O fotógrafo Sérgio Silva, 32, perdeu o olho esquerdo ao ser alvejado por um policial militar enquanto cobria os protestos contra o aumento da tarifa em São Paulo, quase seis meses atrás, no dia 13 de junho. Sem conseguir trabalhar, contou com a ajuda de familiares e amigos para pagar as contas –-só o atendimento no hospital custou R$ 3.200. Questionado sobre uma possível ajuda do governo, Silva é categórico: “Nenhuma”.

“Desde o 13 de junho o Estado se manteve mudo. Talvez até cego, mais do que eu, por não ter me enxergado. Durante os dois dias que passei internado eles não ligaram nem para a assessoria do hospital para saber do meu estado de saúde”, afirmou.

Segundo ele, “se depender do governo e dessa politicagem que há na polícia, não vão entregar nem um lenço pra minha mãe chorar, para enxugar as lágrimas. E isso é algo que ela tem feito bastante desde que fui baleado”.

Procurados, o Governo do Estado e a Polícia Militar não quiseram comentar as afirmações.

Impacto psicológico

Além da perda do olho, o incidente deixou cicatrizes psicológicas. “Até hoje eu ainda me sinto uma pessoa insegura para andar sozinho na rua. Quando ouço algum barulho, algo que lembre explosão, eu fico completamente abalado”, afirmou.

Silva não foi o único atingido pelo incidente. Sua filha mais nova, de sete anos, passa por tratamento psicológico para superar o trauma. “Assim que tive alta do hospital e fui para casa, eu me assustava sem motivo. Estava sentado no sofá e fazia um gesto brusco, um espasmo acompanhado de uma espécie de grito. Minha filha começou a ter o mesmo tipo de sintoma”, diz.

Segundo ele, a psicóloga trabalha com a hipótese de que a menina esteja sofrendo com sequelas pelo trauma sofrido pelo pai. “Mesmo não falando que está com medo, ela tem esse comportamento igual ao meu”, disse o fotógrafo.

Trabalho

Durante os três meses em que ficou afastado do trabalho, Sérgio contou com a ajuda da familiares e amigos. “Minha esposa se desdobrou trabalhando [para pagar as contas]. Como eu era freelance minha renda dependia da produção. Nisso as contas acumularam”, afirmou.

A retomada da atividade profissional, segundo ele, vem sendo feita de forma gradativa, “até porque não estou 100% apto”.

“Tecnicamente eu não sou mais o mesmo profissional. Perdi a profundidade de campo, não tenho noção de foco, nitidez. Não tenho a precisão de antes. Isso me deixa inseguro para atuar”.

Atualmente Silva conta com a ajuda de amigos para fazer pequenos trabalhos, além de estudar edição de vídeo.

“Sou eu contra o Estado”

A estudante Anne Melo, 20, detida por desacato durante um protesto realizado em outubro, no centro do , participará na próxima segunda-feira (9) de uma audiência judicial na qual ficará de frente para o tenente que lhe deu voz de prisão, identificado apenas como Ávila.

A jovem tornou-se um dos personagens das manifestações no Rio após ser chamada de “gostosa” por um agente da Tropa de Choque da PM.

“Ainda não sei bem como refletir a respeito do que aconteceu. Só vou saber depois da audiência. Eu vou encarar o Estado. É a Anne contra o Estado. Tudo vai acontecer como tiver que acontecer”, disse ela, que não descarta a possibilidade de uma conciliação.

“Vou continuar lutando e buscando o meu direito. Mas agora tudo depende do meu advogado”, completou.

Anne contou ao UOL que, depois de ser detida, nunca mais participou de manifestações. “O problema é o receio de ser agredida. Amigos meus foram agredidos e não tinham nada a ver com isso. Foram presos só porque estavam passando na rua. As pessoas ficam com medo de ir para a manifestação e tomarem um tiro”, afirmou.

Após ser chamada de “gostosa”, na versão da estudante, ela afirmou ter hostilizado a guarnição da Tropa de Choque que passava pela sua rua –com adjetivos como “ratos”, “imundos” e “cachorrinhos do Cabral”.

Pouco depois, acabou recebendo voz de prisão do tenente Ávila (que não é o mesmo que supostamente a chamou de “gostosa”).

Um vídeo divulgado nas redes sociais mostra o momento em que a jovem foi detida sob acusação de desacato. Anne foi levada pelos policiais militares à 12ª DP (Copacabana), na zona sul do Rio, onde a foi registrada.