Médica suspeita de mortes em UTI vê “maior erro investigativo da história” em inquérito
Em manifesto público divulgado nesta sexta-feira (22), a médica Virgina Helena Soares de Souza afirma que o inquérito em que a polícia a coloca como suspeita de “antecipar mortes” na UTI (unidade de terapia intensiva) do Hospital Evangélico, em Curitiba, é o “maior erro investigativo e midiático da nossa história”. A médica está sob prisão […]
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Em manifesto público divulgado nesta sexta-feira (22), a médica Virgina Helena Soares de Souza afirma que o inquérito em que a polícia a coloca como suspeita de “antecipar mortes” na UTI (unidade de terapia intensiva) do Hospital Evangélico, em Curitiba, é o “maior erro investigativo e midiático da nossa história”.
A médica está sob prisão preventiva desde terça-feira (19). O delegado-geral de polícia do Paraná, Marcus Vinícius Michelotto, garantiu que há “provas, indícios de autoria e materialidade” contra a médica, frutos de um ano de inquérito. Virginia foi indiciada por homicídio qualificado.
“Investigamos a antecipação de mortes dentro da UTI geral. Para nós, trata-se de homicídios”, afirmou a delegada-titular do Núcleo de Repressão aos Crimes Contra a Saúde (Nucrisa), Paula Brisola.
“A polícia foi inconsequente. Para que haja homicídio qualificado, como diz a polícia, é preciso de um laudo dizendo que a morte de alguém foi causada por alguém. Isso não existe [no inquérito]”, argumentou o advogado de médica, Elias Mattar Assad, em entrevista à imprensa concedida nesta sexta-feira (22) à tarde em seu escritório.
No evento, a que levou o filho, ex-colegas e o pai de uma antiga paciente para defender Virginia, Assad não poupou críticas ao processo de investigação. Qualificou-a de “desastrosa”, disse que “não há fatos, mas apenas boatos” contra sua cliente e afirmou que a polícia foi “precipitada” e “inconsequente”. Antes, distribuíra aos jornalistas a carta de Virginia (leia a íntegra abaixo), que ele também assina.
“Minha cliente é uma pessoa mentalmente sadia, que nunca teve um problema ético-disciplinar no CRM (Conselho Regional de Medicina) em sua carreira. De repente, se viu ‘monstrificada’ (sic), a ponto de não sabermos se ela pode sair na rua com segurança. Ela virou a ‘doutora Morte’”, falou. “A polícia chegou a infiltrar um agente na UTI, que se passou por enfermeiro em dezembro passado. Ele não fez relatório nenhum, não foi capaz de produzir uma única prova dela [Virginia] matando alguém. Não consta do inquérito nenhum indício produzido por esse agente”, criticou o advogado.
Procurada pela reportagem do UOL, a Polícia Civil disse que não iria comentar as críticas, pelo fato do inquérito ser sigiloso. “Mas ele [Assad] já revelou pontos sigilosos da investigação, como o agente infiltrado na UTI. Assim, desrespeitou uma decisão judicial”, ironizou um funcionário da polícia.
Calamidade artificial
“Sustento a inexistência dos fatos [atribuídos pela polícia à médica]. Não há uma única pessoa morta por causas artificiais na UTI do Evangélico. As causas das mortes estão nos atestados de óbito”, disse. Segundo Assad, o inquérito apura a morte de seis pacientes –a informação não havia sido divulgada pela polícia, sob o argumento de que o caso corre sob sigilo.
“No inquérito, temos apenas familiares de pacientes e funcionários declarando o que acham que aconteceu na UTI. Eles podem estar ingenuamente bem intencionados, inconformados com a morte de pessoas queridas. Mas a ciência do direito não pode se satisfazer com boatos. Precisamos de fatos. Todos que morreram na UTI do Evangélico tiveram os óbitos atestados por outros médicos, e corroborados pelo IML (Instituto Médico Legal) no caso de mortes violentas”, criticou.
“Esse caso é uma calamidade artificial. Nenhum crime ficará provado. A investigação irá desaguar no nada. Duvido que o Ministério Público poderá sequer oferecer ação penal [à Justiça], por falta de provas”, falou o advogado.
Assad também refutou que a médica oferecesse tratamento diferenciado a pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde), como chegou a sugerir a polícia. “Ora, 90% dos pacientes atendidos na UTI do Evangélico são custeados pelo sistema público. Ela garante que nunca tratou alguém de maneira disforme. Quanto a funcionários que se queixam de maus-tratos, temos queixas, ou reclamações à polícia? Se não tivermos, trata-se de mais acusações sem provas.”
O termo “desentulhar a UTI”, que teria sido dito pela médica numa conversa telefônica interceptada pela polícia e divulgado por uma emissora de TV de Curitiba, foi mal-interpretado, segundo ele. “No depoimento que prestou quando foi presa, ela explicou que falava em mandar para quartos pacientes em condições, para abrir vagas para casos de emergência.”
Assad anunciou que, na segunda-feira (25), irá pedir à Justiça para que coloque em liberdade sua cliente. “Até porque prisão temporária tem que ter utilidade. Desde que está presa, [Virginia] não foi chamada para um único depoimento. A prisão dela perdeu o sentido, assim com a investigação vai perder em breve.”
“Minha mãe sempre foi grosseira”, diz filho
Chamado pelo advogado para falar em defesa da mãe, o professor de música Leonardo Prisco de Souza Marcelino disse que ela “sempre foi uma pessoa grosseira”. “Com o passar dos anos, por ter um temperamento forte, minha mãe criou muito mais inimigos que amigos. Mas poderia ser acusada de qualquer coisa, menos de falta de compromisso com pacientes”, disse.
Para ele, o inquérito contra Virginia tem “motivos pessoais”. “Ela [a médica] atribui as denúncias a equívocos na interpretação do que dizia durante o trabalho”, disse Assad. “Mas chama a atenção que nenhum médico falou contra ela [à imprensa ou à polícia]”, prosseguiu Marcelino.
Ele disse que chegou a “ajudar a mãe com o trabalho no hospital”, mas em “serviços externos”. Apesar disso, e de admitir que sabia que Virginia tem em seu nome uma empresa de equipamentos médicos, falou desconhecer se ela seria proprietária de instrumentos usados na UTI do Evangélico –conforme sugerido em reportagens. O hospital nega que alugue equipamentos da médica.
Enfermeira no Hospital Evangélico, Liliane Andrade trabalhou por dois períodos na UTI –a última vez entre novembro passado e janeiro. “Nunca ouvi ordem alguma [dada por Virginia] de mexer em respirador [como chegaram a afirmar à imprensa colegas dela, sem se identificar]. Isso é procedimento reservado a médicos, não é nossa função. É estranho que colegas digam isso”, afirmou.
95% dos funcionários têm aversão a Virginia
Liliane fez coro ao diretor clínico do Evangélico, o pediatra Gilberto Pascolat, que disse ontem ao UOL que a personalidade “exigente” e “ríspida” de Virginia poderia ter motivado denúncias contra ela. “De fato, ela é uma pessoa ríspida. Alguns colegas deviam ter medo, até mesmo raiva dela, por causa disso.”
Também enfermeiro e ex-funcionário do Evangélico, Claudinei Machado Nunes trabalhou pela última vez ao lado de Virginia entre 2008 a 2011. “Um técnico de enfermagem não tem conhecimento técnico [sobre todos os procedimentos aplicados a pacientes] para criticar a conduta de um médico especialista, um intensivista. E por que quem fala não mostra a cara? Isso é muito estranho”, disse.
Para Nunes, “95% dos funcionários do Evangélico têm aversão a ela [Virginia], por ser extremamente rígida.”
Pai de uma ex-paciente de Virginia, o policial civil aposentado José Carlos de Oliveira afirmou que a médica “era chamada de demônio pelos funcionários e de anjo pelos pacientes”. “Mas nada do que vi ou ouvi nos últimos dias condiz com o procedimento dela. Se precisasse novamente, gostaria de ser atendido por ela.”
Colega de Assad, a advogada Rosane Francisca Kendrick Pereira, última pessoa a se sentar para falar em defesa de Virginia na entrevista, disse ter se sentido “devedora do depoimento”. “Estive uma semana numa UTI em outro hospital em janeiro de 2009. Tinha a sensação de que toda a equipe queria me matar. Depois que saí dali, descobri que é uma alucinação, que a maioria das pessoas passa por esse transtorno, causado pela medicação e pela falta de oxigenação”, argumentou.
Íntegra da carta da médica e do advogado
“O livre exercício da medicina está em risco no Brasil. A prosperar o movimento da polícia paranaense no caso da médica subscritora, colocando-se em dúvida, sem provas válidas pré-constituídas, os procedimentos e critérios científicos de terapia intensiva, atestados de óbitos, laudos do IML e afins, doravante tudo será questionado e os profissionais da área serão completamente desmoralizados: se um paciente der entrada na terapia intensiva e vier a óbito, dirão no mínimo que foi imperícia ou até mesmo homicídio qualificado. O óbito ou eventuais sequelas naturais serão sempre debitados aos médicos, com os transtornos decorrentes (prisões, agressões, questionamentos éticos, exposições públicas irreparáveis e aborrecimentos sem fim).
A ciência médica não pode ser relativizada ou mesmo inviabilizada no seu livre e ético exercício, pelos altos riscos a que doravante estarão expostos os seus profissionais, mormente socorristas e intensivistas que trabalham diuturnamente na tênue fronteira da vida e da morte.
Da leitura atenta dos autos do inquérito, com meu advogado, não está provada sequer a existência do fato, quanto mais materialidade de qualquer crime.
É a presente para perpetuar a memória do que está se constituindo no maior erro investigativo e midiático da nossa história. Pedimos especial atenção e minucioso acompanhamento da comunidade científica; e que toda pessoa que conhece realmente o trabalho da médica subscritora que se apresente e se declare.
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