Para não dizer que não falei de flores ou porque não podemos ser leves no dia 8 de Março

Data ganhou tons de festa, mas a redação do Midiamax prefere falar do que ainda há para mudar

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Data ganhou tons de festa, mas a redação do Midiamax prefere falar do que ainda há para mudar

 

Sabe o que a gente, ‘jornalista mulher’, queria mesmo neste e em outros 8 de Março? Que essa data nem fosse necessária, mais. Ou que pudesse ser usada apenas para comemorações, ‘fofices’, até as pieguices típicas de dias assim. Quando não há coisa mais séria para falar, tudo bem, vá lá.  Mas, não dá. Durante muito tempo, ainda, esta efeméride não poderá se resumir a coisas bonitas ditas e escritas a elas, a presentinhos e mimos. A gente até gosta. Só que é pouco, pouco demais, e o clima festivo mascara o verdadeiro sentido e a real necessidade.

Infelizmente, nossa realidade indica que, por décadas ainda, é um dia de luta, de apertar tecladas repetidas há muito tempo por pioneiras dos direitos das mulheres. Até que a realidade vivida todo dia por quem nasceu, ou ‘tornou-se’ mulher, apresente condições de viver, com diferenças, sim, mas oportunidades iguais, tratamentos equânimes. E sem violência e discriminação apenas por ter nascido, ou sentir-se, ‘menina’ num mundo dominado desde sempre por ‘meninos’.

É por isso que nós da redação do Jornal Midiamax decidimos, nesta semana, falar de problemas. Afinal, aqui desembocam os absurdos da condição ainda subjugada de muitas de nós, transformados em manchetes tristes.

Para não dizer que não falei de flores ou porque não podemos ser leves no dia 8 de Março

Foi assim no dia 5 de janeiro deste ano. Era uma tarde sem grandes fatos, daqueles dias nos quais, entre nós, tem cheiro de coisa ruim no ar de tão calmo estava. Pois do meio para o fim da tarde, ao mesmo tempo chega a informação de uma mulher morta no Hospital Regional e de um homem que tentou se matar jogando o carro sobre um caminhão na rodovia. Demorou minutos para ligarmos as duas histórias. Ela havia sido vítima de um marido inconformado com a separação, após os filhos todos criados.

Ela não ficou para contar história. Ele, depois de dias internado, foi direto para uma cela, para ser processado por feminicídio. Neste caso, chegou-se ao extremo. Mas, todos os dias – todos! – com destaque para os fins de semana, noticiamos casos de vítimas de namorados, ‘amantes’, ‘ficantes’ e maridos, ou ex, que abusam, espancam, ofendem, fazem o diabo.

Não dá mais

Nosso Estado é um dos piores do País neste quesito, a ponto de ter recebido a primeira estrutura com atendimento multidisciplinar para as mulheres. Não tem como ficar no ‘fru-fru’, quando a gente faz a busca e vê quanta violência de gênero ainda ocorre.

Não dá também para ficar na futilidade quando a gente estampa, como ocorreu hoje, foto de famílias transferidas de uma favela para outra ainda pior. E quem está lá, erguendo barracos, enfrentando chuva? Elas, muitas sozinhas com seus filhos.

E quando há a notícia que uma criança foi abandonada, ou vítima de maus-tratos, e a carga negativa é jogada toda sobre a mãe? É dela, invariavelmente, a culpa. Os pais, esses nem sempre aparecem e quando ocorre, não são xingados de ‘nomes feios’.  

Não podemos nos fazer de surdos e ficar aí, falando de flores, quando sabemos que mulheres ainda ganham menos que eles nas mesmas funções. Nem quando temos ciência do quanto são rotuladas pela roupa, pela forma como falam, pelo corte de cabelo. Parece primitivo, mas, ainda hoje, homens se sentem no direito de grunhir cantadas imbecis ou comentários lascivos, e há quem ache graça.

Não dá pra ignorar que nem viajar sozinhas elas podem, pois estarão ‘procurando’ ser vítimas.  Ah, também não podem, de livre espontânea vontade, ser solteiras, não ter filhos, ou, crime maior ainda, ser casadas e escolher não reproduzir. E na hora de parir, sofrem violência, têm suas escolhas, quais sejam, questionadas e desrespeitadas, não poucas vezes.

Não temos motivo, ainda, de ser leves em 8 de março. É impossível, enquanto o debate sobre direitos ao próprio corpo estiver eivado de questões religiosas, de imposição de crenças. Sim, estou falando do direito ao aborto, do direito a transformar-se, e de ser tratada como mulher, mesmo quando não se nasce exatamente assim. Tal como falo do direito de relacionar-se, casar, viver junto com quem quiser.

Em resumo, temos de falar de assuntos pesados em 8 de Março, enquanto cada uma de nós não puder ser apenas quem é – nem menos nem mais – sem apanhar na rua ou ganhar salários menores. Ou ser preterida por ter a possibilidade de engravidar, ser alvo de chacota por estar magra demais, gorda demais. Sem ser chamada de vagabunda pela roupa que veste. Ou morrer por tudo isso junto.

Por ora, não dá. As flores e os bombons não vão virar respeito. Até que, diariamente, ele nos seja dado como em 8 de Março, o dia que todos os outros poderiam ser.

* A opinião da jornalista não necessariamente reflete a opinião do jornal.

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