Unidades prisionais pequenas, estímulo do contato dos detentos com suas famílias e com a comunidade, trabalho, capacitação profissional e assistência jurídica eficiente. Essas são algumas das características de prisões consideradas modelo que já funcionam pelo país. Elas estão sendo tratadas pelas autoridades como possíveis soluções para os problemas do sistema prisional brasileiro.

O sistema carcerário do país já foi classificado de “medieval” pelo próprio ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Entre seus principais problemas estão os assassinatos, a superlotação, a falta de infraestrutura e higiene, os maus-tratos, a atuação do crime organizado e os motins.

Há pouco mais de dois meses essa realidade veio à tona com a explosão de violência no complexo penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão – que resultou na intervenção da Força Nacional após o assassinato de cerca de 60 detentos no período de um ano.

A crise acabou sendo amenizada com ações emergenciais, mas, para analistas em segurança, a única forma de evitar explosões de violência como essa é fazer mudanças estruturais nos sistemas carcerários dos Estados.

A BBC Brasil ouviu uma série de juristas e especialistas no setor prisional para levantar os problemas e fatores que podem nortear esse tipo de mudança.

Raíz do problema

Segundo o especialista em segurança pública Cláudio Beato, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, a violência dentro dos presídios está diretamente relacionada com a insegurança nas ruas.

Como o Estado falha em garantir a integridade dos presos em muitas unidades prisionais, segundo ele, para se proteger, os detentos se organizam em facções criminosas. Porém, esses grupos evoluem criando redes de advogados, formas de , obtenção de armas e assim elevam o crime para um nível mais nocivo, que afeta toda a sociedade.

“As prisões são as responsáveis pela mudança do patamar do crime no Brasil”, afirmou.

A primeira forma de mudar a realidade carcerária seria então fazer o Estado cumprir seu papel de garantir a segurança dos detentos. Mas é mais difícil fazer isso em unidades prisionais enormes e superlotadas.

“Unidades (prisionais) pequenas e próximas da comunidade com a qual o detento tem laços: essa é a melhor forma para colaborar com a sua recuperação”, afirmou o juiz Luiz Carlos de Resende e Santos, chefe do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, um órgão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Segundo ele, há atualmente no sistema prisional do país algumas unidades que possuem essas características e poderiam ser tomadas como modelos.

Santos diz que, na maioria dos casos, o bom dessas prisões está diretamente relacionado a uma determinada gestão ou administrador. Por isso, a maioria das boas experiências acabam surgindo e desaparecendo em um movimento cíclico.

Ainda assim, algumas delas têm perdurado por anos e estão chamando a atenção dos especialistas do setor.

Modelo Apac

Um dos modelos positivos citados por analistas é o da Apac (Associação de Proteção e Amparo aos Condenados). Ele funciona em mais de 30 unidades em Minas Gerais e no Espírito Santo e abriga aproximadamente 2,5 mil detentos.

O modelo tem uma forte ligação com a religião cristã – fato criticado por alguns especialistas. Suas características principais são proporcionar aos presos contato constante com suas famílias e comunidade, ensinar a eles novas profissões – como a carpintaria e o artesanato – e não usar agentes penitenciários armados na segurança.

Uma das principais vantagens do sistema é a baixa taxa de reincidência dos detentos no crime – entre 8% e 15%, segundo o CNJ. Nos presídios comuns ela pode chegar a 70%, de acordo com a entidade.

Mas para que o modelo dê certo, os presos (dos regimes fechado e semiaberto) que participam dele são cuidadosamente selecionados. Detentos com histórico de violência e desobediência, além de líderes de facções criminosas, geralmente não têm acesso a essas unidades. Mesmo assim, segundo Santos, o índice de fugas ainda seria maior que o do sistema penitenciário comum.

“O modelo da Apac é interessante e funciona muito bem para os presos menos perigosos e eles são a grande maioria (da população carcerária do país)”, afirmou Beato.

Modelo americano

Há pouco mais de dez anos as unidades prisionais do Estado do Espírito Santo viviam uma situação de caos, com um cenário de superlotação, escassez de agentes penitenciários e falta de um modelo de gestão.

Os detentos chegaram a ser colocados em penitenciárias provisórias, nas quais as celas eram feitas de contêineres – o que gerava um calor insuportável e tornava o ambiente insalubre.

A situação caótica virou alvo de críticas de juristas e ativistas, que chegaram a denunciar os abusos a organismos internacionais de defesa de direitos humanos.

“Foi uma época em que vivemos uma situação semelhante à que o Maranhão vive hoje, as celas metálicas foram uma solução imediata para desafogar as unidades e depois reconstruir o sistema”, disse o secretário de Justiça do Espírito Santo Eugênio Coutinho Ricas.

O governo local então decidiu investir mais de R$ 450 milhões em um processo de criação das atuais 26 unidades prisionais capixabas.

A construção delas foi feita por empresas estrangeiras e seguiu um modelo arquitetônico padronizado criado nos Estados Unidos. Cada unidade abriga no máximo 600 detentos (Pedrinhas, por exemplo, tem cerca de 2,2 mil presos). Eles ficam divididos em três galerias de celas e não se comunicam.

Os edifícios têm ainda salas específicas onde os detentos participam de oficinas profissionalizantes ou recebem atendimento odontológico e psicológico.

Segundo Ricas, o modelo diminuiu a quantidade de fugas e tumultos e dificultaria ainda a organização das facções criminosas. O esforço do Estado é visto pelo CNJ como um exemplo positivo, segundo o juiz Santos.

Modelo espanhol

Estados como Alagoas, e Mato Grosso do Sul, entre outros, estão apostando em unidades prisionais de excelência que investem na ressocialização dos presos.

O alagoano Centro Ressocializador da Capital é uma dessas prisões. Segundo o tenente-coronel Carlos Luna, superintendente geral de administração penitenciária de Alagoas, a experiência se baseia em um modelo espanhol e parte do princípio de que um tratamento respeitoso é essencial para a ressocialização dos detentos.

Contudo, uma seleção rigorosa faz com que apenas presos com bom comportamento, que nunca tenham participado de motins e que aceitem participar da experiência sejam selecionados. Eles só são transferidos do sistema carcerário comum para a unidade depois de passar por uma avaliação psicológica onde devem mostrar “vontade de mudar de vida”.

Diferentemente da maioria das prisões no Brasil, sobram vagas na unidade, que foi construída para abrigar 155 detentos, mas tem atualmente pouco mais de 130. Os detentos não podem usar entorpecentes e todos eles trabalham na manutenção da unidade e em empresas conveniadas. Até presos que cumprem pena no regime fechado são autorizados a sair desacompanhados para trabalhar.

Ao acabarem de cumprir suas penas, os detentos são encaminhados para convênios do governo com empresas, para a colocação no mercado de trabalho.

“Conseguimos baixar o grau de reincidência para 5%”, disse Luna.

Porém, a realidade da unidade é muito diferente do restante do sistema prisional do Estado. “É complicado aplicar esse modelo em unidades grandes”, disse.

Ênfase no trabalho

Segundo o CNJ, uma unidade prisional que aplica aspectos positivos no regime semiaberto é o Centro Penal Agroindustrial da Gameleira, no Mato Grosso do Sul.

Sua principal característica é a ênfase no trabalho, uma vez que a unidade possui nove oficinas de trabalho remunerado – em áreas como tapeçaria, produção de contêineres e portões e cozinha industrial.

Muitos dos presos exercem essas atividades fora do presídio e são as próprias empresas que se responsabilizam pelo seu transporte e medidas de segurança.

Em paralelo, os detentos participam de tratamento para se livrar do vício em entorpecentes.