MT: haitianos atraídos pela Copa amargam desemprego em massa
Mais de 2,7 mil haitianos desembarcaram em Cuiabá (MT) nesse último ano atraídos pelas oportunidades de trabalho geradas pela Copa do Mundo. Agora, com o fim do Mundial, estão perdendo o emprego em massa. O agravante é que, apesar do final dos jogos, eles não param de chegar, sem nenhum ou com pouco dinheiro de reserva, […]
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Mais de 2,7 mil haitianos desembarcaram em Cuiabá (MT) nesse último ano atraídos pelas oportunidades de trabalho geradas pela Copa do Mundo. Agora, com o fim do Mundial, estão perdendo o emprego em massa. O agravante é que, apesar do final dos jogos, eles não param de chegar, sem nenhum ou com pouco dinheiro de reserva, acreditando que terão uma vida melhor na capital mato-grossense.
Todo dia cerca de 20 a 30 haitianos, que já estão em Cuiabá desde maio do ano passado e chegaram a conseguir emprego, batem à porta da Pastoral do Migrante, novamente desempregados. Outros estão desembarcando agora porque ficaram sabendo que na cidade poderão sair de uma situação complicada de desemprego, enfrentada por alguns há dois ou três anos, mesmo com formação técnica ou superior.
A situação socioeconômica e política no Haiti, agravada por um forte terremoto que assolou a capital, Porto Príncipe, em janeiro de 2010, tem obrigado haitianos a saírem do país. Quando chegam ao Brasil, recebem um visto humanitário, que dá direito a CPF e carteira de trabalho. Dos que escolhem Cuiabá, muitos chegam pelo Acre, como o técnico em laboratório Andromaque Joseph, 29 anos. “Estou procurando emprego de qualquer coisa”, diz ele.
Um das barreiras iniciais que enfrentam é o idioma. No Haiti, a língua oficial é o francês, mas a maioria da população fala o crioulo haitiano ou créole. Eles também arriscam o espanhol e o inglês. Conforme contam, é cultural falar um pouco desses quatro idiomas.
Entre os haitianos que estavam na Pastoral do Migrante na noite de segunda-feira, o único que fala português é o biomédico Kesnel Dorvil, 33 anos. Ele aportou em Cuiabá no dia 22 de maio deste ano, a procura de uma vida melhor. Deixou a esposa e uma filha de 5 anos na República Dominicana, para onde foram incialmente, antes de virem para o Brasil. Desistiu de viver no Haiti, após ficar mais de três anos sem trabalho.
Na República Dominicana, atuou como supervisor de hotel e segurança, mas ganhava muito mal. “Quem tem família precisa dar um jeito de conseguir sobreviver e melhorar de vida”, explica o motivo de ter vindo para Cuiabá. Esta terça-feira é um dia feliz para Kesnel. Conseguiu um emprego e está apreensivo para que tudo dê certo. Apesar de ser biomédico, vai começar em uma empresa de tratamento de couro.
Outro que acaba de chegar em Cuiabá é Michael Jiandany, 28 anos. Também deixou a mulher e um filho de 3 anos. Está angustiado e sem emprego e a única certeza que tem é que vai voltar para buscar a família assim que for possível. Ele chegou de avião em São Paulo. “Gosto do Brasil, vou morar aqui”, assegura.
Maioria é do sexo masculino
Entre os que estão fazendo essa travessia Haiti-Cuiabá em busca de emprego, a maioria é homem. Apenas três mulheres estão na Pastoral do Migrante, no momento. Uma delas, Rosette Bruny, 30 anos, trouxe o filho de 3 anos, mas deixou outro de 10, com o pai, no Haiti. Perguntada se está preocupada com esse momento de instabilidade, responde com o olhar angustiado: “Oui, oui!” – sim, em francês. Quem não parece se importar muito é o menino, que, sorridente, corre pelos corredores da Pastoral do Migrante, brincando.
A colega de quarto dela, Vierla Josepht Durosier, 30 anos, sabe fazer trançados e outros penteados afros. Segundo ela, as mulheres haitianas gostam de se enfeitar, apesar de estarem em situação difícil, porque é cultural. Pensa em trabalhar em um salão, mas se preocupa porque não fala português.
A comunicação entre os haitianos e familiares é feita através da internet, que é mais barato e, conforme Kesnel, funciona bem. Essa é uma forma de matar a saudade de quem ficou, mas na expectativa de vir também.
Atendimentos durante o dia
Durante o dia, a auditora fiscal do trabalho Marilete Girardi faz atendimentos aos haitianos, para encaminhá-los ou reencaminhá-los ao trabalho, no caso de quem perdeu o emprego. Na conversa, a auditora tenta descobrir como pode encaixá-los nas vagas disponíveis na cidade. O trabalho que ela faz é similar ao do Sistema Nacional de Emprego (Sine). Ela desenvolvia esse trabalho voluntariamente, mas devido ao aumento da demanda, está atuando por meio de convênio com a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE).
A Assistente Social Rosângela Jesus da Silva procura encaminhá-los ao atendimento de saúde, se for o caso. Mas, segundo ela, os haitianos são fortes. Só houve um caso mais grave, de uma mulher, que estava com câncer de mama e teve que fazer cirurgia no Brasil para amputar um seio.
Teto provisório
Na Pastoral do Migrante, além da hospedagem, eles recebem alimentação. Mas só podem ficar por 15 dias ou quando recebem o primeiro salário. Quando saem, começam a vida sem nada. Por isso, precisam de doações, principalmente de colchões, fogão, móveis, roupas de cama e banho.
Há um ano, quando a migração para Cuiabá se tornou rotina, a Pastoral do Migrante informou ao Fórum de Direitos Humanos e da Terra Mato Grosso (FDHT-MT) sobre o problema. A casa era pequena demais para receber tanta gente. Faltava comida e colchões. A providência tomada pelo Fórum foi encaminhar um ofício no dia 10 de julho de 2013 ao governo do Estado, pedindo que criasse condições de atendimento aos novos habitantes do Estado, atraídos pela Copa, e também que fossem pensadas políticas públicas emergenciais, para que, quando terminassem os jogos, não ocorresse justamente o que estava previsto: milhares de haitianos desempregados e sem perspectiva, inclusive, de voltar para terra natal.
O sociólogo Inácio Werner, da coordenação do FDHT-MT, reclama que “o governo nunca fez nada por eles”. “Na prática, concretamente, a única coisa que ofereceu foi um curso de língua portuguesa pela Seduc (Secretaria de Estado de Educação), somente para alguns”, diz.
No dia 10 de junho, o Fórum voltou a protocolar ofício em várias secretarias e especialmente na vice-governança, indicada como responsável pelos migrantes, pedindo colchões e cobertores, por causa do inverno. “Não deram resposta nenhuma e eu liguei para a chefia de gabinete e alegaram que têm muitas demandas para atender e não somente essa”, lamenta o Werner.
O Terra procurou o governo do Estado, por meio da Assessoria de Imprensa, mas até o fechamento desta matéria, não houve retorno.
Pérola do Caribe
O Haiti é o país mais pobre da América, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Mas em francês é chamado de La Perle des Antilles (A Pérola das Antilhas), por causa das belezas naturais, principalmente belas praias.
Politicamente, vive há mais de 10 anos um momento de instabilidade política, mas em sua origem, orgulha-se de ter sido o primeiro país do mundo a abolir a escravidão, após uma revolta de escravos, em 1794.
No entanto, ao longo de sua história não encontrou a estabilidade social e política e o terremoto de 2010 aprofundou problemas graves, como a doença e a fome. O haitiano Kesnel destaca também que não tem realmente emprego no Haiti e que esse conjunto de coisas “expulsa” as pessoas para outros países.
Segundo ele, apesar de tudo, o povo haitiano é, de modo geral, alegre e sorridente. Tem muito a ver com os brasileiros na capacidade comunicativa e afetiva. “Na Pastoral do Migrante, mesmo sem falar direito a língua todos fazem questão de perguntar: tudo bem com você?”, conta.
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