Erro ‘grosseiro’ coloca em perigo a reputação do IBGE que realiza pesquisas há 30 anos

O erro cometido pela equipe de técnicos que elabora a Pesquisa Nacional por Amostragens de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coloca em risco a reputação do instituto e a confiança nos dados da própria pesquisa, realizada há 30 anos. O IBGE informou que a Pnad referente ao ano de 2013 […]

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O erro cometido pela equipe de técnicos que elabora a Pesquisa Nacional por Amostragens de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coloca em risco a reputação do instituto e a confiança nos dados da própria pesquisa, realizada há 30 anos.

O IBGE informou que a Pnad referente ao ano de 2013 foi publicada com erro no cálculo do peso de algumas regiões, o que resultou na divulgação de indicadores incorretos. Um deles é o índice de Gini, que mede a desigualdade, que teve de ser alterado. Fosse o erro uma exceção nos institutos de pesquisa ao longo dos últimos anos, o incidente atual não causaria tanto alarme.

Ocorre que a Pnad acaba de ser revisada na sequência de outras confusões que envolvem os órgãos de estatísticas do país. A credibilidade do IBGE está em jogo, assim como a dos dados oficiais que por ele são divulgados, como o de desemprego, inflação e desigualdade.

Economistas ouvidos pelo site de VEJA classificam o erro como “grosseiro” e “primário” quando se trata de um órgão cuja única função é prover dados oficiais sobre o Brasil. Em abril, uma crise institucional foi instaurada no IBGE quando a presidente, Wasmália Bisval, afirmou que a Pnad Contínua, que calcula, entre outros índices, o de desemprego, teria sua metodologia revisada a pedido de senadores petistas.

A Pnad acabara de divulgar que a taxa de desemprego de 2013 havia sido maior que a calculada pelo instituto no âmbito da Pesquisa Mensal de Emprego (PME). A possibilidade de revisão fez com que houvesse uma ameaça de debandada de técnicos da Pnad. Na sequência, uma greve teve início e foi capitaneada, justamente, por aqueles que apuravam a Pnad.

No Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), algo similar ocorreu em levantamento divulgado em março deste ano, que mostrava que 65% dos brasileiros concordariam total ou parcialmente com a ideia de que mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas.

O dado correto, divulgado posteriormente, era de 26%. Reportagem do site de VEJA aponta que, além de divulgar o número incorreto em abril, o instituto também engavetou um estudo importante que mostra que a concentração de renda aumentou. A tese, curiosamente, contraria o discurso recorrente dos governos petistas. O exemplo do IBGE apenas piora a situação.

Maria Helena Castro, diretora-executiva da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), o Portal das Estatísticas de São Paulo, recebeu com estranheza a notícia da revisão da Pnad. “É estranho que um dia depois de divulgarem os dados que mostraram que a desigualdade tinha aumentado, agora mudam. É necessário examinar com cuidado para ver qual foi o erro na metodologia. O IBGE deve convocar uma reunião com os técnicos dos Estados para explicar os problemas encontrar os motivos que levaram a essa revisão”, afirma.

Erro não muda a tendência

O índice de Gini, que é usado mundialmente, leva em conta o número de pessoas em um domicílio e a renda de cada um, e mostra uma variação de zero a um, sendo que quanto mais próximo de um, maior é a desigualdade. Na pesquisa publicada na quinta-feira, o indicador que calcula o rendimento real das famílias com o trabalho ficou em 0,498. Com a correção, fica em 0,495. O novo número mostra leve melhora em relação ao resultado de 2012, que havia sido de 0,496.

O novo dado também é o mais baixo já apontado pelo instituto. Contudo, como o avanço foi de apenas 0,001 ponto porcentual, economistas mantêm a avaliação de que a melhora na distribuição de riqueza parou. A diferença é tão pequena que, ao se construir um intervalo de confiança, a alteração estaria dentro dele. “O erro não muda a tendência, que continua sendo de estagnação”, afirma o economista Marcos Lisboa, diretor e vice-presidente do Insper, e também um dos maiores especialistas em desigualdade no país.

O IBGE tem reputação respeitável e muitos de seus técnicos são renomados. Segundo economistas ouvidos pelo site de VEJA, o erro é grave, mas ainda não é o suficiente para que o Brasil seja comparado à Argentina quando se trata do cálculo de indicadores econômicos. Ao longo dos dois governos Kirchner, os órgãos responsáveis pelos principais índices, como o de inflação, não são levados em conta pelo mercado.

Enquanto as estatísticas oficiais apontam inflação anual próxima de 10%, por exemplo, o índice medido por consultorias privadas é mais que o dobro. “No caso da Pnad, não acho que tenha havido má-fé. Ficaria muito surpreso se fosse. Mesmo em trabalho acadêmico, erros acontecem. E, no fim das contas, a mudança não é pra ninguém dar saltos de alegria”, afirma o economista e pesquisador da Fundação Getulio Vargas Sérgio Firpo.

Gesner Oliveira, economista e sócio-diretor da GO Associados, não se recorda de ter visto, em algum período, o reconhecimento de tamanho erro. E sugere que se implemente uma melhora nos procedimentos de revisão e checagem.

“É preciso máxima transparência para explicar à sociedade o porquê e como aconteceu. Também é preciso refletir sobre eventuais medidas para minimizar a probabilidade de novos erros no futuro”, afirma. “Um sistema de revisão e de checagem mais rigoroso, além do aperfeiçoamento do sistema de divulgação são necessários, pois são estatísticas sensíveis, que têm efeitos sobre a opinião pública e o mercado. Seria desejável que não houvesse dúvidas sobre os números da principal instituição de estatísticas do país”, afirma.

Cortes de verba

As perspectivas orçamentárias para o órgão, contudo, não são animadoras quando se leva em conta a necessidade de investir num modelo mais seguro de análise de dados e checagem. Segundo o texto enviado ao Congresso pelo Ministério do Planejamento, a renda destinada ao IBGE teve um corte de 562 milhões de reais que seriam destinados à contagem da população 2016 e ao censo agropecuário 2015.

O valor pedido pelo IBGE para o Projeto de Lei Orçamentária Anual 2015 era de 766 milhões de reais. Ao informar o problema, no início de setembro, a presidente do orgão, Wasmália Bivar, disse que as duas operações censitárias demandam muitos recursos e o instituto não tem como estabelecer parcerias para realizá-las. Com isso, o censo ficou para 2016. O corte também coloca em risco a realização da Pnad do ano que vem.

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