Santa Maria levará 5 anos para se recuperar da tragédia na Kiss
A experiência da Cruz Vermelha, baseada em guerras africanas e catástrofes naturais apontam que Santa Maria levará ao menos cinco anos para se recuperar da tragédia que matou 242 pessoas na Boate Kiss, na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. Após um trauma dessa magnitude, desenha-se uma pirâmide para avaliar os impactos psicológicos […]
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A experiência da Cruz Vermelha, baseada em guerras africanas e catástrofes naturais apontam que Santa Maria levará ao menos cinco anos para se recuperar da tragédia que matou 242 pessoas na Boate Kiss, na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013.
Após um trauma dessa magnitude, desenha-se uma pirâmide para avaliar os impactos psicológicos do que aconteceu. Na base, estima-se que entre 60 e 70% da população seja afetada de alguma forma pelo que aconteceu, mas consegue superar os efeitos psicológicos com ajuda de familiares e amigos. No meio, entre 20% e 30% precisam de algum tipo de atenção psicológica, mesmo que seja apenas uma conversa. E na ponta, entre 1% e 4% desenvolvem distúrbios, às vezes já pré-existentes, mas não desencadeados, que precisam de tratamento psiquiátrico e medicamentos.
“Ao analisar, a maior parte dessas pessoas (expostas ao que aconteceu em Santa Maria), nós vamos identificar que a grande maioria delas conseguiu, não resolver os problemas, mas encontrar um lugar para essa vivência, que não impede que ela continue a viver. Não se trata de esquecer, de negar, mas de encontrar um lugar na nossa história onde isso faça sentido ou permita que isso siga adiante”, afirma o psicanalista que atualmente coordena o atendimento psicossocial em Santa Maria, Volnei Dassoler.
As orientações das Cruz Vermelha já previa as fases do trauma pós-desastre nas duas primeiras semanas, primeiro e segundo mês, e agora após um ano da tragédia. “O acompanhamento psicossocial é de pelo menos cinco anos, com base na experiência em desastres naturais, não é como o que aconteceu aqui”, explica a enfermeira da prefeitura Adriana Krum, que coordenou os atendimentos nos dias seguintes ao que aconteceu em Santa Maria.
Passar pela experiência de ter uma cidade arrasada pela perda violenta e repentina de tantos jovens não foi fácil ate mesmo para quem não tinha relação direta com os mortos. Dassoler diz que militares, policiais, agentes funerários, jornalista e até um coveiro precisaram de auxílio no período que sucedeu a tragédia.
“Teve o caso de um coveiro que acompanhou o enterro de 50, 60 pessoas. Ele sofreu muito, e até hoje ele está em tratamento… ele nos procurou dizendo que não ia sobreviver à aquilo, que era demais”, conta Dassoler.
Atualmente a cidade está dividida entre os que querem transformar 2014 no ano da “superação” e entre aqueles que buscam a justiça e mudanças que possam evitar que aquilo se repita.
Entretanto, para aqueles que querem lembrar, a palavra “superação” não necessariamente significa uma coisa boa. “Se fala muito na palavra superação, que nós temos que superar. É uma das palavras que nós temos que ter muito cuidado ao usar porque pode ter efeito, ou ser escutada de maneira diferente. Se falar em superação, como virar a página, esquecer, você está forçando a que essa situação não encontre lugar na sua vida, e é justamente com isso que os familiares ficam muito revoltados, porque entendem que superação significa esquecer”, explica Dassoler.
Na Universidade Federal de Santa Maria, onde estudavam quase 100 das vítimas do incêndio da Kiss, o recomeço foi muito difícil. Muitos estudantes ainda estavam na cidade em janeiro por conta da greve que havia ocorrido no decorrer de 2012. Mas o trauma em turmas, como o segundo semestre de Agronomia, que perderam 10 alunos, foi muito duro na cabeça de alguns alunos, que sequer voltaram para a universidade, conforme relata o professor do Departamento de Biologia Sylvio Bidel, que perdeu 31 alunos na tragédia.
“(Os alunos) que estavam na boate e sobreviveram, com esses tivemos mais dificuldades de trabalhar, porque estavam muito afetados, muita revolta…. tenho aluno que trabalha no meu laboratório, que foi um dos últimos a sair de dentro da boate. Ele ficou muito abalado, foi para São Borja, retornou, foi feito tratamento psicológico por longo tempo, porque ele dizia: ‘professor eu devo ter matado muita gente’, porque ele saia abrindo espaço com as mãos”, relata. Os professores também tiveram dificuldades de voltar, e Sylvio foi uma dessas pessoas.
“Para mim foi muito difícil enfrentar, eu fui um dos professores que tive dificuldade de retomar o semestre. Naquele momento o mais importante era realmente dar aconchego e carinho para essas meninos que estavam abalados do que propriamente continuar com o conteúdo programático de uma disciplina do curso. Naquele momento foi mais importante passar uma mensagem e mostrar para eles que nos também estávamos sentindo esse drama e que todos nós precisamos dar as mãos para prosseguir”, lembra.
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