Uso das reservas extrativistas divide opiniões de acrianos

Vinte e cinco anos depois do assassinato de Chico Mendes, as reservas extrativistas idealizadas por ele são um diferencial de áreas preservadas em meio a desmatamentos e longos pastos para a criação de gado. O modo de vida nesses locais não mudou muito: a simplicidade é a característica mais marcante. Inspiradas no modelo das terras […]

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Vinte e cinco anos depois do assassinato de Chico Mendes, as reservas extrativistas idealizadas por ele são um diferencial de áreas preservadas em meio a desmatamentos e longos pastos para a criação de gado. O modo de vida nesses locais não mudou muito: a simplicidade é a característica mais marcante.

Inspiradas no modelo das terras indígenas, que pertencem a União, as reservas extrativistas têm o objetivo de manter a floresta em pé extraindo dela produtos que possam ser comercializados, como o látex da seringueira, a castanha, o óleo de copaíba, o coco do babaçu e o açaí.

Chico Mendes não chegou a ver o sonho realizado, pois a primeira reserva só foi criada oficialmente em 1990. Com quase 1 milhão de hectares, a Reserva Chico Mendes, em Xapuri, foi a primeira das 12 existentes no Acre.

Nela, todos os dias, no início da manhã, Raimundo Mendes Barros, conhecido como Raimundão e primo de Chico Mendes, percorre as três estradas que possui no Seringal Floresta. Ele risca as 150 seringueiras e deixa os potes colher o leite. No fim da tarde, depois de cuidar da roça e dos animais, volta para recolher o látex.

Raimundão chega a tirar 10 quilos do produto por dia, que vende a quase R$ 8 para uma cooperativa. O destino do látex é a fábrica de preservativos Natex, instalada em Xapuri, que absorve praticamente toda a produção dos seringueiros. Além do látex, tem a castanha. “A castanha começa um preço e aí, na medida em que vão aparecendo outros mercados, vão colocando mais R$ 0,50, R$ 1 e ela vai subindo. Temos a expectativa que ela vá chegar a R$ 25, R$ 30 [a lata com 10 quilos].”

Em palestra no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), em maio de 1988, Chico Mendes explicou como seria o funcionamento das reservas. “Não queremos transformar a Amazônia em um santuário. O que não queremos é a Amazônia devastada”, defendeu na época. Chico Mendes tinha a convicção de que as reservas extrativistas tornariam a região economicamente viável.

“Temos certeza de que, com as reservas extrativistas, a Amazônia, no prazo de dez anos, se transformará em uma das regiões economicamente viáveis tanto para o Brasil como para o mundo porque nós temos muitas riquezas ali escondidas que até hoje não foram comercializadas”, disse aos estudantes da USP.

Mais de duas décadas após sua morte, as certezas de Chico Mendes dividem opiniões no Acre. A prática do manejo florestal, com a retirada seletiva de árvores adultas, e o modelo adotado pelos sucessivos governos acrianos para explorar a produção extrativista são criticados pelo historiador e professor da Universidade Federal do Acre Gerson Albuquerque. Filho de seringueiros, ele acredita que o legado de Chico Mendes está sendo distorcido.

“A questão não é econômica. A viabilidade é cultural. Eles [os extrativistas] provaram várias vezes que dentro da floresta produzem viabilidade cultural, quer o mercado aceite ou recuse. Agora, a reserva extrativista provou, mais de uma vez, que é viável, desde que o estado não interfira, desde que o estado vá lá dizer o que pode ou não fazer”, ressaltou Gerson Albuquerque.

Ele acrescentou que o governo tente impor aos extrativistas o que deve e o que não deve ser cultivado. “Que o estado não vá lá dizer que se não produzirem a pimenta longa não terá recurso no banco. Se não produzirem pupunha não terão recursos. Se não retirarem a madeira não terão recursos. Quando o estado faz isso, os obriga a fazer concessões e aí buscar viabilidade econômica”, disse.

Já o secretário de Meio Ambiente do Acre, Edgar de Deus, defende o modelo e lembra que o mercado impõe regras e organização na oferta dos produtos, inclusive os retirados da floresta. Segundo ele, apesar do crescimento do rebanho bovino e do manejo florestal, o estado tem reduzido os índices de desmatamento.

“Lógico que quando a gente vai pensar em um processo de desenvolvimento lá para um reserva extrativista [é necessário considerar] que estamos em um mundo capitalista e não socialista, temos regras de mercado e temos que trabalhar nessa perspectiva. Tirar esse povo da miséria secular que ele vem vivendo”, frisou o secretário.

Edgar de Deus ponderou que o modo de vida dos extrativistas é respeitado quando o governo do Acre abre possibilidades de uso de recursos para a produção. “Mas temos que ter uma perspectiva de mercado. Quando se extrai a castanha, se extrai a borracha, produz uma camisinha, você está visualizando uma perspectiva de mercado sem, no entanto, perder o elo principal que é o [o aspecto] cultural dessas populações”, argumentou.

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