Marinha nega ocultação de documentos de vítimas da ditadura
A Marinha do Brasil negou, em nota divulgada na noite desta terça-feira (21), que tenha ocultado documentos sobre vítimas da ditadura militar já no período democrático. A acusação foi feita hoje pelo grupo que coordena a Comissão Nacional da Verdade. “A Marinha esclarece que todos os registros existentes nos arquivos da Instituição, solicitados pelo Ministério […]
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A Marinha do Brasil negou, em nota divulgada na noite desta terça-feira (21), que tenha ocultado documentos sobre vítimas da ditadura militar já no período democrático. A acusação foi feita hoje pelo grupo que coordena a Comissão Nacional da Verdade.
“A Marinha esclarece que todos os registros existentes nos arquivos da Instituição, solicitados pelo Ministério da Justiça (MJ), por meio do Aviso Ministerial nº 106/1993, foram encaminhados àquele órgão, em 5 de fevereiro de 1993, pelo Aviso Ministerial nº 24/1993”, diz a nota.
Segundo a Marinha, “não há qualquer outro registro nos arquivos desta Força, diferente daqueles encaminhados ao MJ naquela ocasião”. A nota diz ainda que o órgão militar “continuará contribuindo para a consecução das tarefas desempenhadas pela Comissão Nacional da Verdade, colocando-se à inteira disposição para o atendimento de qualquer demanda que esteja ao seu alcance”.
Acusação
Na apresentação dos resultados produzidos durante o primeiro ano de funcionamento da Comissão Nacional da Verdade, o grupo que coordena os trabalhos acusa a Marinha brasileira de ocultar da Presidência da República, do Ministério da Justiça e da Câmara dos Deputados, já no período democrático, documentos referentes a vítimas mortas durante a ditadura militar.
O cruzamento de um prontuário secreto da Marinha de dezembro de 1972 com um documento de 1993 enviado pela própria Marinha ao governo Itamar Franco revela discrepância de informações a respeito do paradeiro de pessoas.
Segundo a comissão, esse relatório sigiloso do Cenimar (órgão de espionagem da Marinha) traz uma relação extensa de nomes de pessoas que o regime sabia que estavam mortas até aquele mês de 1972.
No entanto, em 1993, o então presidente Itamar Franco solicitou dados à Marinha sobre desaparecidos, e a comissão conseguiu cruzar ao menos 11 nomes, incluindo o de Rubem Paiva, que constam do prontuário, mas que a Marinha informou que tinham desaparecido ou fugido.
“É o primeiro documento oficial que diz que Rubem Paiva está morto, mas, em 1993, a Marinha informa que ele fugiu e seu paradeiro é desconhecido”, afirmou a historiadora Heloísa Starling, que faz parte do grupo de pesquisadores da comissão.
“Cruzamos os documentos e chegamos a 11 nomes nesta avaliação parcial. A Marinha brasileira ocultou deliberadamente documentos já no período democrático. O culto ao segredo na Cenimar [órgão de informação a Marinha] é levado até as últimas consequências. E foi um dos organismos mais ferozes no interior da estrutura repressora.”
Segundo a comissão, os prontuários da Marinha sobre essas 11 pessoas somam 12.072 páginas, mas não foram disponibilizados ou entregues ao presidente Itamar Franco.
Esclarecimentos
Indagada se a questão já havia sido levada ao conhecimento do Palácio do Planalto para cobrar esclarecimentos da Marinha, a coordenadora da comissão, Rosa Cardozo, disse que não poderia antecipar desdobramentos das ações do grupo.
Presente na plateia, o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) pediu a palavra e informou que pretende enviar requerimentos às Forças Armadas para que prestem esclarecimentos ao Congresso. “Supõe-se que a mentira de 1993 não vai ser reiterada”, afirmou.
Maria Rita Kehl, integrante do colegiado, rebateu as críticas por parte das Forças Armadas de que a comissão mancharia a honra delas. “Foram as Forças Armadas que mancharam a sua honra com essas práticas e hoje podem recuperar a sua honra colaborando com a comissão.”
Tortura antes da luta armada
Na apresentação do balanço, também foram exibidos documentos da Marinha que reconhecem o uso de violência por agentes do Estado sobre seus próprios agentes a ponto de incapacitá-los para o trabalho.
Outro documento revelado pela comissão, classificado de ultrassecreto, mostra que a cúpula dos governos militares tinha ligações diretas com o CODI (Centro de Operações de Defesa Interna), órgão encarregado do planejamento, controle e repressão de atividades políticas durante a ditadura militar. Isso evidencia a responsabilidade do Estado e não apenas de indivíduos isolados.
“Temos muitos depoimentos dizendo que chegavam aos ministros, mas não tínhamos nenhum documento rubricado pelo comando que mostrasse a linha de comando chegando aos ministros militares. Essa estrutura é interessante porque ela é em rede. O comando do CODI tem três linhas de comunicação direta com os ministros do Exército”, afirmou a historiadora.
No primeiro ano de trabalho, a comissão também identificou que a prática da tortura por parte do Estado começou antes mesmo do início da luta armada e de 1968, quando foi instituído o Ato Institucional 5, medida que endureceu ainda mais o regime. “A tortura está na origem da ditadura, antes do início da luta armada”, afirma a historiadora.
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