Com a rejeição de um requerimento para retirada de emendas apresentadas pelo senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), o projeto que reduz encargos de estados e municípios sobre suas dívidas com a União (PLC 99/2013) voltará ao exame de duas comissões temáticas, antes de ser votada no Plenário do Senado. A previsão é de que a definição do tema só ocorra em março.

O projeto, apresentado originalmente pelo governo, troca o atual indexador das dívidas, o IGP-DI, pelo IPCA. Além disso, reduz os juros anuais, dos atuais 6% a 9% para 4%, e define a taxa básica de juros (Selic) como limitador do pagamento dos encargos. Isso significa que, quando a fórmula IPCA mais 4% for superior à variação acumulada da Selic, a taxa básica de juros será o indexador.

Com a decisão desta quarta-feira (5), a proposta não sai da pauta do Plenário, mas volta às Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e de Assuntos Econômicos (CAE), que têm 15 dias úteis para emissão do parecer sobre as emendas. O prazo, porém, pode ser prorrogado por igual período.

A matéria virou objeto de discórdia entre governo e oposição. Uma eventual redução no pagamento das dívidas dos estados e municípios para a União — de R$ 400 bilhões e R$ 68 bilhões, respectivamente — afetaria o volume de dinheiro disponível para o país honrar seus compromissos ou investir. O governo teme o rebaixamento da classificação de risco dada à economia do país por agências internacionais especializadas.

A ofensiva do governo contra o projeto começou na terça-feira (4) no próprio Senado. A ministra das relações Institucionais, Ideli Salvatti, reuniu-se com líderes para convencê-los de que a mudança do indexador é inconveniente num cenário de crise internacional. Nesta quarta, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, encontrou-se com o presidente do Senado, Renan Calheiros, lideranças partidárias e governadores, para pedir o adiamento.

Manobra

Para Randolfe Rodrigues, a rejeição do requerimento para retirada de suas emendas, o que permitiria a votação já nesta quarta, foi “a desculpa do carrapato para matar o gado”. Ele lamentou que suas propostas – incluindo uma que altera significativamente o projeto – sirvam “de álibi” para atender os interesses do mercado financeiro internacional.

Pedro Simon (PMDB-RS) pediu que os senadores governistas cumpram o acordo fechado com os parlamentares em dezembro de 2013 para que a matéria fosse votada logo após a retomada das atividades legislativas. Os outros senadores da bancada gaúcha – Ana Amélia (PP) e Paulo Paim (PT) – reforçaram a cobrança.

– O Senado começa um ano tão importante como esse, um ano eleitoral, se humilhando. Peço que se cumpra a palavra – disse Simon.

O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, assim como os de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB), e de Santa Catarina, Raimundo Colombo (PSD), estiveram no Plenário para pedir a aprovação da proposta.

Explicações

A líder do PCdoB, Vanessa Grazziotin (AM), negou que haja manobra. Segundo ela, o que se quer é aproveitar o projeto que tramita para aprovar outras questões igualmente importantes, como a convalidação no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) dos incentivos fiscais concedidos pelos estados.

Outra justificativa da base aliada é a discussão da partilha entre os estados do ICMS gerado pelo comércio eletrônico, que atualmente beneficia apenas os locais de origem, como São Paulo, com quase 90% da arrecadação. A matéria (PEC 103/2011) está na Câmara dos Deputados. O líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), lembrou que a PEC sequer saiu da comissão especial da Câmara.

Para Walter Pinheiro (PT-BA), o projeto do comércio eletrônico engloba a discussão sobre o pacto federativo iniciada em 2012 no Senado, que também envolve o debate sobre o fundo de participação de estados e municípios e a renegociação das dívidas. Tudo para “retomar a capacidade de investimento”.

Lucro

Para a oposição, no entanto, sem a flexibilização do pagamento das dívidas, o governo “não dá aos gestores a chance de respirar”. O senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) disse que os estados estão “quase falidos”, perderam sua autonomia e não têm como investir em obras de infraestrutura. Segundo ele, a indexação levou ao crescimento exagerado da dívida.

– Alagoas, que é um estado pequeno, pagou R$ 4,5 bilhões e ainda deve R$ 7 bilhões, sendo que tomou R$ 2 bilhões emprestados – explicou.

Para o senador Randolfe Rodrigues a cobrança é ilegítima e uma “agiotagem” contra os estados. Até mesmo o petista Lindbergh Farias (RJ) afirmou que a União “está lucrando”. Para ele, não é o projeto de renegociação das dívidas dos estados que causa impacto fiscal, mas a política de desoneração para incentivar o consumo.

O senador José Agripino (DEM-RN) lembrou que o governo subtraiu R$ 21 bilhões no ano passado em desoneração do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide).

Na opinião do senador Blairo Maggi (PR-MT), que votou pelo adiamento da apreciação do projeto, o governo teria que pagar um dia por essas “bondades”. Ele avalia que as agências de classificação de risco apenas refletem a situação econômica do país. Ele resumiu a polêmica afirmando que “os estados e municípios precisam da flexibilização das dívidas, o Congresso quer e o governo não pode dar”.