Venezuelanos que se opõem ao governo de Nicolás Maduro afirmam que o país vem sofrendo um ‘apagão’ informativo.

Eles criticam a falta de cobertura de notícias que possam prejudicar a imagem do presidente, resultado do que consideram um ‘alinhamento’ da imprensa com o governo.

Além disso, os opositores acusam o governo de estar por trás de uma ‘censura’ nas redes sociais, meio encontrado por milhares de venezuelanos para reclamar dos meios de comunicação e divulgar o que, segundo eles, não é veiculado por rádios e TVs.

Recentes problemas técnicos no Twitter acentuaram o volume de críticas. Usuários relataram ter tido dificuldades de subir fotos e vídeos após uma marcha estudantil na capital Caracas que terminou com três mortos, dezenas de feridos e manifestantes presos.

A empresa americana confirmou que teve problemas na Venezuela e creditou a pane à Compañía Anónima Nacional Teléfonos de Venezuela (CANTV), a estatal que também oferece serviços de Internet.

“Confirmamos que imagens vêm sendo bloqueadas no Twitter na Venezuela. Acreditamos que o governo esteja por trás disso”, afirmou Un Wexler, porta-voz da companhia, em email enviado à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

Os usuários afetados alegam que o problema ocorre apenas em conexões estabelecidas por meio do serviço de internet da CANTV, mas a estatal negou que esteja envolvida na falha.

Sem alternativas

Opositores venezuelanos relatam preocupação sobre a possibilidade de que, sem as redes sociais, não consigam ter acesso a informações que não são veiculadas pela mídia tradicional.

“Durante esse tempo todo, estive grudada no Twitter e no Facebook, porque a TV não mostra nada”, afirmou à BBC Mundo uma venezuelana que não pôde participar do protesto da última quarta-feira e queria buscar mais detalhes sobre a mobilização.

Como ela, naquele dia, muitos opositores perceberam que no restante da Venezuela poucos sabiam o que estava acontecendo nas ruas de Caracas por parte da mídia tradicional.

O cenário das comunicações no país parece ter se invertido nos últimos anos. Mesmo depois da chegada do ex-presidente Hugo Chávez (1954-2013) ao poder, o governo acusou por diversas vezes a imprensa de estar a serviço de partidos políticos.

Agora, os opositores se queixam de que não têm espaço na mídia tradicional.

A crítica à cobertura da imprensa, entretanto, divide opiniões na sociedade venezuelana. Enquanto uns defendem que a mídia vem sendo mais responsável em relação à publicação das notícias, outros dizem se tratar de censura.

Primeiro ‘apagão’

Não é a primeira vez que os meios de comunicação venezuelanos são acusados de ‘esconder’ informações.

Entre os dias 11 e 13 de abril de 2002, quando uma tentativa de golpe tirou o ex-presidente Hugo Chávez do poder, os principais canais de televisão, estações de rádio e jornais foram criticados por não cobrir protestos chavistas exigindo a reintegração governo.

Mas o cenário da mídia venezuelana mudou muito. Em 2008, a Radio Caracas Televisión (RCTV), até então o principal canal do país, cessou as transmissões depois que Chávez anunciou que não iria renovar sua licença, acusando os seus líderes de ter instigado o golpe. A emissora estava no ar havia 50 anos.

Em 2009, 30 emissoras comerciais também fecharam, incluindo várias consideradas de oposição ao governo. As freqüências foram ocupadas por emissoras “neutras” ou alinhadas com o governo.

Temendo represálias, dois outros canais de televisão do país, a Venevisión e Televen, assumiram posições “neutras”, reduzindo de suas programações o tempo dedicado ao jornalismo e demitindo jornalistas que criticavam o governo.

Mas o maior golpe aos opositores veio em 2013, quando o controle do canal Globovisión mudou de mãos e sua política editorial tornou-se menos virulenta.

Novas formas de censura

Os críticos consideram que a imprensa venezuelana vem praticando o que chamam de “autocensura” por causa dos termos da lei de Responsabilidade Social em Rádio, Televisão e Oriente Eletrônica ou “Lei da Primavera”, como é conhecida popularmente.

Após duas semanas de manifestações estudantis e na véspera do protesto de 12 de Fevereiro, a Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), a Anatel venezuelana, pediu aos meios de comunicação que cumprissem à risca o artigo 27 da lei, que proíbe a apologia ao ódio e à violência.

“A cobertura midiática que os atos de violência perpetrados em algumas partes do país estão recebendo poderia ser considerada uma violação do disposto no artigo 27 da lei”, declarou William Castillo, presidente da Conatel.

Para os críticos, no entanto, o problema é a forma como a lei está redigida. Eles argumentam que o conceito de apologia ao ódio e à violência é muito amplo e sua interpretação fica a critério dos órgãos oficiais.

Desinformação

O escritório da Transparência Internacional na Venezuela questionou a relevância do “alerta” feito pela Conatel e afirmou, por meio de um comunicado, que considerava o aviso uma violação do direito à informação consagrado na Constituição da Venezuela e nos tratados internacionais.

“Enquanto as redes sociais informavam sem nenhuma veracidade o que acontecia (nos protestos) à pequena parcela da população venezuelana que tem acesso à Internet, a mídia tradicional transmitia a comemoração do Dia da Juventude”, afirmou o comunicado.