Com a casa prestes a fechar, ex-dependentes pedem ajuda para manter recuperação

O projeto pode fechar por conta de dívidas 

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O projeto pode fechar por conta de dívidas 

Quando a sociedade rejeita e a família desiste, o mundo do crime abre as portas e a rua se torna casa. Retomar os vínculos e referências do que se imagina ser uma vida, parece impossível para quem foi levado ao fundo do poço pelas drogas. Mas se pode. Há dois anos e meio, um projeto gerido por ex-dependentes químicos de Campo Grande tenta provar que, apesar da luta diária e vigilância constante, é possível abandonar as drogas.

O imóvel alugado no bairro Portal Caiobá III, é simples. Uma casa com dois quartos, sala, cozinha, varanda e um enorme quintal, quase uma chácara. Do muro para dentro, 16 homens – não é possível dizer exatamente quais são as suas idades por conta das faces castigadas pelo uso intensivo de entorpecentes pesados, craque na maioria das vezes – enxergam na estádia, a última chance de recuperação.

Todos eles passaram por inúmeras internações, tratamentos, recaídas e situações de quase morte antes de estarem juntos. Apenas um deles tem boas condições financeiras e todos os outros não poderiam pagar qualquer tipo de tratamento. Todos viveram nas ruas.Com a casa prestes a fechar, ex-dependentes pedem ajuda para manter recuperação

Na base da troca de experiências, da oração e da força de vontade, eles ostentam com orgulho a soma de meninos “limpos”. Por conta da tão falada crise, as contas não estão batendo. A prefeitura encerrou o vínculo que mantinha com a casa e outros parceiros também deixaram o projeto que agora ameaça fechar as portas.

O fechamento…

Os gastos são poucos, cerca de R$ 4 mil mensais, mas sem qualquer ajuda, não há como continuar. O golpe, que pode ser fatal, chegou há alguns dias em forma de correspondência. Com consumo médio de até R$ 50 reais de água, eles viram a conta saltar para R$ 9 mil de um mês para outro. “Eles disseram que mexemos no relógio, mas foi por pedido deles [concessionária de água] e agora estamos com essa dívida que não podemos pagar”, explica João Antônio dos Santos Cardoso, 26 anos, coordenador do projeto.

Desde o inicio do projeto, ele se dedica quase inteiramente aos “meninos”. “Sou casado e tenho filhos, mas minha vida é aqui. Só vou para casa no fim de semana”, conta. Há 11 anos ele deixou as drogas que conheceu aos 8.

(Marithê Lopes)Morou na rua e se viu quase sem esperanças, assim como recebe seus abrigados hoje em dia. “Eles chegam aqui sem ter ninguém. Não são importantes para ninguém, mas para mim são. Eu vivo para eles.”

Por ali, o método de recuperação como eles próprios explicam “é a força de vontade”. “Quando a gente percebe que um irmão está meio no canto, meio quieto demais, vamos lá e conversamos. Todos aqui já passamos pelas mesmas coisas”, diz João, hoje presbítero.

(Marithê Lopes)

 

Para manter os trabalhos da casa, eles precisam de doações de materiais de limpeza, higiene pessoal, alimentos não perecíveis e qualquer coisa que possa contribuir. “Não posso nem imaginar ver isso fechado.”

Mundos à parte 

Quem passa pela Rua dos Faunos, no Caiobá, sequer imagina a quantidade de histórias tristes e de superação cercadas pelos muros da sede do projeto Vitória. Para a maioria deles, a vida devastada pelas drogas começou muito cedo.

David Queiroz Junior, 31 anos, é um dos exemplos vitoriosos que a casa produziu. Com oito anos ele aprendeu, com o próprio pai, a usar pasta-base de cocaína. Em pouco tempo já estava traficando em Corumbá e logo depois partiu para São Paulo.

“Eu conseguia controlar no começo, mas depois não dava para trabalhar mais. Comecei a depender da droga o tempo todo”, conta. Na Capital paulista, David diz ter se envolvido com todo tipo de atividade ilícita. “Saí fugido. Quando decidi voltar para Campo Grande, eles mandaram uma caras me pegarem na rodoviária. Tomei tiro, facada, facão nas costas, tudo que imaginar”.

Entre um recaída e outra, David perdeu as esperanças e já havia se conformado com a vida nas ruas. “Um dia um amigo me chamou para conhecer o projeto. Disse que se ele esperasse eu terminar de usar a minha droga, até iria. Fui. Isso já tem um ano e quatro meses.”

(Marithê Lopes)

Por lá, David se casou e agora se prepara para deixar o local. Certo de que desta vez não haverá recaídas, vai finalmente reconstruir a vida. “É na bíblia que eu encontro a força, ma vontade nunca passa. Mas a gente tem o que perder agora. Isso muda tudo”. Ele também pretende reencontrar a família que nunca mais viu. “Quero voltar em Corumbá e tentar encontrar minha mãe.”

O ocupar da mente

Quando estudava Física em uma universidade de Porto Alegre, Lúcio Ernani da Rosa, 40 anos, usou craque pela primeira vez. De brincadeira passou a coisa séria e dos bancos da faculdade, Lúcio migrou para as clinicas de reabilitação, onde já esteve 14 vezes.

Em uma destas vezes, conseguiu ficar longe do vício por 7 anos. Trabalhava com a irmã, dona de uma rede de salões de beleza em todo Brasil. Certa vez veio a Campo Grande para uma pesquisa de mercado, se sentiu sozinho e teve uma recaída. Nunca mais voltou para Porto Alegre.(Marithê Lopes)

“Tinha R$ 5 mil no bolso, na época, aluguei uma casa e gastei tudo em craque. Não saia de casa, não dormia. Não fazia nada. Minha vida era a droga. Até que vim parar aqui.” Agora Lúcio é um dos homens de confiança de João. “Eu posso sair, tenho permissão para trabalhar e ajudo a orientar os meninos”, diz ao nos explicar que pretende desenvolver vários projetos profissionalizantes.

“Sou chef de cozinha e cabeleireiro, posso contribuir com eles. Ensinar um pouquinho do que sei seria muito importante. Tem que ocupar a mente, sabe?” Quem quiser conhecer e ajudar o projeto é só entrar em contato pelo telefone 9335-1908.

(Marithê Lopes)

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