11 anos após prêmio, único vencedor do Show do Milhão tem vida simples em Campo Grande
“Em que dia nasceu e em que dia foi registrado o presidente Lula?”, pergunta Silvio Santos, cobrindo parte da gravata rosa com seu tradicional microfone de peito. A distância entre os 5 mil reais de aposentadoria e o 1 milhão na conta corrente duraria 20 intermináveis segundos. O sul-mato-grossense, vestido com uma camisa verde aspargo, […]
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“Em que dia nasceu e em que dia foi registrado o presidente Lula?”, pergunta Silvio Santos, cobrindo parte da gravata rosa com seu tradicional microfone de peito. A distância entre os 5 mil reais de aposentadoria e o 1 milhão na conta corrente duraria 20 intermináveis segundos. O sul-mato-grossense, vestido com uma camisa verde aspargo, ouve a pergunta e diz em tom baixo: “Eu sei. Vou responder.”
Olha para os céus e agradece a Deus. Os 20 segundos passam e uma campainha soa. Está na hora de responder a pergunta que vale o prêmio máximo. “6 e 27 de outubro”, diz o emocionado e seguro Sidiney de Moraes. O dinheiro era dele. Até hoje, quando Sidiney, 78 anos, abre sua conta, sente os efeitos do dia 22 de outubro de 2003. Ele foi o único homem a derrotar Silvio Santos e ganhar 1 milhão de reais no programa “Show do Milhão”.
Em 7 de fevereiro de 1999, foi ao ar pela primeira vez o “Jogo do Milhão” – que mais tarde se transformaria em “Show do Milhão”. Inspirado no americano “Who Wants to be a Millionaire? (Quem quer se um Milionário?)”, o programa brasileiro era apresentado por Silvio Santos, todos os dias, às 22h (ou quando a novela da Rede Globo terminava).
Os participantes deveriam acertar 16 perguntas para conquistar 1 milhão de reais em barras de ouro. Na história do programa somente duas pessoas responderam à última pergunta: uma errou e Sidiney acertou.
Em março de 2002, Jair Hermínio da Silva deveria responder quantas letras possui o texto escrito no centro da bandeira do Brasil. A resposta certa era 15 letras, mas o professor mineiro respondeu 16, pensando que a inscrição era “Ordem ou Progresso” – o correto seria “Ordem e Progresso”.
Em 2000, apesar de Ana Lúcia Serbeto de Freitas Matos não ter respondido a “pergunta do milhão”, ela quase ganhou a quantia ao processar o SBT, afirmando que a pergunta – “A Constituição reconhece direitos aos índios de quanto do território brasileiro?’” – foi mal-formulada. Ana Lúcia pediu R$ 500 mil de indenização, mas, no final das contas, acabou ficando com 650 mil reais (R$ 500 mil pelo prêmio no programa e R$ 150 mil de indenização).
Quando Jair perdeu a bolada, Sidiney estava a quase 1000 km de distância do Centro de Televisão do SBT, sentado no sofá de seu apartamento em Campo Grande (MS), ao lado da mulher, Aldora de Moraes. Decidiu que estudaria muito para conseguir participar do programa e conquistar o grande prêmio.
Aos 10 anos de idade, Sidiney trabalhava como engraxate e vendia salgados na porta da penitenciária local. Apesar da vontade de estudar Direito, não fez faculdade e se tornou bancário em 1967, contratado como auxiliar de escriturário pelo Banco do Brasil. Ele se aposentou no BB depois de 28 anos de trabalho.
Comprou a coleção completa da Enciclopédia Barsa, livros de história e passou a estudar 8 horas por dia para participar do programa que assistia diariamente. Sidiney gravava o “Show do Milhão” para pesquisar as perguntas que não eram respondidas. Perguntas como “quantos por cento pesa o esqueleto de um elefante?” assustavam Sidiney, que anotou todas as perguntas do programa de 2000 até 2003 em 25 cadernos com as respectivas respostas corretas.
Para participar do “Show do Milhão”, Sidiney enviava mensalmente 80 cupons, que vinham encartados na “Revista do SBT”, para concorrer a uma vaga no programa. Os gastos mensais para tentar a sorte eram de aproximadamente 200 reais. Sidiney nunca foi sorteado.
Uma operadora de telefonia celular passou a patrocinar o quadro e, para divulgar o produto, fez uma promoção: quem comprasse um celular concorreria a uma vaga no programa. Foi o que fez Sidiney em 2003 e o que lhe valeu a vaga para tentar ganhar 1 milhão de reais. “Uso o mesmo celular até hoje, meus filhos quiseram me comprar um desses novos, mas eu não quero”, brinca o milionário.
Em 28 de agosto de 2003, depois de responder a 14 perguntas e ter ganhado 400 mil reais, Sidiney não desistiu quando teve que responder aquela que foi “a pergunta mais difícil do programa”, segundo a própria avaliação: “Quem foi o último rei da Macedônia?”. A resposta correta, Perseu, credenciou-o com 500 mil reais e a chance de conquistar o grande prêmio.
Voltou depois de 2 meses para responder a “Pergunta do Milhão”.
Hospedado no hotel Othon Palace, no centro de São Paulo, resolveu estudar sobre a vida dos presidentes, ao se lembrar de perguntas sobre Fernando Henrique Cardoso em programas anteriores. O milionário, que antes da vitória ganhava R$5 mil de aposentadoria por mês, apenas sabia a data de nascimento do presidente Lula (6 de outubro) e não a de batismo. “Acertei porque, nas quatro opções, só havia uma com o dia 6″, segreda. “Do contrário, eu teria desistido”.
Depois de um mês, 1 milhão de reais líquidos, sem qualquer desconto do imposto de renda, estavam em sua conta. Entregou 100 mil reais para cada um dos dois filhos (Sérgio, de 50 anos, e Sílvia, 49), 15 mil para um parente próximo e distribuiu 5 mil para alguns parentes e amigos. Sidiney garante que não houve nenhuma briga pelo dinheiro. “Mudou totalmente minha vida”, garante ele, que ainda possui mais da metade do dinheiro guardado em sua conta.
“Tenho cabeça boa”, diz. “Fiquei assustado com os jornais falando meu nome, mas nunca aconteceu nada comigo”. Com o prêmio, ele adquiriu o apartamento de 258m² no qual vive hoje, sozinho, no centro de Campo Grande, depois do falecimento da mulher, em 2007. Três anos depois, comprou também um Vectra 2006 e está com ele até hoje. Lê diariamente o jornal Correio do Estado e a revista Veja, e continua lendo seus livros de História. Apesar de Sidiney torcer pela volta do “Show do Milhão”, não acredita que ganharia de novo.
“Por mais de 15 anos, comprei, todo mês, nove cartelas da Tele-Sena e nunca ganhei nada”, conta. “O máximo que consegui foi acertar três números na Mega-Sena. Deus me ajudou naquele dia, mas acho que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar”. (Com reportagem de Lucas Strabko, originalmente publicado no Guia dos Curiosos)
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