Torcedores ‘sem hotel’ transformam Rio em ‘camping’ durante a Copa

Embora se tenha comentado muito nos últimos meses sobre o déficit e os altos preços de hospedagem durante a Copa do Mundo no Rio de Janeiro, um fenômeno tem chamado a atenção dos cariocas: os “hermanos”, torcedores vindos de países vizinhos, que vêm transformando a cidade num grande acampamento improvisado. Cientes das dificuldades que enfrentariam, […]

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Embora se tenha comentado muito nos últimos meses sobre o déficit e os altos preços de hospedagem durante a Copa do Mundo no Rio de Janeiro, um fenômeno tem chamado a atenção dos cariocas: os “hermanos”, torcedores vindos de países vizinhos, que vêm transformando a cidade num grande acampamento improvisado.

Cientes das dificuldades que enfrentariam, muitos vieram dispostos a acampar ou estacionar seus trailers e motor homes em áreas especiais, onde se paga uma taxa diária para se ter acesso a eletricidade, chuveiros e cozinha coletivos, mas chegando ao Rio se deram conta de que não há muitos campings por aqui – e os poucos que existem ficam muito distantes do centro.

Além disso, há os que vieram com orçamento muito baixo e já estavam preparados para dormir em qualquer lugar – inclusive na praia e no chão da rodoviária.

O argentino Carlos Rodrigues, de 55 anos, disse ter percorrido os mais de 3,5 mil quilômetros entre Mendoza, na Argentina, e a capital fluminense, totalmente de carona, e que nos primeiros dias até pôde pagar por hospedagem.

“Aluguei um quarto na casa de uma família na favela da Rocinha. Estavam me cobrando R$ 100 por noite. Paguei as primeiras três, e vi que não daria mais, então fui para a praia de Copacabana”, conta.

Depois de alguns dias nas areias da orla (onde a polícia proíbe os turistas de montarem barracas, mas não os impede de passar a noite em sacos de dormir), a chuva forte que atinge o Rio nos úiltimos dois dias fez com que Rodrigues buscasse outra morada.

“Me falaram da rodoviária, e aqui me parece muito bom. Em geral nos mandam embora durante o dia, mas hoje com a chuva forte acho que abriram uma exceção”, diz.

Vagas disputadas

O argentino se refere a um espaço criado no primeiro piso do Terminal Rodoviário Novo Rio coberto com uma espécie de grama sintética verde (semelhante a um tapete), e equipado com assentos estofados e uma grande TV de plasma, cercado por peças publicitárias da rodoviária Novo Rio.
O local, que aparentemente serviria para passageiros assistirem a partidas enquanto aguardavam seus ônibus, acabou virando uma disputada hospedaria gratuita – o epicentro de um microcosmos dos “hermanos” dentro da rodoviária carioca, que inclui ainda banheiros, chuveiros e lanchonetes.

Na noite de quinta-feira, a reportagem viu cerca de 50 a 60 pessoas abrigadas no local.

Juli Gomes, de 19 anos, e o namorado John Moreno, de 23, ambos colombianos de San Gil de Santander, acabam de voltar do banho e ainda terminam de enxugar os cabelos enquanto Uruguai e Inglaterra duelam na imagem do telão de plasma.

“Encheu muito por aqui hoje, com essa chuva. Vamos ter que esperar o fim do segundo tempo para ver se alguém sai e abre um espaço”, diz Juli.

Visivelmente preocupada com os novos vizinhos, a garota explica que os dois têm emprego na Colômbia (ela é representante comercial e ele coreógrafo e cabeleireiro) e alugam um apartamento, mas quiseram se aventurar pelo Brasil por dois meses – com orçamento bem reduzido.

“Estamos há dois meses na estrada, de ônibus. Viemos parando, e passamos por Equador, Peru e Bolívia. Essa vai ser nossa terceira noite aqui na rodoviária”, conta John.

“Chegamos a olhar preços de hotéis e pousadas, mas era tudo muito caro. Nos mandaram procurar nas favelas, mas é impossível pagar.

Apesar das disputadas vagas gratuitas no “lounge”, nem tudo é de graça na “Copa da rodoviária”. Cada ida ao banheiro custa R$ 1,50 e um banho de chuveiro coletivo não sai por menos de R$ 5.

E para comer? “Em Curitiba comíamos muito bem. Com R$ 5,90 tínhamos um buffet livre. Aqui o mais em conta é R$ 10, em Copacabana. Comida caseira, com arroz, feijão, e um pedaço de frango. Se for carne sai por R$ 11”, conta o casal.

Já o chileno Oscar Castillo, de 44 anos, opta pelos supermercados. Questionado sobre a alimentação, mostra uma sacola de mercado com alguns pães amassados e fatias de queijo e presunto. “É o que dá”, conta.

“O que vale é a aventura, claro, mas não entendo. Os brasileiros enlouqueceram. Está tudo muito caro. Não se pode comer, não há onde se hospedar”, opina, adiantando que ele e a mulher devem ficar no mínimo duas noites na rodoviária.

Improviso em Copacabana

Os cariocas vêm se surpreendendo com as “invasões” colombianas, chilenas e argentinas dos últimos dias, que migram agora conforme seus times se classificam nas próximas etapas da Copa. Alguns já passaram por Cuiabá e Curitiba, outros, como os argentinos, vão agora para Belo Horizonte e depois Porto Alegre.

Muito mais comum no Chile e na Argentina, a tradição de acampar ou viajar em “casas sobre rodas” não é tão difundida no Brasil, onde não há tanta infraestrutura para isso.

Não que os poucos espaços disponíveis não estejam sendo usados. Campings nas praias do Recreio e Pontal estão lotados, e cerca de 2 mil chilenos montaram acampamento improvisado em uma fazenda em Itaboraí, a cerca de 60 quilômetros do centro do Rio.

Em Copacabana o que chama a atenção são as dezenas de motor homes e trailers que resistem estacionados na orla, pouco depois de onde está montada a Fan Fest da Fifa.

Os irmãos Alejandro e Sebastían Rodrigues, de 33 e 36 anos, vieram de Buenos Aires numa van de frete adaptada com um beliche e um frigobar improvisados. As roupas ficam no meio, assim como os outros pertences pessoais.

“Faço frete, entrega de móveis”, diz Sebastían, acrescentando que os dois levaram cerca de 60 horas da capital argentina até o Rio, fazendo breves paradas.

Embora também tenham orçamento apertado, os que estão sobre rodas costumam ter situação financeira um pouco melhor.

“Estou negociando um ingresso para Belo Horizonte, para a partida contra o Irã, por mais ou menos US$ 300. Se não der certo, pago até US$ 500 na hora. Mais não dá”, conta Alejandro.

Quanto aos planos, não há dúvidas. “Ficar, claro. Não importam as condições, o que importa é esta oportunidade, uma Copa na América do Sul, tão perto de casa. Vamos a Belo Horizonte, e depois Porto Alegre, acompanhar a seleção e ver a Argentina se tornar campeã”, diz o argentino.

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