Eles chegaram juntos ao Supremo, no mesmo dia, 25 de junho de 2003, nomeados pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ayres Britto aposentou-se em novembro de 2012, pela compulsória, quando o mais polêmico julgamento da história do STF já estava em curso.

Joaquim Barbosa, hoje presidente da Corte, anunciou na quinta-feira passada sua aposentadoria precoce para junho. Leva no currículo depoimentos acalorados sobre seu estilo, sobretudo na condução do processo que o notabilizou.

Ayres BrittoBritto chegou ao Supremo em 25 de junho de 2003, nomeado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e se aposentou em novembro de 2012.

Qual a avaliação do sr. da era Joaquim Barbosa?

Ele conseguiu converter irrestritamente, irretocavelmente, pré-requisitos de investidura em requisitos de desempenho, independência, conhecimentos técnicos, notável saber jurídico, reputação ilibada, espírito público. A Constituição exige, como condição de investidura, qualidades que Joaquim Barbosa apresentou. Foi corajoso, estudioso, atualizado.

Advogados e juízes conferem a ele truculência, dizem que o ministro não vai deixar saudades.

Eu não gostaria de falar sobre a contundência dele, do jeito meio desabrido de falar, das vezes em que ele se antagonizou no plano pessoal com alguns ministros. Não quero falar. Senões estão no plano do temperamento. O que interessa é o desempenho dele, no plano de caráter. Eu secundarizo a questão temperamental.

Ele deu um papel de protagonista ao Supremo?

Esse protagonismo do Supremo antecedeu, e muito, a ação penal 470 (mensalão). O que eu chamo de protagonismo é o STF mediante correta interpretação da Constituição. O protagonismo se traduz na interferência no curso da vida do País. Toda Constituição traz consigo essa proposta de refundação do País, levar o País a funcionar em nova fase democrática, ética, quebra de preconceitos. Isso o Supremo já vinha fazendo antes (do processo do mensalão). O STF vai continuar no seu curso de protagonista, mais afeito à vitalização do texto constitucional. A proatividade que hoje se verifica é muito anterior à ação penal 470 (mensalão).

Ele foi o responsável por levar adiante o julgamento?

Entre abril e novembro de 2012 eu coloquei o processo em julgamento, depois de duas sessões administrativas para deliberar. Sob meu comando formatamos as sessões e o regime de trabalho concentrado, de segunda a sexta-feira, reservamos de agosto a novembro para essa causa. Uma logística que deu certo. Essa história processual teve começo, meio e fim. Joaquim relator, Lewandowski revisor e eu presidia e formatava as sessões. Fiz tudo que me foi possível para legitimar o julgamento, para que, ao final, as pessoas pudessem concordar e não concordar com a Justiça. Ninguém poderá dizer que se tratou de um julgamento de exceção. As 15 primeiras sessões reservei só para os advogados, para que ninguém depois pudesse falar em cerceamento de defesa. A dosimetria das penas fizemos em público.

Como a Corte interferia na vida do País antes do mensalão?

O protagonismo se deu por meio de decisões que causaram grande impacto no mundo civilizado. O Supremo foi um agente de transformação muito antes da ação 470. Eu relatei a demanda das células-tronco embrionárias, a homoafetividade, Raposa Serra do Sol. Fui o primeiro relator da Lei da Ficha Limpa. Relatei processos de fidelidade partidária no TSE. O STF decidiu sobre a marcha da maconha, liberdade de imprensa, cotas raciais e cotas sociais. Relatei a demanda que autoriza o trabalhador a fazer uso da sua aposentadoria voluntária depois de 30 anos de contribuição e pode continuar no emprego fazendo jus ao salário e a proventos proporcionais às custas do INSS. Isso beneficiou 8 milhões de pessoas. Teve também a interrupção de de anencéfalo. No âmbito do Judiciário proibimos o nepotismo, houve 4 mil exonerações. Foi um tranco na nossa tradição patrimonialista. A tradição patriarcal foi duramente atingida com a declaração de constitucionalidade da Lei Maria da Penha. Tudo isso serviu até como preparatório para a mentalidade que prevaleceu no julgamento da ação 470. O Supremo já estava habituado a tomar decisões impactantes.