Galpão que guarda história é local onde pechinchar ainda funciona
Ele está de pé desde 1958, entre as ruas 15 de Novembro e 7 de Setembro e segundo historiadores, carrega o que seria o DNA de Campo Grande, por ser o espaço mais democrático da cidade, onde todas as tribos se encontram e são bem-vindas. Esta é uma descrição possível do Mercado Municipal que, a propósito, tem nome e sobrenome – Antônio Valente – mas que a gente prefere, mesmo, é chamar de Mercadão.
Na segunda edição da coluna ‘Pela Cidade’, o MidiaMAIS visita o Mercadão e quer saber de quem trabalha lá se a descrição acima é real ou conversa para turista ouvir. Não foi difícil comprovar: foram poucos passos para constatar que os corredores do espaço proporcionam uma explosão de cores fortes. Os tons vermelho, terra, palha e verde destacam-se nas gôndolas, que trazem desde frutas e verduras frescas a conservas de sabor único. No Mercadão, também há enorme variedade de grãos de feijão, queijos de todo sabor e vários tipos de erva de tereré.
E de fato, também foram poucos passos para ver que a diversidade de cores também é vista entre vendedores e clientes: pessoas de todas as etnias, berços e idades, do jovem ao idoso, no comando das vendas e das compras – percepção chancelada pelo historiador e professor universitário Eronildo Barbosa da Silva.
“O Mercadão é o lugar onde pessoas de todos os estratos sociais, de todas as etnias, enfim, todas as pessoas se sentem convidadas a procurar os serviços e consumi-los naquele espaço. É onde estão os japoneses, os libaneses, os nordestinos, os indígenas… Onde esses grupos étnicos que formaram a cidade se encontram e convivem de igual para igual”, avalia. Para Silva, o prédio carrega, sim, o ‘DNA’ de Campo Grande. Isso porque o Mercadão é o principal espaço que representa a história da cidade, que tornou-se uma espécie de rota de imigração. “É diferente de Cuiabá, uma cidade de seus 300 anos, que viveu muito tempo isolada. Aqui, por ser uma rota, está o tempo inteiro em mutação, em miscigenação”, diz.
“Cheiro da cidade”
Para qualquer turista, a visita ao Mercadão é obrigatória e não é difícil encontrá-los vagando pelas gôndolas. Como o gastrônomo Israel Bertamoni, 30, vindo de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul. Pela primeira vez na cidade, o cozinheiro fez questão de visitar o Mercadão porque, segundo ele, é onde se sente o “cheiro da cidade”.
“Encontrei aqui coisas bem diferentes, que não acho no Rio Grande do Sul com facilidade. Vários tipos de feijão, de farinha, castanha de baru… Achei um lugar muito legal, o turista precisa passar por aqui”, considera. “Cada lugar que eu vou tenho que passar no mercado público, porque é onde a gente entende a cultura local e sente o cheiro da cidade. O de Campo Grande é o cheiro da erva de tereré”, acrescentou.
Mas, é o papo de quem vende no Mercadão que nos interessa, no momento. Afinal, na opinião deles, o que faz o galpão ser considerado o local mais democrático da cidade? Para Antônio Denadai, que trabalho no espaço desde 1993, o atendimento cara a cara, a confiança no produto e, principalmente, a oportunidade de negociar direto com o feirante são os atrativos que supermercados não têm.
“Aqui o cliente consegue pechinchar, negociar mesmo. A gente concede desconto e fideliza o cliente, e não faz nenhuma distinção: tem cliente pobre, tem rico, tem gente com estudo e gente sem estudo… Tem que atender todo mundo igual e tratar bem o cliente, que é pra ele voltar”, aponta. Nas gôndolas de Antônio, farináceos, erva de tereré, castanhas e produtos fitoterápicos, como o chamativo ‘viagra natural’ estão à venda.
“Vixe, vende bastante… Já, já vem gente comprar aqui. A primeira coisa que eles perguntam é se eu já tomei e se funciona. Mas eu sempre vou pelas informações do rótulo, pela opinião dos outros clientes. E ninguém nem compra escondido, não. Compra na cara dura, tem muito senhor que vem aqui para ver se funciona e depois vem de novo comprar, viu?”, garante o vendedor. Para ele, entretanto, o que faz do Mercadão um lugar especial é a família que se forma. “Imagina só, estou aqui há quase 24 anos. É o lugar onde eu faço e encontro meus amigos. A gente se ajuda o tempo inteiro. Tem muita solidariedade aqui”, aponta Antônio.
Pode ter solidariedade, mas não tem crise. Pelo menos é o que afirma José Luix da Silva, 23 anos, que trabalha num frigorífico quase em frente à banca de Antônio há seis anos. “A crise veio e o movimento aqui não caiu. Já é mais em conta o preço e a gente não se queixa do movimento, não. É sempre assim, esse entra e sai da gente”, disse o vendedor, antes de interromper a entrevista para vender queijos. “Desculpa, moço, vou ter que atender a cliente aqui”, disse.
Manter a tradição
“Capinha, película, carregador, senhor?”, diz a vendedora de uma loja de acessórios para celular, que ganhou espaço em meio às frutas, verduras, carnes, peixes, ervas de tereré e lanchonetes do Mercadão. Algo que não deverá mais acontecer, conforme afirma Daniel Amaral, há quase uma década atuando como assistente de administração do prédio, executada pela Associmec (Associação dos Comerciantes do Mercado Municipal de Campo Grande).
“Nosso principal desafio é manter a tradição, porque a diversidade de clientes está relacionada à diversidade da mercadoria. A gente percebeu que a venda dos produtos mudava muito em algumas épocas. Era época de queijo? Então todo mundo queria vender queijo. E isso prejudicava a variedade. Por isso, colocamos recentemente no nosso estatuto que cada banca continue a vender o que originalmente vendia. Tá vendo aquela banca ali de plantas? Daqui a 100 anos, quem vier aqui vai encontrar o mesmo produto”, explica Amaral.
De acordo com uma contagem da Associmec, a média diária de fregueses no Mercadão varia de 5 a 6 mil clientes, dependendo da época do mês. “E a gente faz tudo para que todo mundo se sinta confortável. Tem estacionamento gratuito por uma hora para quem comprar aqui, trocamos recentemente os ventiladores e colocamos três ultrassônicos, que não fazem barulho nenhum. Em Campo Grande só há esses três”, revela.
A revitalização do espaço, em 2015, fechou uma das ruas que circundavam o galpão, integrou a feira da índias ao espaço e de quebra criou uma área com enorme potencial para eventos culturais. “Nunca procuraram a gente para grandes eventos, mas a gente sabe que aqui tem condições. Seria um prazer receber esses eventos. Mas, por enquanto, fizemos um palco móvel que aos fins de semana colocamos bem na entrada. Os músicos tocam, animam o Mercadão. O cliente fica feliz, compra mais, sai todo mundo satisfeito”, conclui Amaral.
Serviço – O Mercadão Municipal funciona de segunda à sábado, das 6h às 18h30. Aos domingos e feriados, o espaço funciona das 6h ao meio dia. O estacionamento é grátis por 1h para clientes que consumirem no Mercadão. A administração da Associmec faz visitas guiadas no espaço. Outras informações pelo 3026-3977 e 9983-3157.