Fletcher, 9 anos, e Spencer, 5 anos, são dois meninos alegres e sorridentes que brincam juntos e correm pela praia, como qualquer criança da idade deles. Os dois garotos australianos, porém, enfrentam uma difícil jornada pela recuperação. No dia 5 de dezembro de 2012, eles foram queimados vivos pelo próprio pai. Paul Brian Edward Connelly foi condenado a 20 anos de prisão no final de 2013, mas as cicatrizes que ele deixou nos filhos vão durar para sempre.

Fletcher e Spencer são as vítimas inocentes de um homem inconformado com a separação. Na tarde em que Alison Lander procurava uma nova casa para morar com os filhos, Paul Connelly passou no supermercado para comprar as balas e os brinquedos preferidos dos meninos, e foi buscar os garotos na escola. No carro, Fletcher e Spencer se alegraram com os doces e presentes, mas o pai já havia planejado e preparado a armadilha criada para matar os filhos e se vingar da mulher.

Horas antes, ele escondeu dois botijões de gás no interior do veículo. Enquanto as crianças sorriam e brincavam, o pai colocou fogo no carro, provocando a explosão que deixou Fletcher com queimaduras em 23% do corpo. Spencer, o caçula, teve 37% do corpo queimado. “Esse é o homem com quem eu fiquei casada 13 anos, o pai dos meus filhos. Pensei que ele amava as crianças. Confiei nele para ter os meninos e ele traiu essa confiança”, lamenta Alison.

Uma semana antes, o Corpo de Bombeiros havia feito uma apresentação na escola. Lembrando de como proceder em caso de incêndio, Fletcher se deitou e rolou para fora do carro. “Não é nada fácil pensar nisso. Eu ainda luto para comentar o assunto, porque tenho que ver isso todos os dias. As cicatrizes deles estão do lado de fora, mas as minhas são internas”, comenta Alison.

Spencer ainda mantém a inocência da infância, inconsciente das razões pelas quais vai carregar as marcas da violência pelo resto da vida. Mas o irmão sabe bem o que aconteceu naquela tarde ensolarada de dezembro. “Fletcher tem consciência total dos fatos e está lutando muito para lidar com isso. Ele usa um chapéu em público o tempo todo, porque ficou careca de um lado da cabeça”, conta a mãe.

O garoto tem tanta consciência das circunstâncias da explosão que precisou depor contra o pai no julgamento. Paul Connelly disse que o incêndio havia sido um acidente. “Odiei. Odiei muito que uma criança de 9 anos tivesse que comparecer ao tribunal para testemunhar contra o próprio pai, porque ele alegou inocência. Quem colocaria uma criança em uma situação dessas?”, revolta-se Alison.

Os meninos passaram mais de quatro meses no hospital, já fizeram pelo menos 15 cirurgias e vão precisar de várias outras durante a fase de crescimento. Com queimaduras nos joelhos, braços, mãos, ombros, pescoço, rosto e cabeça, Spencer passou um mês na Terapia Intensiva e precisou ter as pontas dos dedos da mão esquerda amputadas.

Durante meses, as malhas de compressão só eram removidas para o banho; e, à noite, Fletcher e Spencer dormiam com uma máscara de acrílico no rosto. Terapia ocupacional e fonoaudiologia também se tornaram parte da rotina. “Paul condenou os meninos a uma sentença perpétua. Eles vão crescer e enxergar o que o pai fez para eles todos os dias no espelho. Então, sentença nenhuma é suficiente para aquele homem”, declara Alison.

Para o psicólogo forense Ian Joblin, estão se tornando mais comuns os casos de maridos que escolhem as crianças para se vingar das mulheres. Em três décadas de carreira, Joblin já avaliou pelo menos uma dúzia de pais que feriram ou mataram os próprios filhos. “Eles se apresentam como pais comuns, como se não houvesse nada errado, mas quando a emoção de um divórcio toma conta, eles se transformam em outra pessoa”, analisa.

O psicólogo acrescenta, ainda, que os homens não mostram arrependimento. “As crianças são usadas como instrumento de vingança; por isso, os pais não carregam remorso. Eles responsabilizam as mulheres, dizendo: ‘viu o que você me fez fazer; é sua culpa, não minha’. Os pais transferem a culpa para as esposas”, afirma Joblin.

Enquanto os meninos enfrentam a difícil jornada pela recuperação, a comunidade se mobiliza para ajudar. Mark Whittle, amigo da família, está arrecadando recursos para custear o caro tratamento. “Eles vão precisar de apoio por muitos anos, durante a adolescência até a vida adulta, e nós vamos fazer a nossa parte porque essa é uma causa nobre que tocou o coração das pessoas”, ressalta.

Hoje, em um subúrbio da Tasmânia, Fletcher e Spencer tentam levar uma vida normal, ao lado da mãe. Os meninos continuam o tratamento, mas já voltaram à escola.