muito acertada do poder público, porque ela contempla vários aspectos da cidade, e o melhor – que é o piro de tudo – é que é um espaço que está parado e que precisa ser ocupado”, conclui Samúdio.

Serviço – Oficinas gratuitas da prefeitura (violão, mosaico, arte-reciclagem, dança de salão e capoeira) estão com inscrições abertas. Outras informações pelo telefone (67) 3314-3222.

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