Luíza já foi até frentista, mas levou adiante o sonho de ser engenheira

 

 

Luíza Marta é uma daquelas mulheres que guarda o melhor da história da própria vida bem longe do que aparenta ser. O sorriso largo, a fala apressada e o uniforme azul-petróleo de eletricista industrial até revelam, logo de cara, que por trás dela há uma mediadora nata, que busca ao máximo harmonizar as 24h de cada dia entre as diversas responsabilidades que tem. Porém, o pote de ouro está escondido em sua trajetória, história que ela nem faz muita questão de alardear.

“Hoje sou uma pessoa feliz. Tenho dois filhos abençoados e amo o que faço. Teve muito sacrifício. Ainda tem. Só que eu não cheguei aqui sozinha, tive amparo de muitos amigos, principalmente da Aline. Por favor, deixa bem claro na matéria que a Aline foi fundamental. Eu tenho muita gratidão por ela, é uma verdadeira amiga”, adianta a eletricista, que nem sempre desempenhou essa função.

O céu é o limite para a primeira eletricista industrial de Mato Grosso do SulAntes de ocupar o posto atual, Luíza trabalhava como vendedora numa rede de supermercados. Com três meses, o desempenho lhe garantiu a coordenação do setor de cartões. “Mas eu não estava feliz. Primeiro porque havia várias pessoas com anos naquele setor e eu fui promovida com três meses. E segundo porque poucos estavam dispostos a colaborar comigo. Isso me desmotivava”.

Num dos ‘momentos calorosos' do emprego, Luíza acabou sendo demitida. E sem pestanejar, foi trabalhar como frentista em posto de gasolina. “Foi aí que surgiu a Aline. No dia em que a conheci, tinha falado com uma colega de trabalho que estava chateada com o emprego, porque não tinha evolução. Aí, a Aline chegou no posto para abastecer uns dez carros da empresa que ela trabalhava e eu decidi perguntar se ela tinha alguma vaga”.

Tinha várias. Luíza recusou uma vaga de auxiliar administrativa, por trauma do emprego passado. Recusou uma vaga de copeira. “Eu nem sei fazer café”. A terceira proposta, no entanto, requeria habilidade especiais. “Ela riu e me disse que tinha 15 vagas para eletricista. E perguntou se eu tinha medo de altura”.

Como o salário era o dobro da remuneração de Luíza no posto, ela decidiu arriscar. “Pelo salário eu falei que não tinha. Daí ela disse que tinha que subir naquelas escadas de 15 metros, tipo aquelas de bombeiros, que ficam no meio do nada. Eu respirei fundo e disse que não tinha medo. Mas, é claro que eu tinha. Só que eu queria mudar”, revela.

Vida nova

O emprego deu certo e Luíza passou por um treinamento junto à concessionária de energia local, única empresa habilitada. Por Aline, ficou sabendo que seria a primeira mulher a trabalhar no setor e a receber o treinamento. “Era só eu de mulher no treinamento para eletricista de manutenção e construção de rede de média tensão. Eu fiz amizade com alguns meninos e o Max foi quem mais se aproximou mais de mim”.

Na mesma época, ela conta que havia feito inscrição num curso técnico de eletrônica em automação industrial do governo do Estado. “Fiz uma prova, até. E me surpreendi quando recebi uma ligação dizendo que eu tinha sido aprovada. Eu não tinha carro, na época, e o Max me apoiou muito. Eu lembro que no dia eu disse que não queria aquilo, que como não podia fazer medicina eu ia fazer enfermagem. Ai ele brincou e falou que tinha que ir aonde a água leva. Ele dizia: como eu ia chegar com a mão toda suja na faculdade? Dai decidi fazer”.

Luíza já foi até frentista antes de ser eletricista / Luiz Alberto

 

 

O curso técnico tem duração de dois anos e sete meses. Mas logo no segundo módulo Luiza ficou grávida do segundo filho. “Isso dificultou tudo, porque eu tive problema de saúde. Parei de ir. Quando meu filho nasceu, a escola deu uma oportunidade. Eu tinha reprovado 17 matérias. Lembro que todos os dias o coordenador falava que eu era corajosa, que já tinha visto homem ficar de recuperação em duas matérias e nunca mais ver ele nem no semáforo. Eu decidi tentar. Caso não desse certo, pelo menos eu teria tentado. Eu não sei te dizer o que aconteceu, mas eu consegui passar. E isso me encorajou ainda mais a continuar”.

Com o curso técnico, Luíza conquistou mais um mérito: é a primeira mulher de Mato Grosso do Sul habilitada a trabalhar em redes elétricas de alta tensão. “Não tem nada que um homem faça, em relação a trabalho, que uma mulher não possa fazer. Eu tomei isso para mim, acho até que eu assusto os colegas, às vezes, porque sou muito determinada e competitiva”, afirma.

“O que me move é o desafio”

A cada frase que Luíza fala, a sensação que fica é que, para ela, o céu é o limite. Quando eu terminou o curso, mesmo com dois filhos que cria sozinha, ela decidiu que queria ser engenheira. “Eu me apaixonei por essa profissão e quero muito crescer dentro dela”. E foi o que fez. Atualmente, ela é estudante do segundo ano de engenharia elétrica da Anhanguera. Todos os dias, ela sai às 19h do trabalho, no shopping , atravessa o trânsito da cidade até a rotatória da Coca Cola e chega a faculdade, onde mais uma vez é a única mulher da sala.

“O que me move é o desafio. Eu era a única mulher no curso de eletricista de rede, a única mulher no curso técnico e também sou a única mulher na faculdade. Penso muito no futuro, quero o melhor para minha família. Sou mãe solteira, tenho dois filhos, tenho uma jornada de trabalho pesada e ainda faço faculdade. Quando eu chego em casa eu tenho que lavar e passar, cuidar de um filho pequeno e de um pré-adolescente. Tenho que saber equilibrar tudo isso. A cabeça fica a mil. Pode não ser 100%, mas eu consigo conciliar, sim”.

Ela opera redes industriais de alta tensão / Luiz Alberto

 

 

Mas, como nem tudo é perfeito, santo de casa não faz milagre na residência de Luíza. “A luminária da minha sala caiu e eu ainda não consertei, por falta de tempo. Para iluminar a sala eu tenho que ligar a luz da cozinha. Mas, vou consertar logo, certeza”, brinca.

O próximo desafio que Luíza tem é formar-se engenheira dentro do prazo de cinco anos. “O pessoal fala que ninguém sai da engenharia em cinco anos, que é o tempo normal do curso. Eu estou indo para o quarto semestres e estou pensando que vou fazer diferente. Eu não tenho muito tempo, para mim tudo tem que ser agora”, conclui.