Negócios sociais começam a se profissionalizar e ganham investimentos
Na Cooperativa Mulheres Arteiras, em Niterói (RJ), pufes e bolsas são produzidos artesanalmente por 20 pessoas, em sua maioria mulheres. As matérias-primas são velhas garrafas pet e banners plásticos que iriam para o lixo. O trabalho é feito desde 2006, mas há três anos a cooperativa recebeu um impulso: associou-se à Rede Asta, um misto […]
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Na Cooperativa Mulheres Arteiras, em Niterói (RJ), pufes e bolsas são produzidos artesanalmente por 20 pessoas, em sua maioria mulheres. As matérias-primas são velhas garrafas pet e banners plásticos que iriam para o lixo.
O trabalho é feito desde 2006, mas há três anos a cooperativa recebeu um impulso: associou-se à Rede Asta, um misto de ONG e empresa que capacita as artesãs da Mulheres Arteiras e de outros 53 grupos produtivos no país e oferece-lhes canais de venda – em catálogos, lojas físicas e online, no varejo ou por grandes encomendas corporativas.
“O campo de vendas deles é mais aberto que o nosso”, explica Marcia da Costa, 46, que antes de se transformar em artesã era dona de casa. O trabalho artesanal serve como complemento de renda para ela e suas colegas – que, neste mês de março, fizeram um curso com uma designer enviada pela Asta.
“A designer está passando novas modelagens e técnicas para as bolsas feitas de banner”, prossegue Marcia. “Estamos nos aperfeiçoando. Isso valoriza o nosso produto.”
A profissionalização gradual do trabalho das Mulheres Artesãs é exemplo da evolução dos chamados negócios sociais, que trilham um caminho para se amparar mais em estratégias de mercado e no autossustento – e menos no assistencialismo. E têm atraído cada vez mais investimentos.
Um negócio de impacto social é o que alia lucro financeiro à busca de soluções para problemas sociais, como a pobreza, a desigualdade e a poluição. Não há uma definição fechada: para os mais puristas, todo o seu lucro deve ser reinvestido na produção; mas muitos já defendem que os dividendos podem ser divididos entre todos os participantes da cadeia.
A própria Rede Asta passou por esse processo de profissionalização. O negócio foi criado em 2005, no Rio de Janeiro, com todas as economias pessoais das sócias Alice Freitas e Raquel Schettino.
Seu projeto era agregar valor a produtos artesanais e facilitar sua venda. São acessórios, peças de decoração e bolsas, em sua maioria feitos por mulheres de comunidades carentes e a partir de produtos reciclados.
Foram criados canais de venda direta (com catálogo e vendedoras) e online, intermediando o trabalho dos grupos produtivos e o consumidor final. O objetivo era usar as ferramentas de mercado para amparar causas sociais. Mas Alice e Raquel ficaram dois anos sem ganhar nada com a ideia – e quase foram à falência.
“Quando montamos nossa primeira rede de venda direta, contratamos uma consultoria, chamamos promotoras que haviam vendido marcas como Avon e Natura, fizemos um grande planejamento. Quando tiramos do papel, deu tudo errado. As vendas não aconteciam. Descobrimos que o público não era o mesmo que o de Avon e Natura”, conta Alice.
Por conta disso, a Asta mudou de estratégia. Contratou uma diretora de marketing especialista em varejo, focou seus produtos nas classes A e B e passou a evitar a palavra artesanato para descrever seus produtos, por sua conotação de amadorismo.
Recursos
Observadores dizem que esse aprendizado da Rede Asta, à base da tentativa e erro, é parte do processo de criar uma cultura de empreendedorismo social.
“Ainda não há no Brasil um mercado que estimule tanto o empreendedorismo social, o erro e o acerto, como já vem acontecendo em outros países em desenvolvimento como Índia, México, Peru e Quênia”, diz Rebeca Rocha, coordenadora no Brasil da Ande, rede de organizações de promoção do empreendedorismo.
Por outro lado, há cada vez mais gente interessada em investir em negócios sociais no Brasil – investidores, fundações, bancos e aceleradoras de empresas, explica Rodrigo Carvalho, do núcleo de empreendedorismo da ESPM-RJ.
“Há um circuito de atores fazendo capacitação, dando consultoria e criando um ecossistema para os negócios sociais, unindo poder público, iniciativa privada e universidades”, diz o professor.
Estudo recém-divulgado pela Ande chegou a conclusão semelhante: ainda que esses negócios abocanhem fatia pequena dos investimentos brasileiros e internacionais, o cenário é promissor. “Temos mais negócios surgindo e mais investidores”, diz Rocha.
O levantamento da Ande calcula que haja no país US$ 200 milhões já captados neste ano por investidores para aplicar em novos projetos de impacto social. Consultas informais do grupo sugerem que esse total pode chegar a US$ 350 milhões até o fim de 2014.
Sob o ângulo global, esse número é pequeno: estima-se que o total empenhado para investimentos semelhantes ao redor do mundo seja de US$ 17 bilhões neste ano.
Sob outro ângulo, porém, esses US$ 200 milhões são significativos. Afinal, diz Rocha, entre 2001 e 2013, foram investidos apenas US$ 76 milhões nesse setor. “E entrevistas com os investidores mostram que eles estão otimistas para os próximos anos. O que faltam são bons exemplos (de negócios) e uma mensuração de seus resultados.”
Caminhar sozinho
Mapeamento do Ministério do Trabalho identificou no ano passado 33 mil empreendimentos econômicos solidários no Brasil, mas não há dados sobre quantos são formais e autossustentáveis a ponto de configurarem um negócio social.
Muitos, diz Rodrigo Carvalho, possivelmente ainda necessitam de subsídios e têm dificuldades em caminhar com suas próprias pernas.
Entre os desafios do setor estão as dificuldades em ganhar escala na produção, em transformar boas ideias em negócios que rendam dinheiro e em fazer com que sua marca chegue ao consumidor final.
“Muitas vezes os negócios sociais têm um valor agregado (justamente por terem um cunho social) que encarece seus produtos”, diz Rocha.
Na Rede Asta, um dos caminhos para contornar isso é valorizar a história humana por trás de cada produto feito à mão por suas 729 artesãs. A partir deste ano, a rede planeja incluir nos catálogos e nas embalagens uma descrição da origem de cada peça.
“Como os consumidores costumam pensar só no preço, perdemos a noção de valorização da origem do produto”, diz Alice Freitas. “Por isso, nossos produtos serão vendidos com história – você sabe quem fez, de onde vem, quanto tempo levou.”
Outro passo importante, dizem especialistas, é que os empreendedores consigam aliar a paixão pela causa social ao aprendizado de técnicas de administração e gestão. Em outras palavras, profissionalizar o negócio.
“É deixar de ser empreendedor para virar empresário”, afirma Rodrigo Carvalho.
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