A aprovação no Senado da Lei da Palmada, nesta quarta-feira (4), é vista com reservas em Campo Grande. Pais e líderes religiosos questionam a proibição dos castigos físicos, embora todos garantam ser favoráveis à nova legislação.

A lei garante o direito da criança e do adolescente de serem educados sem o uso de castigos físicos e de tratamento cruel ou degradante. Isso inclui qualquer tipo de ‘palmada’ e até repreensões mais exaltadas, com gritos, por exemplo.

A legislação inclui dispositivos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069/1990), que proíbe o uso de castigos físicos – definidos como a “ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em sofrimento físico ou lesão à criança ou ao adolescente” – pelos pais na hora de educar seus filhos.

A reportagem falou com representantes de diversas religiões em Campo Grande. Católicos e evangélicos defendem a abolição da violência como forma de educar os filhos e aprovam a medida, mas registram ressalvas e avaliam que a educação deve ‘se basear em princípios’.

“Acredito que é fundamental a educação dos pais, mas tem que ser baseada no diálogo, perdão, fraternidade e, principalmente, amor”, afirma o padre Dirson Gonçalves. Para o católico, a lei é válida e pode evitar casos de violência física. “A igreja católica nunca vai apoiar qualquer tipo de violência”, resume.

Já a pastora Gislene de Loiola diz que, apesar de inovadora, a lei pode ser prejudicial. “Junto à lei, deveriam ser aplicadas medidas educacionais na própria escola, com ensinamento de valores morais. Sem aspectos como estes, a lei pode mais prejudicar do que beneficiar as famílias”, explica.

A pastora diz que, quando os pais se orientam pelos princípios cristãos de amor, respeito e perdão, a Lei da Palmada muda pouca coisa.

Na contramão dos que defendem parcialmente a lei, o sacerdote-maior de uma casa de candomblé, em Campo Grande, Ilson Américo, diz que a mudança compromete a educação dos filhos. “Não defendo a violência, mas acredito que tem horas em que só o diálogo não resolve”, afirma.

Ele intitula o dispositivo como “esdrúxulo” e acredita que a lei não pode simplesmente proibir ações dos pais com relação à educação dos filhos. “Acredito no meio termo, equilíbrio e sem violência. Mas acho que a lei não deve ser levada ao pé da letra”, diz o candomblista.

Questões como a de crianças em situação de vulnerabilidade, por exemplo, são situações em que o estado deveria atuar com mais veemência, segundo Ângela Darsante Moreno, da religião espírita. Para ela, a família é a responsável pela criação dos filhos. “Não vejo como prerrogativa do estado a educação dos filhos, mas, claro, não pode existir violência na criação, porque quando há, já existem mecanismos que podem resolver”.

Reorganização da família

Para o psicólogo José Ricardo Nunes da Cunha, a lei deve favorecer a reorganização da família. “É uma excelente maneira de a família pensar em formas de educação, pois a ‘palmada’, como dizem, não deveria mais fazer parte do processo educacional dos filhos”, pontua.

O psicólogo afirma que esta forma de criação é utilizada quando os pais não têm mais mecanismos emocionais. “A sociedade ainda acha que agressão, seja ela em que nível, é uma maneira de educar os filhos”.

A Lei da Palmada, na prática, não altera questões do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Constituição, que já trata de situações de maus tratos contra crianças.

Segundo o delegado Paulo Sérgio Laureto, da Delegacia Especializada em Proteção de Crianças e Adolescentes (DPCA), de Campo Grande, juridicamente a lei é positiva. “Qualquer dispositivo que venha no sentido de amparar as crianças, vejo como bem vida”, opina.

Para saber o que as pessoas pensam sobre a lei, o Midiamax foi às ruas da Capital. Confira a enquete no vídeo abaixo.

‘Menino Bernardo’

A proposta, que era chamada de Lei da Palmada desde que se iniciou a tramitação, foi rebatizada para “Lei Menino Bernardo”, em homenagem ao menino Bernardo Boldrini, 11 anos, que foi encontrado em abril, enterrado às margens de uma estrada em Frederico Westphalen (RS). O pai e a madrasta são suspeitos de participação na morte do menino.

Após aprovação pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e Senado, o texto segue para sanção presidencial.