Presas e enfermeiros denunciam ‘enrolação’ no parto para evitar internação de grávidas

Detentas e profissionais de saúde afirmam que as grávidas ficariam ‘rodando de ambulância’ até a hora de dar à luz e não teriam acesso a acompanhamento da gravidez. Agepen nega.

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Detentas e profissionais de saúde afirmam que as grávidas ficariam ‘rodando de ambulância’ até a hora de dar à luz e não teriam acesso a acompanhamento da gravidez. Agepen nega.

Detentas e profissionais da área de saúde denunciam descaso sofrido por presas grávidas e negligência durante a gravidez nas unidades prisionais de Mato Grosso do Sul. O acesso ao atendimento pré-natal, direito básico das mulheres no Brasil, seria dificultado pela falta de estrutura.

As condições precárias incluiriam ainda a falta de exames para garantir a saúde do bebê e a exposição a locais insalubres, sem higiene adequada, segundo as reclamações. Na hora do parto, a situação seria ainda pior. “As detentas ficam horas e horas rodando na ambulância até o parto começar, para então serem levadas ao hospital. Acho que fazem isso para evitar a internação”, diz uma enfermeira.

No presídio Irmã Irma Zorzi, detentas confirmam as dificuldades entre as colegas gestantes, que vivem preocupadas com a saúde dos bebês. “A escolta pra levar a gente até a maternidade só aparece na última hora, quando a gente já está praticamente parindo”, confirma uma presa.

“Muitas aqui tiveram os bebês dentro da ambulância sim, porque não deu tempo de chegar, internar, fazer tudo direitinho”, relata.

Nas unidades de saúde, a forma como as mulheres são tratadas revolta profissionais da saúde. “O descaso do poder público é escancarado na porta da maternidade. A escolta só traz as grávidas quando já estão dando à luz, para não interná-las como se fossem fugir. Quando chegam aqui já estão parindo e só querem é ver o bebê”, diz um funcionário de uma das maiores maternidades de Campo Grande.

Ele confirma que inúmeras vezes viu bebês nascerem dentro da ambulância, sem cuidados básicos com a higiene ou preocupação com a possibilidade de a mãe precisar de assistência na sala de operações. “Ficamos de mãos atadas, sem recursos. Já explicamos que é preciso trazer as detentas e interná-las, mas não adianta reclamar”, diz.

A detenta Fabrícia Gomes dos Santos, que está grávida, vive dias de tensão e preocupação. Ela diz que já ouviu diversas vezes que na hora do parto não será socorrida. “Eles ficam ameaçando, dizendo que, se eu passar mal, não vão dar escolta”, diz.

Falta de exames

Quem também reclama da falta de exames é Jéssica Moraes Rios, 27 anos. Segundo ela, para fazer ultrassom é uma dificuldade. A reclusa diz que os exames de pré-natal não são feitos com a frequência devida e teme que alguma mãe perca o bebê por falta de acompanhamento.

Segundo Jéssica, ela mesma já teria perdido um bebê e tido o feto retirado quatro dias após já estar morto. “Ficaram me enrolando. Só depois de quatro dias que o bebê morreu que me levaram para tirar o meu filho. Mas, fica tudo escondido”, conta.

Outra presidiária, Maria Arlete de Souza Soares, ainda diz que se não bastasse a dificuldade enfrentada no parto a volta para o presídio é ainda mais complicada. “Meu filho tem um mês e até agora não fez o exame do pezinho. Eles ficam enrolando”, reclama.

Condições insalubres

Outra reclamação é quanto às condições de higiene do alojamento. Segundo Maria Arlete  há muitas baratas no local. Ela ainda reclama das condições precárias da escada, que segundo ela, está caindo aos pedaços. “É um risco para as grávidas e para as mães com bebês de colo”, diz.

Outra detenta afirma que a situação é tão complicada que, por medo de algum inseto atacar o bebê, ela coloca algodão no ouvidinho dele todas as noites. “E se entrar um bicho nele. Quem vai tirar? Quem vai cuidar? Morro de medo”, diz.

Outro lado

A Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, responsável pela escolta das detentas até as unidades de saúde, diz que não recebeu nenhum tipo de reclamação neste sentido. Segundo a assessoria, a polícia não tem conhecimento de que exista alguma irregularidade no transporte das presidiárias.

A PM ainda informa de que, caso haja algum problema quanto ao transporte das detentas ou qualquer outro que envolva policiais militares, a denúncia deve ser feita diretamente na Corregedoria. Conforme a assessoria, se não há denúncia feita ao órgão fiscalizador da polícia não tem como eles verificarem se existe ou não o problema.

A Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) diz que vai apurar a veracidade da denúncia para pedido de providências.

Com relação à falta de higiene, informa de que a limpeza das celas é feita pelas próprias reeducandas com material de limpeza fornecido pela administração do presídio. E que são realizadas dedetizações regulares, “tudo acompanhado pelo Ministério Público Estadual”.

Quanto aos atendimentos médicos (clínico-geral), a Agepen explica que são realizados diariamente no Estabelecimento Penal Feminino “Irmã Irma Zorzi” e que uma vez por semana, no próprio presídio, a internas gestantes recebem atendimento especializado de um ginecologista e os bebês de um pediatra.

Em relação aos casos emergenciais que ocorrem fora do período em que o médico está no presídio são encaminhados para o posto de Saúde. Informa ainda de que todas as custodiadas gestantes estão inseridas no Programa Mãe Morena, com o pré-natal em dia. Cabendo ressaltar que os exames, de  forma geral, são agendados na Rede SUS e obedecem aos prazos estabelecidos pelo sistema.

Sobre a detenta que disse ter perdido o bebê e que foi retirado dias depois, a assessoria disse que os prontuários comprovam que ela nunca esteve grávida.

(Matéria editada às 9h50 para correção de informação)

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