Desde que a fumaça branca deu a Jorge Mario Bergoglio a cadeira mais importante da Basílica de São Pedro, surgem histórias sobre a vida do jesuíta que está revolucionando a Igreja, mas não de seu lado político, como fez Marcelo Larraquy em “Recen por él” (“Rezem por ele”, em tradução livre).

Há algum tempo o papa argentino luta para mudar a cara da Igreja e reaproximá-la do povo. Mas, dentro dos muros do Vaticano, existe um Bergoglio menos religioso e mais político que mantém outra luta: contra a articulada hierarquia religiosa de uma igreja cheia de segredos e escândalos.

“Recen por él”, é uma biografia sobre alguém entregue ao trabalho pastoral, mas também o retrato de um homem prático e político que se distancia da imagem de pureza do Francisco adorado pelas multidões.

“Ele é um político nato, tem a questão franciscana. Mas uma das suas virtudes como homem político foi sua falta de interesse por bens materiais, o que lhe dá muito mais força”, explicou à agência EFE o autor.

O título evoca a frase “rezem por mim”, que o papa usa tanto quando está com seus amigos mais próximos, como quando fala para os fiéis e chefes de estado.

Larraquy conta que a ideia do livro surgiu da necessidade de investigar o papel de Bergoglio durante os anos mais sangrentos da última ditadura militar argentina (1976-1983) e da curiosidade pelo estranho caso de Emanuela Orlandi, uma jovem de 15 anos, filha de um cidadão local, que desapareceu de forma misteriosa há quase 30 anos na cidade do Vaticano.

O autor narra o caminho percorrido por Jorge Bergoglio desde a infância no bairro de Flores, até a entrada na Igreja, para a ordem jesuíta.

Acima de tudo, são analisados “elementos menos conhecidos” de sua época no comando da Companhia de Jesus na Argentina nos anos 70. É o período em que foram sequestrados e torturados vários padres envolvidos com trabalhos em setores mais pobres, ligados a Teologia da Libertação, acusados de praticar o pensamento marxista.

“Ele tinha uma posição quase conservadora frente aos padres do terceiro mundo. Bergoglio foi, de alguma maneira, uma barreira para as mudanças ideológicas”, afirmou Larraquy.

Embora Bergoglio tenha dado asilo e ajudado a tirar do país várias pessoas perseguidas pelo regime militar argentino, ele não se posicionou politicamente frente a um sistema que cometia crimes contra os direitos humanos por causa da hierarquia eclesiástica.

Além disso, ainda restam questionamentos sobre o sequestro e tortura de Orlando Yorio e Franz Jalics, dois padres jesuítas que Bergoglio não protegeu o suficiente.

Essa é uma parte confusa do passado do papa e que ainda o persegue, embora, após a investigação realizada para este livro, Larraquy afirme que não acredite que o então chefe jesuíta tivesse culpa.

O livro apresenta ainda outras polêmicas como o aborto, o casamento homossexual e a política de “Memória, Verdade e Justiça” que marcaram seu distanciamento dos governos de Néstor e Cristina Kirchner.

O autor contextualiza a escolha de Francisco a um momento muito delicado da história recente do Vaticano, após a decisão de Joseph Ratzinger de abandonar o cargo à frente da Igreja, o caso dos documentos internos conhecidos como “Vatileaks”, questões envolvendo pedofilia e fraudes bancárias.

Larraquy afirmou que “Francisco tenta fazer a Igreja olhar para os pobres”, parar de olhar “para si mesma” e abrir as portas para as pessoas.

Seu papel dentro dos muros do Vaticano é outro, já que como papa “estrangeiro” ele diminuiu o poder da toda poderosa Cúria que enfrenta a limpeza institucional, enquanto diferentes facções lutam para ficar no poder.