Oito longas de diversos temas estão participando da mostra competitiva de documentários na Première Brasil do Festival do Rio. Para os organizadores as produções mostram o desenvolvimento dos documentários no Brasil. Participam da competição os documentários, Histórias de Arcanjo, um sobre Tim Lopes, de Guilherme Azevedo e Bruno Quintella; A Farra do Circo, de Roberto Berliner e Pedro Bronz; A Gente, de Aly Muritiba; Cativas, Presas pelo Coração, de Joana Nin; Cidade de Deus – Dez Anos Depois, de Cavi Borges e Luciano Vidigal; Conversa com JH, de Ernesto Rodrigues; Damas do Samba, de Susanna Lira; Fla x Flu, de Renato Terra.

As Histórias de Arcanjo, um documentário sobre Tim Lopes conta a trajetória do jornalista Antonino Lopes do Nascimento, que nasceu no Rio Grande do Sul, e ainda criança veio morar no Rio de Janeiro.

Arcanjo recebeu o nome de Tim Lopes,logo no início da carreira, por causa da semelhança com o cantor e compositor Tim Maia, e é considerado um dos maiores repórteres investigativos do Brasil. E foi enquanto fazia uma reportagem sobre tráfico de drogas e abuso de menores em bailes funks da Vila Cruzeiro, na Penha, zona norte do Rio, que foi morto por traficantes no dia 2 de junho de 2002. Segundo as investigações da polícia, ele foi torturado e teve o corpo queimado em um forno montado com pneus no alto da comunidade pelos traficantes do Complexo do Alemão.

O roteiro do documentário é de Bruno Quintella, filho de Tim, com direção e fotografia de Guilherme Azevedo, cinegrafista que trabalhou com o jornalista em diversas reportagens de denúncias.

O que mais motivou Bruno a fazer o filme foi contar a vida do pai, mas a saudade da convivência com ele foi o ponto de partida. “Sabíamos que ele tinha sido um grande repórter do jornal impresso, no Jornal do Brasil,  O Globo e Placar. E mais que um repórter de polícia, ele era um repórter social. Contar a história de vida dele, pessoal e profissional, mas sob olhar do filho. A saudade como ponto de partida”, disse à Agência Brasil.

Bruno, também jornalista, revelou que para contar a história do pai, teve ajuda da mãe Sandra Quintella e da segunda mulher de Tim, Alessandra Wagner. Elas tinham extenso material sobre matérias, fotografias e arquivos. Além disso, houve pesquisas nas redações dos jornais e na Biblioteca Nacional. “A Maria Byington, nossa pesquisadora, foi fundamental nessa busca. Na época do O Repórter, jornal onde meu pai iniciou a carreira, o acervo do Custódio Coimbra e Chiquito Chaves, com exemplares da época, nos permitiu alcançar o Tim do impresso, um Tim com liberdade de criar seu estilo, que foi vital para sua carreira. Sua maneira única de fazer jornalismo: vivenciar a rua e narrar em primeira pessoa”, destacou Bruno.

O roteirista, que tinha 19 anos, quando o pai foi morto, disse que durante a realização do documentário precisou se isolar, depois de algumas filmagens. Um desses momentos foi quando chegou a um campo de futebol no alto da comunidade, onde Tim foi torturado e morto. “No campo de futebol vivi meu momento de catarse. Estava muito nervoso, confuso, e, ao mesmo tempo, aliviado. Ali pude enfrentar meu trauma, a perda de meu pai da maneira que foi. Geralmente, depois das filmagens, eu mergulhava num silêncio, num exílio interno. Me sentia exausto, não queria papo com ninguém. Mas era como libertar um prisioneiro de mim mesmo, e eu precisava de tempo para me dar conta do processo de enfrentamento do luto. Transformar esse luto numa homenagem é se dar conta que não só seu pai morreu, mas superar essa perda”, explicou.

Bruno contou que se deu conta de que fazer um filme sobre o pai era fazer também um filme sobre ele mesmo. “Isso só seria possível se, durante o processo, eu alcançasse um amadurecimento, mesmo que na marra. Contar a história do pai é uma grande responsabilidade, porque você precisa ir muito fundo nos detalhes, e isso assusta e encanta ao mesmo tempo”, completou revelando também que o documentário superou a sua expectativa.

Para ele, está sendo uma honra e grande responsabilidade apresentar a história em festivais de cinema como o do Rio, o de Paris e o de Biarritz, na França, onde ele está agora. “O filme foi muito bem recebido aqui, debates, discussões. Eles são muito interessados não só no Brasil, mas na América Latina. E a história do meu pai é sempre lembrada e respeitada por aqui, não pela morte, mas agora, também, pela vida”, concluiu.