A OMS (Organização Mundial da Saúde) aprovou o uso de um medicamento não testado em humanos para tratar pessoas infectadas com o ebola, cujo surto já matou mais de mil pessoas.

Um painel do órgão considerou ético combater a epidemia do vírus com remédios e vacinas cujos efeitos colaterais e eficácia são desconhecidos, devido à escala da epidemia e o número de mortos.

A decisão foi anunciada após uma reunião de emergência da OMS em Genebra para discutir o assunto.

O surto do ebola já deixou pelo menos 1.013 mortos na África Ocidental, segundo a OMS. Pelo menos 1.779 pessoas foram infectadas desde o início da epidemia, na Guiné, em fevereiro.

“Devido às circunstâncias particulares desta epidemia, e com o cumprimento de certas condições, o painel chegou ao consenso de que é ético oferecer intervenções não comprovadas… como potenciais tratamento ou prevenção”, disse um comunicado da OMS.

O anúncio foi feito após a Libéria ter comunicado que usaria o medicamento Zmapp, da fabricante Mapp Biopharmaceutical, no tratamento contra o ebola. O remédio só foi testado em macacos e ainda não foi avaliado com segurança em seres humanos.

A empresa disse que o remédio será distribuído gratuitamente.

O Zmapp foi administrado em dois funcionários humanitários nos EUA que apresentam sinais de melhora.

Mas um padre espanhol infectado na Libéria e que estava sendo tratado em Madri com o remédio morreu. Miguel Pajares, de 75 anos, foi transferido da Libéria para a Espanha na semana passada com uma freira, que testou negativo para o vírus.

Ele trabalhava em um hospital na capital, Monróvia, que foi fechado devido ao surto. Uma freira congolesa morreu no local no sábado, dias após o diretor da unidade, Patrick Nshamdze, também ter falecido.

‘Escolha entre risco e morte’

O governo liberiano disse estar ciente dos riscos associados ao Zmapp, mas ressaltou que a alternativa seria permitir a morte de mais pacientes.

“A alternativa de não testar (este tratamento) é a morte, uma morte certa”, disse à BBC o ministro da Informação do país, Lewis Brown.

“Achamos que os infectados devem ter a chance de ter (esse tratamento) testado, caso eles permitam”, disse.

“Sabemos que pode haver riscos, mas entre escolher um risco e escolher a morte, tenho certeza que muitos preferem o risco.”

Segundo ele, os serviços de saúde do país estão sobrecarregados com pacientes da doença. A situação levou profissionais mal equipados a abandonarem o trabalho e instituições foram fechadas.

Soldados foram mobilizados em postos de controle nas duas regiões mais afetadas pelo surto no país – Lofa e Bomi – para restringir o movimento de cidadãos.

Testes polêmicos

A Nigéria, no entanto, é exemplo de como testes clínicos podem ser controversos, disse o correspondente da BBC Will Ross, em Lagos.

Em 1996, a empresa farmacêutica Pfizer, dos EUA, realizou um experimento com remédios durante um surto de meningite no qual cerca de 12 mil pessoas morreram no Estado de Kano, no norte do país, num período de seis meses.

Cem crianças receberam um antibiótico oral experimental chamado Trovan, que a empresa disse ter sido testado em mais de 5 mil pacientes. Onze crianças morreram e dezenas ficaram com sequelas, inclusive com danos cerebrais. A companhia foi processada pelo governo e pelas famílias.

A Pfizer argumentou que a meningite, não o remédio, era responsável pelas sequelas. Mas depois de longas batalhas jurídicas, chegou a um acordo multimilionário com o Estado de Kano. Em 2011, quatro famílias receberam as primeiras indenizações.

“Uma diferença fundamental entre este surto do ebola e o caso de 1996 é que, quando a Pfizer realizou os testes com Trovan, outro remédio contra a meningite já era amplamente utilizado”, disse Ross.

“Um experimento errad pode ter efeitos a longo prazo: não é por acaso que o norte da Nigéria é uma das poucas áreas do mundo onde a pólio ainda é endêmica, já que o teste do Trovan contribuiu para elevar as suspeitas com a medicina ocidental.”

Voos proibidos

A OMS declarou o surto do ebola, um vírus altamente contagioso, na África Ocidental uma emergência de saúde global.

A Costa do Marfim foi o segundo país a proibir todos os voos de passageiros dos três países mais afetados pela epidemia do vírus – Guiné, Libéria e Serra Leoa.

A Arábia Saudita já havia imposto tal proibição em uma tentativa de evitar a propagação do vírus mortal.

A Nigéria, o país mais populoso da África, confirmou o décimo caso do ebola na segunda-feira.

Não há cura para o ebola, mas os pacientes têm maiores chances de sobrevivência se receberem tratamento cedo.

Os sintomas iniciais são semelhantes ao de uma gripe, mas a doença pode levar a hemorragias nos olhos e gengivas, e hemorragia interna que pode levar à falência de órgãos.