Com faixa na cueca, índio burlou regra para dar recado a Dilma no Itaquerão
Em determinado momento da cerimônia de abertura da Copa do Mundo, no último dia 12, no Itaquerão, três crianças, sendo uma branca, uma negra e uma indígena, soltaram pombas brancas do gramado para simbolizar a paz e a união de povos e culturas que supostamente reina no Brasil. O que a transmissão de TV oficial […]
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Em determinado momento da cerimônia de abertura da Copa do Mundo, no último dia 12, no Itaquerão, três crianças, sendo uma branca, uma negra e uma indígena, soltaram pombas brancas do gramado para simbolizar a paz e a união de povos e culturas que supostamente reina no Brasil.
O que a transmissão de TV oficial não mostrou foi que o garoto indígena, Wera Jeguaka Mirim, de 13 anos, estendeu, logo após o ato simbólico, uma faixa vermelha com os dizeres “Demarcação Já!”. Era um protesto e um ato de luta em favor da demarcação das terras indígenas na Grande São Paulo e no Brasil, processo que se encontra atualmente interrompido no país.
A Fifa proíbe veementemente qualquer tipo de manifestação política nos estádios da Copa, ainda mais se vinda daqueles que fazem parte do espetáculo, como era o caso de Wera, morador da aldeia guarani de Krukutu, no bairro de Parelheiros, extremo sul da capital paulista.
“Eu não podia entrar com a faixa, mas eu queria, nosso povo queria e precisa. Coloquei na cueca, só tirei quando já estava lá no meio do campo e daí estiquei para todo mundo ver, porque a gente mora aqui faz muito tempo, faz mais de mil anos, a gente quer nossa terra demarcada”, explica o garoto, em um português difícil, aprendido na escola, com seus pais e sua tribo ele só fala em guarani.
Mas se Wera tem dificuldade em falar na língua europeia, escrever ele aprendeu muito bem. Tanto que já é autor de dois livros, que serão lançados ainda este ano. “Kurumim Guarani” e “Contos de um Kurumim Guarani” têm histórias da vida na aldeia, escritas em linguagem simples, como explica o pai de Wera, feitos para crianças, indígenas ou não.
Já a faixa que carregou no Itaquerão não era para crianças. “Eu queria que a presidente Dilma (Rousseff) lesse. E que mais gente lesse e lutasse com a gente. Para que a gente não ficasse sozinho na luta, para que ela (Dilma) visse que a gente não tá sozinho”.
A população guarani que reside na Grande São Paulo distribui-se atualmente em seis aldeias, que fazem parte de duas terras indígenas em processo de regularização fundiária.
Duas dessa aldeias, Ytu e Pyau, ficam no Pico do Jaraguá e compõem a Terra Indígena Jaraguá. Nelas residem cerca de 700 guarani. A terra foi reconhecida na década de 1980, mas foi regularizada com apenas 1,7 hectare, a menor terra indígena do país. A aldeia Pyau fica fora dessa área e atualmente há uma decisão judicial vigente que determina a retirada dos Guarani dali. Quando e se a Justiça expedir uma ordem de reintegração de posse, aí a polícia vai ter que tirar eles de lá.
No dia 30 de abril de 2013, a Funai (Fundação Nacional do Índio) aprovou e publicou no Diário Oficial da União (Portaria FUNAI/PRES No 544) os resultados dos estudos técnicos que reconhecem cerca de 532 hectares como limites constitucionais da Terra Indígena Jaraguá, incluindo as duas aldeias atualmente ocupadas, e as áreas necessárias para a reprodução física e cultural do grupo.
De acordo com o Decreto Presidencial nº 1775, que regulamentará o processo de demarcação de Terras Indígenas no país, abriu-se, a partir da publicação desses estudos, período de 90 dias para que os interessados apresentassem contestações administrativas. Assim, foram apresentadas três manifestações de contestantes ao processo de identificação e delimitação da terra Jaraguá.
O processo corre agora para o Ministro da Justiça, a quem cabe publicar uma portaria declaratória que permite iniciar o processo de indenização dos ocupantes não indígenas para devolver as áreas ao usufruto exclusivo das comunidades indígenas. A assinatura dessa portaria é uma das reivindicações dos guarani. Enquanto este trâmite acontece, a ameaça de despejo paira sobre indígenas.
Já as outras quatro aldeias guarani localizam-se no extremo sul da metrópole, na beira da represa Billings, duas delas em Parelheiros (Aldeia Barragem e Aldeia Krukutu), uma próxima ao distrito de Marsilac (Tekoa Kalipety) e a última em São Bernardo do Campo (Aldeia Guyrapaju).
As duas primeiras haviam sido reconhecidas também na década de 1980, com uma superfície de cerca de 26 hectares cada. Atualmente com uma população de cerca de 1.400 pessoas distribuídas entre as quatro aldeias, as áreas reconhecidas na década de 1980 têm uma densidade populacional crítica de 26 pessoas por hectare.
Por isso, iniciou-se em 2002, um estudo para a correção desses limites. Dez anos depois, em 19 de abril de 2012, a Funai também aprovou e publicou no Diário Oficial da União (Portaria FUNAI/PRES No 123) (ANEXO 2) os resultados dos estudos técnicos que reconhecem cerca de 15.969 hectares como compondo os limites constitucionais da Terra Indígena Tenondé Porã, que abrange três das quatro aldeias da região sul.
O processo não teve contestações administrativas que questionassem a sua validade, e já foi encaminhado ao Ministério da Justiça, de quem os guarani reivindicam a publicação da portaria que legalizará o território indígena.
De acordo com o Artigo 231 da Constituição Federal, são considerados nulos e extintos todos os atos administrativos que envolvem a posse de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas. Logo, emissão das portarias por parte do Ministério da Justiça tornaria nulos os alegados títulos dos particulares que disputam ou queiram disputar em juízo a área ocupada pelos Guarani.
“É isso que queremos, é isso que quer dizer a faixa que meu filho levantou. Quando a gente contou que ele iria participar da abertura da Copa, muita gente criticou, mas ele foi lá para explicar ao mundo que até hoje ainda expulsam a gente da nossa terra. Ele foi lá para que fosse contada a história da nossa luta”, diz Olívio Jekupe, pai de Wera. Pois contada está.
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