Brasil fica atrás de outros países no combate ao abuso de sal

Apesar de sucessos recentes no combate ao consumo excessivo de sal – que provoca problemas graves de saúde no longo prazo, como hipertensão, doenças cardíacas e derrames -, o Brasil ainda está atrás de países como Argentina, Estados Unidos e Grã-Bretanha em iniciativas de saúde do tipo. Em outros países, as tentativas mais bem-sucedidas até […]

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Apesar de sucessos recentes no combate ao consumo excessivo de sal – que provoca problemas graves de saúde no longo prazo, como hipertensão, doenças cardíacas e derrames -, o Brasil ainda está atrás de países como Argentina, Estados Unidos e Grã-Bretanha em iniciativas de saúde do tipo.

Em outros países, as tentativas mais bem-sucedidas até agora sempre envolveram acordos com a indústria alimentícia, em que fabricantes reduzem de forma voluntária a quantidade de sódio dos seus alimentos – modelo que está se mostrando bem-sucedido no Brasil.

Um dos motivos desta abordagem é que a maior parte do sal está embutida nos alimentos processados, não no sal de mesa acrescentado pelos próprios consumidores. Na medida em que a indústria mude as suas práticas, as pessoas passam a consumir menos sal.

Em lugares como Estados Unidos, há pressão para que o governo estabeleça limites obrigatórios de sal, mas por ora as iniciativas ainda são feitas de forma voluntária. No Japão, o governo vai colocar certificados de aprovação nos rótulos de alimentos que possuem pouco sal a partir do ano que vem.

Veja como alguns países tratam o problema.

Argentina

Nos últimos quatro anos, a Argentina conseguiu baixar o consumo de sal per capita com a mesma fórmula adotada por vários países: acordos voluntários com a indústria alimentícia.

No primeiro acordo, firmado em 2010, os fabricantes de pão reduziram em 25% a quantidade de sódio do alimento.

Pouco tempo depois, o acordo foi ampliado para empresas responsáveis por 435 alimentos de consumo em massa, segundo disse à BBC Brasil o diretor de Promoção da Saúde e do Controle de Doenças Não Transmissíveis do Ministério da Saúde, o médico Sebastián Laspiur.

“Avançamos muito, mas ainda falta muito. Nestes quatro anos, conseguimos baixar o consumo de sal per capita por ano. Estimamos que este resultado signifique em torno de 2 mil mortes a menos por problemas provocados pelo sal, como o cardiovascular”, afirmou.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estipula que o ideal é a quantidade de 5 gramas per capita. “Estávamos em torno de 11,5 gramas antes e agora em torno de dez gramas per capita anual. Podemos chegar a nove, mas ainda falta muito para atingirmos a meta da OMS”, disse Laspiur.

Segundo ele, cerca de 30% das padarias do país aderiram à iniciativa e colocaram cartazes em seus estabelecimentos informando que o produto tem menos sal. Além disso, bares e restaurantes de alguns municípios e de algumas províncias passaram a atender normas locais tirando o saleiro das mesas. Neste caso, o sal só é entregue caso o freguês peça.

No ano passado, foi aprovada uma lei nacional com regras mais amplas sobre o consumo de sal. Os restaurantes teriam que limitar o uso de sal em suas comidas e ainda colocar cartazes informando sobre os efeitos negativos para a saúde. No entanto, os detalhes da nova legislação ainda precisam ser definidos em uma lei posterior para que as medidas entrem em vigor.

Estados Unidos

Os americano consomem em média 3,3 gramas de sódio por dia, volume abaixo do recomendado pela OMS, mas acima do aconselhado por especialistas no país, de no máximo 2,3 gramas diários ou, em casos específicos, como para adultos acima de 50 anos ou com histórico de doenças como hipertensão ou diabetes, de 1,5 grama por dia.

Não há no país, porém, regras obrigatórias para a redução dos níveis de sódio nos alimentos.

Uma parceria entre mais de 90 autoridades locais e estaduais e organizações nacionais de saúde estabelece metas voluntárias para a redução dos níveis de sódio usados por fabricantes de alimentos e restaurantes.

A Iniciativa Nacional para a Redução de Sal (NSRI, na sigla em inglês) é coordenada pelo Departamento de Saúde da cidade de Nova York e tem o objetivo de reduzir o consumo de sal em 20%.

As metas abrangem 62 categorias de alimentos embalados e 25 categorias de comida vendida em restaurantes.

A iniciativa conta com a adesão de 28 indústrias alimentícias, supermercados e cadeias de restaurantes, entre elas grandes nomes como Unilever, Kraft Foods, Starbucks e Subway. Muitas dessas empresas já atingiram suas metas iniciais.

Em 2010, um órgão consultivo em questões de saúde, o Instituto de Medicina, pediu que o governo americano estabelecesse regras nacionais obrigatórias para a presença de sódio.

O governo, no entanto, já afirmou que prefere que as regras sejam voluntárias. Em breve, serão lançadas metas para que a indústria reduza a quantidade de sódio nos produtos alimentícios.

Especialistas pedem maior ação das autoridades para garantir uma redução mais abrangente.

“Na ausência de esforços federais para melhorar monitoramento, fiscalização e diretrizes para apoiar essas iniciativas de redução de sódio, a preocupação é a de que esses avanços iniciais não sejam mantidos”, disse à BBC Brasil a pesquisadora Kirsten Bibbins-Domingo, diretora do Centro para Populações Vulneráveis da Universidade da Califórnia, em São Francisco.

Grã-Bretanha

No Reino Unido, os acordos voluntários com a indústria alimentícia também deram resultados positivos, mas existe um consenso entre especialistas de que é preciso avançar mais.

O consumo diário de sal está na faixa de 8,1 gramas por pessoa, e a meta do governo é reduzir esta média para 6 gramas. Há metas também específicas para crianças: 2 gramas de sal por dia para crianças de até três anos de idade; 3 gramas para idades de quatro a seis anos; e 5 gramas para crianças de sete a dez anos.

Uma pesquisa publicada na revista Hypertension mostrou que 70% das 340 crianças estudadas consomem sal acima da meta.

Segundo a organização Consunsus Action on Salt & Health, o caminho para se atingir os objetivos nacionais é trabalhar junto com a indústria alimentícia. A maior parte do sal vem das comidas já processadas – e não do sal de mesa – e portanto está fora do controle dos consumidores.

Desde acordos firmados em 2007, estima-se que o uso total de sal tenha caído em 11 mil toneladas – entre 40% a 50% na maioria dos alimentos.

Japão

Uma refeição japonesa não é completa sem a tradicional sopa de pasta de soja (misô), legumes em conserva e pratos que usam como base o molho de soja (shoyu). Todos altamente ricos em sódio.

Isto fez especialistas alertarem que o Japão está se tornado novamente um dos países que mais consomem o nutriente e que é preciso envolver urgentemente a indústria alimentícia para reduzir a ingestão de sal.

Segundo dados do Ministério da Saúde japonês, a taxa média de consumo do sal gira em torno de 11 gramas por dia – semelhante à do Brasil. Mas o governo quer baixar este patamar para 8 gramas por dia.

Entre as medidas, o Ministério vai introduzir, a partir de abril de 2015, um sistema de certificação de “refeição saudável” para alimentos prontos, como pratos vendidos em lojas de conveniência e em supermercados.

A quantidade designada de sal para se obter o certificado é de até 3 gramas por refeição.

Apesar do alto consumo de sal, os japoneses têm, ironicamente, a maior média de longevidade do mundo.

Para Kenji Shibuya, professor do departamento de Política Global de Saúde da Universidade de Tóquio, as razões da longevidade japonesa estão relacionadas ao acesso a medidas de saúde pública, educação, higiene e, claro, uma dieta mais equilibrada, apesar do alto consumo de sódio.

Por iniciativa do governo, o consumo de sal começou a cair depois da Segunda Guerra Mundial. Em algumas regiões, a taxa passou de 18 para 14 gramas por dia.

Com isto, as mortes por pressão alta e por acidente vascular cerebral (AVC), principalmente, tiveram uma significativa queda. Em comparação com dados de 1947, houve um salto de mais de 30 anos na expectativa de vida dos indivíduos.

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