Olimpíada do Rio “poderá gerar legado de consumo sustentável”
Apesar de o consumo sustentável de pescado ainda ser mais exceção do que regra no Brasil, uma série de iniciativas já começam a mudar o cenário no país, seguindo a tendência de países desenvolvidos. Na terça-feira, o Comitê Organizador da Olimpíada do Rio de Janeiro 2016 firmou um memorando de entendimento, juntamente com o governo […]
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Apesar de o consumo sustentável de pescado ainda ser mais exceção do que regra no Brasil, uma série de iniciativas já começam a mudar o cenário no país, seguindo a tendência de países desenvolvidos.
Na terça-feira, o Comitê Organizador da Olimpíada do Rio de Janeiro 2016 firmou um memorando de entendimento, juntamente com o governo do Estado, no intuito de garantir que todos os peixes e frutos do mar servidos nos principais restaurantes e consumidos por atletas, jornalistas e organizadores durante os Jogos Olímpicos e a Paraolimpíada sejam certificados – ou seja, tenham sido comprovadamente capturados seguindo práticas sustentáveis.
Para levar a cabo o projeto, que deve abranger um número estimado em 14 milhões de refeições no período dos eventos, foram fechadas parcerias com as entidades MSC (Marine Stewardship Council) e ASC (Aquaculture Stewardship Council) para possibilitar a certificação de cinco pescarias (nesse caso, o nome se refere a áreas geográficas onde existe a pesca), além de locais onde é praticada a aquicultura.
A proposta de certificação abrange 13 espécies de pescado. Entre as espécies marinhas que devem ser incluídas no projeto caso recebam o selo da MSC (as pescarias ainda estão sendo pré-avaliadas, para verificar se há problemas) estão lula, tainha, namorado e camarão rosa.
Para Laurent Viguie, gerente da MSC no Brasil, a iniciativa, que segue o exemplo de Londres durante a organização da Olimpíada de 2012, “vai mudar completamente o ‘panorama’ de sustentabilidade no Estado do Rio”, além de servir como inspiração para outros Estados brasileiros.
“O objetivo não é apenas suprir a demanda dos Jogos Olímpicos, mas criar um legado para essas pescarias, no qual a certificação vai melhorar a vida de muitas pessoas no setor de pesca artesanal no futuro.”
Aquicultura
Uma das maiores apostas do governo para ampliar a oferta de pescado sustentável no momento é a aquicultura, que ainda é pouco disseminada em relação aos peixes de água salgada (maricultura).
A assessoria do Ministério da Pesca e da Aquicultura disse à BBC Brasil que acredita que a aquicultura “será uma grande aliada para garantir a sustentabilidade ambiental nos rios e oceanos “.
De fato, refletindo essa visão, a aquicultura cresceu 31% no país em 2011 em relação ao ano anterior. Mas, para ser considerada sustentável e proteger as espécies de pescado, precisa seguir critérios rígidos que minimizam seu impacto sobre a natureza, algo que nem sempre é feito.
Guilherme Dutra, diretor do programa marinho da ONG Conservação Internacional (CI), diz que, no caso da maricultura, as práticas predominantes ainda não são ideais.
“O principal produto produzido é o camarão asiático, criado em fazendas que em geral utilizam um pacote tecnológico ultrapassado, que se mostrou insustentável em várias partes do mundo”, afirma.
Mas há iniciativas que geram otimismo. “Conheci uma nova tecnologia de produção que está sendo produzida pela Universidade Federal do Rio Grande (RS). Trata-se de um sistema probiótico, onde aposta-se na criação de um sistema biológico repleto de algas e outros micro-organismos”.
“Parece ser um modelo promissor, embora ainda esteja no início”, completa.
Pescadores
Outra frente que é citada para o desenvolvimento da pesca sustentável é aumentar o conhecimento dos próprios pescadores, já que no Brasil a maior parte da pesca é artesanal e a maioria dos trabalhadores não sabem como minimizar o impacto de suas atividades.
A bióloga Mariana Bender realizou uma pesquisa com pescadores do extremo sul da Bahia para verificar não só o estado dos estoques de alguns peixes outrora comuns nos mercados da região, mas também o conhecimento dos pescadores sobre o impacto de seu trabalho.
“Os pescadores mais velhos e mais experientes têm consciência de que as atividades pesqueiras contribuíram para reduzir os estoques, mas os mais jovens, que não viram as mudanças ambientais ao longo dos anos, não percebem isso”.
“Eles podem, sim, fazer da pesca algo mais ‘sustentável’, mas dependemos fortemente da fiscalização das autoridades. Acho difícil que esta prática sustentável seja uma iniciativa dos próprios pescadores”, opina.
Ainda assim, a CI, com o apoio da MSC, está iniciando projetos com comunidades de pescadores da região para a produção de pescado sustentável. Espera-se que os primeiros peixes produzidos nessa iniciativa de pesca extrativa cheguem ao mercado em 2016.
No litoral paulista, outra iniciativa, o projeto Pescador Amigo da ONG Projeto Biopesca, também realizará atividades para capacitação de pescadores em práticas de pesca sustentável. O objetivo é realizar 20 cursos de capacitação de quatro horas cada pelo menos 300 pescadores da região.
“Os pescadores ‘sentem’ na pela a redução dos estoques pesqueiros, todos (…) relatam a queda na produção”, diz Carolina Bertozzi, diretora da ONG.
“Muitos interpretam a queda na produção com a poluição. Não que esta não tenha sua parcela de culpa, mas a intensa queda está fortemente influenciada pelo aumento no esforço de pesca. Portanto eles possuem consciência do problema, mas falta informação correta.”
Guia de consumo responsável
Outra proposta do projeto, patrocinado pela Petrobras, é atualizar e modernizar o Guia de Consumo Responsável de Pescado, lançado em 2009 pela Unimonte, uma universidade de Santos (SP) em parceria com outras organizações.
O guia, originalmente na forma de um folheto que cabe no bolso, traz uma lista de peixes marinhos que costumam ser consumidos pelos brasileiros, juntamente com uma classificação, baseada em levantamentos científicos, de quão em risco eles estão devido ao consumo descontrolado.
Com o uso do guia, o primeiro do gênero do Brasil, cientistas esperam ampliar o consumo consciente pelo lado da demanda, ou seja, mudando os hábitos do consumidor. Em outras palavras – espera-se que o consumidor, ao saber que certa espécie está em risco, a troque seu consumo pelo de outra em menor risco.
Cintia Miyaji, bióloga da Unimonte e uma das responsáveis pelo guia, diz que ele teve uma “enorme repercussão, possivelmente pela escassez de iniciativas desse gênero no país”.
Como parte do projeto Pescador Amigo, a expectativa é de que, até 2014, o guia seja atualizado e reformulado. Deve ser criada uma nova página na internet para ele, além de um aplicativo para smartphone.
Restaurantes e supermercados
Por fim, outra estratégia que já vem surgindo no Brasil para incentivar a pesca e o consumo consciente de pescado é a maior distribuição, por grandes redes de supermercados e restaurantes, de pescado com selos de certificação.
Carolina Bertozzi confirma que tem percebido “um aumento da preocupação, tanto de donos de restaurantes como de grandes mercados” com a questão.
Para Cintia Miyaji, tais esforços refletem uma tendência global, mas atingem uma parcela pequena dos consumidores. Dessa forma, trata-se de uma solução limitada.
“Há uma parcela de empresários do ramo comercial que passou a ter nos últimos tempos uma ‘conscientização’ sobre consumo sustentável, como os modelos de supermercados ‘verdes’”, diz.
“Essa é um demanda globalizada, com o aumento da conscientização do mercado norte-americano e europeu. Estamos tentando seguir os mesmos passos nas camadas mais elitizada e teoricamente mais bem informadas da população.”
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