Xingado de escravo, cubano do Mais Médicos hoje reclama de falta de especialistas

O médico cubano Juan Delgado, 40, que foi xingado de escravo e virou símbolo do programa Mais Médicos, está tendo dificuldades para marcar consultas com especialistas e agendar exames para seus pacientes no interior do Maranhão. “Demora muito tempo para conseguir exames diagnósticos e consultas próprias das especialidades para definir um tratamento adequado para o […]

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O médico cubano Juan Delgado, 40, que foi xingado de escravo e virou símbolo do programa Mais Médicos, está tendo dificuldades para marcar consultas com especialistas e agendar exames para seus pacientes no interior do Maranhão.

“Demora muito tempo para conseguir exames diagnósticos e consultas próprias das especialidades para definir um tratamento adequado para o paciente”, afirma o médico em entrevista à BBC Brasil.

Delgado atua em aldeias indígenas do interior do Maranhão. Ele atende ao principal objetivo do projeto, que é levar atendimento básico a locais com escassez de profissionais de saúde, mas está esbarrando em um novo gargalo da saúde pública brasileira exposto pelo Mais Médicos.

Em Cuba, segundo Delgado, não há “as dificuldades que vemos no Brasil para realizar consultas com especialistas e qualquer exame diagnóstico.”

Ele afirma que um exame de ultrassom, por exemplo, leva mais de um mês para ser agendado – algo que diz ocorrer em todo o Brasil. Para contornar o problema, usa as perguntas feitas aos pacientes e o exame físico.

O médico também encontrou outras dificuldades no interior, como a ausência de infraestrutura adequada para consultas e de remédios, que “escasseam às vezes”. Esses são argumentos frequentemente usados por entidades médicas para justificar a rejeição de brasileiros a postos de trabalho nos rincões do país.

Mas Delgado não pensa em desistir por causa disso: “Supero esta dificuldade e realizo o atendimento. O médico cubano vai ao lugar para onde mandarem. Para salvar e cuidar de qualquer vida não vemos as dificuldades. Isso é parte de nossa formação”, afirma.

Delgado diz que não voltou a sofrer ataques como os que ocorreram em Fortaleza. Logo após sua chegada, ele e outros médicos cubanos foram vaiados e chamados de escravos por profissionais brasileiros.

As ofensas foram baseadas no fato de que, ao contrário dos outros médicos que participam do programa, os cubanos recebem apenas uma parte da bolsa de R$ 10 mil. O convênio do governo brasileiro é com a Organização Panamericana da Saúde (Opas), que repassa o pagamento ao governo de Cuba. Os médicos cubanos ficam com US$ 1.245, ou cerca de R$ 3.000 -o que, segundo Delgado, é suficiente para seus gastos.

À época, o então ministro da Saúde, Alexandre Padilha, chamou o protesto de “corredor polonês da xenofobia”, e a presidente Dilma Rousseff pediu desculpas a Delgado.

O médico diz acreditar que, passado um ano do início do programa, mesmo os que participaram do protesto “pensam de outra forma”.

“Chegamos aqui não para tirar os pacientes deles, mas para ir a outros lugares onde a população não teria acesso a um médico. Acho que a relação dos médicos brasileiros e cubanos deve ser próxima.”

Gargalo

Desde agosto do ano passado, o Mais Médicos distribuiu cerca de 14 mil profissionais pelo interior do país e periferias de grandes cidades – quase 80% deles, segundo o Ministério da Saúde, são cubanos.

O programa ampliou o acesso ao atendimento básico, mas colocou em evidência a falta de exames e profissionais especializados nestes locais.

O Mais Médicos prioriza o atendimento primário de saúde, que busca prevenir e resolver a maior parte dos problemas sem a necessidade de encaminhamento para hospitais especializados. Com menos gente nos hospitais, fica mais fácil atender a todos. Mas, quando o problema exige, o atendimento especializado é necessário.

O Ministério da Saúde atribui as críticas de Delgado ao fato de ele trabalhar com saúde indígena, em local de difícil acesso, e afirma que consultas e exames em polos indígenas costumam demorar até 15 dias para serem realizados.

A demora para marcação de consultas e exames, no entanto, já foi apontada também por profissionais do Mais Médicos que trabalham em outros locais. O próprio ministro da Saúde, Arthur Chioro, já disse que, em muitos locais, a expansão da atenção básica aconteceu mas há um “estrangulamento” na atenção especializada.

Indígenas

Quando os profissionais estrangeiros chegaram ao Brasil, também causou polêmica a não exigência de fluência na língua portuguesa por parte dos médicos.

Delgado diz que isso trouxe alguma dificuldade no início mas que, agora, já não tem problemas com o português. Já a língua indígena – ele trabalha com as etnias Ka’apoo e Awá- é “muito difícil”.

“Conto com os índios que falam português para atender aqueles que não falam”, diz.

Delgado diz que os indígenas ficaram muitos felizes de ter um médico nas aldeias. Ele mora no município de Zé Doca, a cerca de 300 km da capital do Estado, São Luís, e passa dois dias em aldeias mais próximas e três nas mais distantes.

“Recebi com muita surpresa [o trabalho com os índios], porque nunca pensei que, no século em que vivemos, ainda havia pessoas vivendo nas condições desfavoráveis em que vivem os indígenas, com muitos se alimentando do que caçam ou pescam”, afirma.

Delgado diz que vive como qualquer outro brasileiro. Fala com sua família diariamente, usa a internet – parte da entrevista à BBC Brasil foi concedida por meio do Whatsapp, aplicativo que ele passou a usar no Brasil – e passou férias em Cuba.

Diz que pretende cumprir seus três anos de contrato no Brasil – e, “com muito interesse”, gostaria de assinar outro contrato para ficar no país até 2019.

Atendimento

Em nota enviada à BBC Brasil, o Ministério da Saúde afirmou que consultas e exames em polos indígenas costumam demorar no máximo 15 dias. A pasta informou que o polo de saúde indígena em que Delgado trabalha possui duas equipes com profissionais variados como médicos, dentistas, enfermeiros e psicólogos.

Diz que há três postos de saúde na região e que todas as aldeias possuem um local para atendimento, mas destaca que a área é de difícil acesso, com pista de chão batido –quando chove, às vezes o transporte é feito por rios-, o que dificulta a distribuição de medicamentos.

Segundo o ministério, pacientes que precisam ser atendidos em hospitais de referência têm veículos e horas de voo para transporte.

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