A condição social é um dos fatores determinantes na criminalidade

 

Filas nas prisões são retrato do desequilíbrio social entre homens e mulheres encarceradosEla foi presa, privada da convivência familiar e perdeu o direito de amamentar a filha, que na época não tinha mais do que três meses de vida. Perdeu quase dois anos do crescimento e desenvolvimentos da pequena e dos outros dois, que hoje têm 8 e 10 anos. Tudo isso porque o marido traficava drogas e usava a casa da família como esconderijo.

Ela foi presa por um crime que ele cometeu, e ficou um bom tempo encarcerada até ser julgada e inocentada. E hoje? Hoje é domingo, é dia de visita e nada mais importa. Ela simplesmente está ali desde que o dia amanheceu, com a menina de dois anos no colo e olhar atendo aos outros dois. Hoje ela veio trazer os filhos para visitar o pai, porque afinal, ela não tem o direito de priva-los da convencia familiar.  Hoje ela veio visitar o marido, aquele mesmo que a colocou na um dia.

Esta é mais uma das reportagens especiais em alusão ao dia 8 de Março, que buscam problematizar aos leitores as violências cotidianas enfrentadas pelas mulheres. Violências essas que podem existir em todas as esferas da vida da mulher, até na fila de uma penitenciária.

Sabe quem mais está na fila? A mãe daquele jovem que foi preso por não cumprir com as medidas alternativas, depois ser pego com drogas. Ela está trazendo o filho dele, que tem nove anos e ainda acredita na inocência do pai. A diarista de 58 anos até acha desconfortável e constrangedor ficar nua na frente das agentes, sentar em banco de metal, gelado e ‘sujo’ de outras tantas mulheres que já passaram ali, mas afirma que “é preciso né”.

Também é muito complicado ver o neto nessa situação, mas pelo menos “não tiram a roupa das crianças. Só pedem para erguer o vestido ou abaixar a calça. Há, esqueci de dizer que também não precisamos mais fazer o agachamento nuas. Isso melhora um pouco as coisas”.

E a vergonha, ou medo, de ser vista na fila por algum conhecido, ou pior, pelo patrão. “Meu Deus, se ele me ver aqui eu sou demitida na mesma hora, porque as pessoas não entende que o fato de estarmos aqui não faz de nós bandidos também”, lembra a corretora de imóveis de 34 anos, que foi visitar o irmão, já que a mãe está doente e o resto da família simplesmente não se importa mais.

Machismo até na fila da cadeia

Mas afinal, porque elas estão ali? O que faz centenas de mulheres saírem de suas casas todos os domingos para serem constrangidas, humilhadas e expostas em presídios do país? Porque a fila de visita da penitenciária masculina é tão maior do que a feminina?

A nossa primeira personagem, que agora precisou apelar para a venda de roupas e lingeries para sustentar os filhos, já que não consegue mais emprego em lugar nenhum por causa de seu histórico criminal, disse que a resposta é simples: “Não tem fila porque as detentas pedem para a família não ir. É uma situação humilhante e desumana. Arrancam nossos filhos da gente, se nem ao menos se preocuparem com alimentação deles nos primeiros meses. A gente pede para não irem porque os amamos e não queremos que passem por isso”, afirmou.

E na frente da prisão masculina, centenas de mulheres e crianças aguardam para visitar os presos / Foto: Marithê Lopes

 

A doutora em Sociologia pela USP (Universidade de São Paulo) Alessandra Teixeira destacou que embora nossa personagem não seja um caso isolado, a grande maioria das mulheres presas no país atualmente, são responsáveis pelos crimes que cometeram. O que as tornam frágeis, são os motivos que levara-as ao crime.

“Em primeiro lugar o envolvimento de mulheres no crime e seu encarceramento são fenômenos complexos que muita vezes são simplificados e até “romantizados” pelo senso comum, sobretudo a partir de uma visão que atribui o cometimento de crimes ao envolvimento com o companheiro criminoso, reforçando papéis de subalternidade e dependência à condição feminina . Esse não e um retrato prevalecente e nem ao menos tão recorrente quanto se acredita. As maiores causas de prisão de mulheres são os crimes de furto e tráfico de drogas. Tanto em um caso como em outro, a grande maioria não cometeu o crime “levada” pelo companheiro, embora muitas delas possam ter relacionamentos com indivíduos envolvidos no crime. São mulheres que em sua maioria são chefes de família, recorrendo sobretudo ao tráfico de drogas como uma fonte de renda”, explica.

Ainda segundo a socióloga, mesmo não sendo ‘influenciadas ao crime’ as mulheres continuam sendo a parte mais fraca dessa cadeia, estando na base da pirâmide hierárquica. “Elas exercem as piores e mais arriscadas funções no tráfico, estão mais expostas à prisão. No caso do furto, seu perfil é ainda mais vulnerável; em grande parte das vezes esses furtos referem-se a mercadorias expostas (mercados, farmácias), gêneros alimentícios ou material de higiene, de pequeno valor, mas recorrem a isso como um meio de subsistência, levando-se em conta o fato de que também em sua maioria são mães, e como mencionei, chefes de família”, reafirma a doutora.

NúmerosFilas nas prisões são retrato do desequilíbrio social entre homens e mulheres encarcerados

Em atualmente 363 mulheres cumprem pena no Estabelecimento Penal Feminino “Irmã Irma Zorzi” e outras 140 no regime semiaberto. Já o número de homens presos na Capital passa de 4,7 mil. Sendo 4.263 no regime fechado e 1451 no semiaberto. É importante destacar que todas as unidades penais de Campo Grande operam com lotação acima da capacidade máxima.

 

Extremo

Por fim, a socióloga destaca casos mais extremos, como de mulheres que tentam entrar em presídios com drogas, celulares ou dinheiro nas partes íntimas, explicando que embora muito noticiado, não esses casos não representam uma parte significativa no nas causas que levam às mulheres à prisão. “Sua divulgação é frequente e tende a ser superdimensionados. Mas mesmo nessas situações, as circunstâncias variam, havendo sem dúvida uma razão prevalecente de Proteção do companheiro ou familiar, que estaria sendo ameaçado por demais presos, em razão de dívidas, e a droga compensaria tais dívidas”, afirma.

A solução, segundo a Alexandra, pode estar no reconhecimento das condições sociais que de fato levam às mulheres ao crime e à prisão. A partir daí, é possível mobilizar políticas públicas direcionadas ao enfrentamento desse problema e também dos danos sociais causados pelo encarceramento, que acabam refletindo diretamente em seus filhos. “Sobre o abandono familiar que as mulheres sofrem na prisão acredito que seja um tema já bem divulgado, e as razões não diferem da própria condição da mulher na sociedade, sobretudo as mulheres de baixa renda, que é o estrato social de onde advêm tais mulheres. A violência permanente a que são submetidas (não apenas a violência doméstica, mas a violência advinda da condição de gênero), as diferentes discriminações que vão impactar em suas trajetórias, e que serão também relevantes no contexto criminal, no cumprimento da pena, e na sua condição de egressa”, finalizou.