Americano ‘para’ de comer alimentos naturais e gera debate sobre futuro da nutrição

Um americano que alega se alimentar quase que exclusivamente de um produto sintético que ele mesmo criou e que diz que os alimentos tradicionais são obsoletos gerou um debate nos Estados Unidos, enfrentando a ira das pessoas defensoras da alimentação natural e orgânica. Ele alega que seu produto, batizado de Soylent, não apenas substitui os […]

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Um americano que alega se alimentar quase que exclusivamente de um produto sintético que ele mesmo criou e que diz que os alimentos tradicionais são obsoletos gerou um debate nos Estados Unidos, enfrentando a ira das pessoas defensoras da alimentação natural e orgânica.

Ele alega que seu produto, batizado de Soylent, não apenas substitui os alimentos como é superior a eles.

Trata-se de um pó que, ao ser misturado com água, resulta num líquido bege e levemente adocicado. A quantidade recomendada para um mês (3,5 kg) é vendida a US$ 230 (cerca de R$ 100).

“Ele contém todos os nutrientes necessários para substituir alimentos de forma eficiente e se tornar uma fonte alimentar padrão para toda a humanidade que pode ser produzida sem precisar de agricultura”, diz Rhinehart à BBC Brasil.

“O alimento natural nem sempre é melhor. Com o tempo, invenções do homem são sempre superiores aos seus correspondentes encontrados na natureza. O Soylent gera menos impacto ambiental que alimentos orgânicos, que exigem grandes quantidades de terra, água e pesticidas, além de muita mão de obra. Assim que conseguirmos provar que ele é mais ecologicamente eficiente e sustentável, aqueles interessados em preservar o planeta ficarão muito felizes com o produto.”

Mesmo sendo alvo de fortes críticas, Rhinehart acha ser apenas uma questão de tempo e da divulgação de informações para que seu produto seja não apenas mais aceito entre consumidores éticos como também promovido por eles.

Alimento futurista

Engenheiro de software formado pelo Instituto de Tecnologia da Geórgia, o inventor diz que sonhava desde criança em encontrar algo que eliminasse a necessidade de preparar e consumir alimentos tradicionais.

Ele conta que ficava vendo sua mãe trabalhar duro na cozinha para alimentar a família de sete pessoas – além dela e de Rhinehart, o pai e mais quatro irmãos – e que isso o motivou a refletir sobre uma alternativa.

“Sempre gostei de comer e nunca fui seletivo com o que comia, mas lembro da trabalheira que minha mãe tinha.”

Outro motivo que levou o engenheiro a desenvolver o produto é sua crença de que comidas convencionais, além de não serem práticas (por consumirem muito tempo de preparo), são primitivas.

Para Rhinehart, precisar de alimentos que vêm da natureza para sobreviver deveria ser algo ultrapassado. “Podemos fazer melhor que isso”, afirma.

Mente de engenheiro

Em janeiro de 2013, Rhinehart colocou sua mente de engenheiro para trabalhar a fim de encontrar uma fórmula que oferecesse o alimento mais otimizado possível para o corpo humano.

Com a colaboração de Xavier Pi-Sunyer, diretor do departamento de nutrição humana da Universidade Columbia, ele desenvolveu seu produto, que tem um nome inspirado no filme de ficção científica No Mundo de 2020, de 1973 (chamado “Soylent Green” no título original em inglês), em que a alimentação é fornecida pelas indústrias Soylent devido a escassez de recursos naturais.

Há mais de um ano, 90% da dieta de Rhinehart é exclusivamente composta por Soylent.

O engenheiro garante que nunca se sentiu tão saudável e produtivo e, embora às vezes coma por prazer alimentos como sushi ou churrasco, garante não haver motivos para complementar uma dieta composta exclusivamente pelo substituto alimentar.

Até agora, o nicho do produto é formado pelo público jovem masculino ligado em tecnologia e que não quer perder mais do que poucos minutos por dia para se alimentar. O slogan do produto é Free Your Body (Liberte seu corpo, numa tradução livre).

Inovador?

Apesar do entusiasmo de Rhinehart com sua invenção, a Sociedade Americana para Nutrição (ASN) não acredita que Soylent seja, de fato, a resposta para uma alimentação completa nem algo inovador.

“O Soylent não é diferente de produtos comerciais semelhantes que oferecem uma nutrição completa de forma líquida”, disse Roger Clemens, porta-voz da ASN e professor adjunto de Farmacologia e Ciências Farmacêuticas da Universidade do Sul da Califórnia (USC), à BBC Brasil.

“Mas esses produtos têm vantagens sobre o Soylent. Além de contarem com evidência clínica de segurança e eficácia, já foram aceitos pela comunidade médica, por órgãos regulamentadores e pelo público em geral.”

Por outro lado, a ASN concorda com o argumento de Rhinehart de que produtos naturais não necessariamente são melhores ou mais seguros.

A associação lembra que enlatados, assim como muitas outras tecnologias modernas, oferecem alimentos seguros e acessíveis que são tão nutritivos quanto aqueles recém colhidos da horta.

Antipatia

O Soylent desperta antipatia da parcela crescente da população americana que promove e compra produtos orgânicos em nome de uma uma alimentação natural e livre de ingredientes artificiais.

Cerca de 81% das famílias americanas dizem comprar alimentos orgânicos ao menos algumas vezes, de acordo com um relatório de 2012 da Associação de Comércio Orgânico (OTA, na sigla em inglês).

Esse mercado deve crescer 14% por ano até 2018, segundo a consultoria Research & Markets.
O médico Russell Saunders, colunista de saúde dos sites de notícia Daily Beast e Ordinary Times, diz que não recomendaria Soylent para seus pacientes nem trocaria um bom pedaço de bacon por um copo da bebida.

Saunders diz que, assim como muitos cientistas, teme que Rhinehart esteja inventando seus dados conforme desenvolve o produto e que o inventor não saiba “que está fazendo”.

As críticas mais ferozes vêm dos defensores de alimentos orgânicos e naturais.

Diz o site PricePlow, especializado em suplementos alimentares: “Em 30 anos, vamos estar morrendo de rir desse produto, ainda mais do que rimos hoje. Esses idiotas [do Soylent] vão prejudicar a saúde deles e a dos outros. Se você acha muito difícil fazer comida, é porque está fazendo errado”,

Dedicado a promover “um estilo de vida mais humano”, o site Rapture declarou que o Soylent é a “bebida mais odiada na internet”.

É comum que Rhinehart receba mensagens de pessoas declarando seu ódio ao produto. “Dizem esperar que o Soylent me cause câncer”, diz o inventor.

Nutrição ideal?

Rhinehart garante que o produto é mais barato que alimentos tradicionais, além de ser uma fonte de nutrição ideal.

Um dos seus objetivos é que o Soylent seja consumido em países em desenvolvimento, beneficiando populações menos privilegiadas.

Mas a comunidade de nutricionistas não assina embaixo dessas afirmações e promessas.

“Ainda não há uma definição de nutrição ideal. Os novos estudos têm mostrado que isso varia bastante entre cada indivíduo. A idade e a fase da vida em que a pessoa se encontram impactam bastante as necessidades nutricionais”, diz Clemens, da ASN.

Outra desvantagem do produto, segundo o especialista, é que ele elimina a mastigação, um aspecto importante da satisfação alimentar e da disponibilidade de nutrientes já que a capacidade de mastigar alimentos está associada a uma melhor qualidade de vida e saúde.

Ainda de acordo com Clemens, a distribuição de produtos como Soylent em países em desenvolvimento enfrenta desafios logísticos, como acesso a água potável, além de obstáculos relacionados à regulamentação, cultura e tradição locais.

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