Novas vozes negras

Formado por um teatro negro, Leto percebeu de início que no cinema o espaço era diferente

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“Como vocês imaginam que seja um escritor?”, perguntou Eliana Alves Cruz em uma escola pública da Baixada Fluminense. Branco, homem, velho e morto são algumas das respostas que ela escuta até hoje na dinâmica com as crianças. “E quase caem para trás quando descobrem que sou escritora”, afirma a autora de Água de Barrela (Malê, 2018).

As referências negras na infância foram fundamentais para despertar o interesse e o talento de artistas do teatro, da música e do cinema como Sidney Santiago Kuanza, Luedji Luna e Lucas Leto. No caso de Eliana, foi nas férias de seu trabalho como jornalista esportiva, já com 41 anos, que ela começou a escrever seu primeiro livro, em 2010. A motivação inicial era resgatar a história familiar para os filhos. Ela escreveu a cena inicial e mostrou para o pai, advogado e sua primeira referência de leitor. “Ele chorou muito, e eu não parei mais.”

Com o romance histórico, Eliana estreou vencendo o Prêmio Oliveira Silveira de 2015, da Fundação Cultural Palmares. “Sou fruto de uma política pública de cultura”, afirma a autora carioca. Seus romances, contos e poesias oferecem uma visão diferente do povo negro ao apresentar personagens complexos e cultos, não limitados a contextos de violência.

NOS PALCOS

A cultura foi um passaporte de cidadania para o ator Sidney Santiago Kuanza, de. Nascido em uma colônia de pescadores no Guarujá, ele driblou o destino que se impôs a muitos de seus amigos: cursar até a 6ª série para saber fazer conta, comprar um barco e se casar cedo. Aos 14, foi estudar teatro em São Paulo e entrou para o Coletivo Quilombhoje.

Na Escola de Arte Dramática (EAD) da USP, em 2005, viu o ingresso de mais alunos negros – 5 em um total de 20 por ano – mudar a rotina da instituição. Kuanza participou da fundação da Cia. Os Crespos, que reivindicava um teatro negro, passando por dramaturgia, ficha técnica e público, que estava afastado na época.

O grupo chegou a ouvir que a iniciativa se tratava de um “racismo às avessas”, conta Kuanza. “Mas ninguém questionava que mais de 95% das produções (até então) eram só com repertório branco e equipe branca.” Hoje, o ator não sabe precisar quantos grupos de teatro negro há só em São Paulo, tamanha foi a expansão. E o público, formado em sua maioria por pessoas negras, esgota ingressos em poucas horas.

“Eu também posso fazer cinema?”, surpreendeu-se o ator Lucas Leto, de 22 anos, ao ver Ó Paí, Ó (2007), obra do Bando de Teatro Olodum, pelo qual passou Lázaro Ramos, protagonista do filme. O destino levou Leto à companhia e, neste ano, a estrelar Um Ano Inesquecível – Outono, dirigido por Lázaro, ainda sem data de estreia.

Formado por um teatro negro, Leto percebeu de início que no cinema o espaço era diferente. “Graças à força do streaming, a gente está conseguindo mudar isso aos poucos”, diz ele, que atuou em filmes da Netflix e da Amazon Prime Video. O ator deseja participar de produções que contem histórias felizes do povo negro. “É questão prática e comercial: as pessoas precisam se ver nas telas.”

MÚSICA

A música também tem valorizado a produção negra. Educada para uma profissão mais formal, a cantora Luedji Luna até tentou negar a vocação da infância, mas se rendeu a ela aos 25 anos, em Salvador. Dois anos depois, mudou-se para São Paulo.

“Acho que já começo na mudança. Sou de uma geração que surge ou consegue se difundir na internet. Uma geração com corpos dissidentes, outras vozes, outros discursos”, afirma direto de Las Vegas, onde vai se apresentar no Grammy Latino. Seu disco Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água foi indicado como melhor álbum de MPB.

 

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